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Geral Violência doméstica: projeto criado em pandemia vê casos dobrarem

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Fonte: R7

projeto Justiceiras de acolhimento a mulheres vítimas de violência doméstica completou um ano e, em 2021, o número de denúncias saltou de uma média de 340 ao mês para 658 em março, com o início de novas parcerias. Durante a pandemia, ficar mais tempo em casa com o agressor tem sido cada dia mais desafiador. Segundo levantamento, 35% das atendidas moram com o suspeito. Em 51% dos casos, o agressor é o atual companheiro e em outros 48%, um ex-namorado ou marido.

“Tive um insight em março de 2020 e lembrei de todas aquelas mulheres que precisavam de ajuda. Quis criar um canal de denúncias e legitimá-las. Essas mulheres estão presas dentro de casa e não têm como denunciar, mas o que elas não podem é silenciar”, destaca a idealizadora do projeto, a promotora de Justiça Gabriela Manssur.

Em um ano, o Justiceiras registrou cerca de 4.500 atendimentos em todo o país. Foi criada uma rede de mulheres que lutam pelos direitos de outras mulheres de forma totalmente gratuita. A equipe é multidiscipilinar e tem mais de cinco mil voluntárias entre advogadas, médicas, psicólogas e assistentes sociais.

“O serviço é remoto, sigiloso e feito pelo WhatsApp. A vítima só preenche um formulário. É um pronto-socorro para mulheres que chegam, recebem acolhimento jurídico e psicológico. A resposta é em até 48 horas. Se for uma emergência, a recomendação é ligar 190 e chamar a polícia”, explica a advogada e liderança do Justiceiras, Luciana Terra.

Vanessa Alves do Nascimento, de 36 anos, foi uma das primeiras atendidas pelo projeto. Ela já estava em fuga do agressor quando decidiu preencher o formulário que descobriu nas redes sociais.

“Tudo que aconteceu comigo foi só depois do Justiceiras, como medida protetiva e acolhimento. Me estenderam a mão para um recomeço e salvaram minha vida. Elas me explicaram que eu tinha que ir para polícia e toda nova ameaça ou perseguição era comunicada ao Ministério Público. Eu printava tudo, imprimia e mandava e foi assim que conseguimos a prisão dele”, lembra.

Ela vivenciou calada quase um ano de violência doméstica por parte do marido e, por vergonha, escondeu até da família. Logo após a união, ele não permitia que ela trabalhasse, visitasse parentes e tinha ciúmes do filho mais velho dela, que tinha 9 anos. A situação ficou ainda pior quando ela engravidou das gêmeas e ele a acusava de não saber cuidar dos filhos.

“Já cogitava separação, mas ele ameaçava cortar a mangueira do gás e explodir a casa, pegava facas, falava que se a gente dormisse, todo mundo ia morrer. As agressões eram sutis, mais psicológicas e morais, não deixavam marcas, mas ele torceu meu braço e me enforcou”, revela Vanessa.

Parcerias dão visibilidade ao projeto. A violência contra mulher é uma pandemia que se agravou com a outra pandemia

LUCIANA TERRA, ADVOGADA DO JUSTICEIRAS

Sem privacidade, 32% das vítimas são vigiadas pelo celular. Mesmo depois da separação, perseguição e ameaças continuaram. Ela se viu obrigada a mudar de casa e cidade e ainda assim era monitorada pelo ex-marido. Na delegacia, foi desestimulada a registrar o boletim de ocorrência sob a alegação de que ela voltaria para o agressor.

Em uma das ocasiões, ela levou as filhas num encontro do Caps Álcool e Drogas (Centro de Atenção Psicossocial) para que ele pudesse vê-las e foi surpreendida: “Ele espremeu minha filha e perguntou se eu tava preparada para enterrar um filho. Falava que ia me encher de bala e, se não tivesse armado, que ia torcer meu pescoço”.

Em novembro de 2020, o agressor foi preso e afastado das filhas. Mesmo com crises de ansiedade, Vanessa tenta retomar a rotina com o apoio da família. “Tô mais tranquila porque nem 40% do que aconteceu comigo, outras conseguem aguentar. Me sinto privilegiada porque está sendo feita justiça. Não podemos ficar reféns, vou lutar pela minha liberdade. Tenho filhas mulheres que quero que tenham o relacionamento que quiserem”, enfatiza.

Vivendo com o inimigo

Das mulheres atendidas pelo Justiceiras, 45% nunca tinham procurado ajuda ou órgão público e quase 80% delas sofreram violência psicológica. Um dos entraves para a denúncia é a dependência financeira do agressor. Em 75% dos casos as vítimas ou estavam desempregadas,  viviam do mercado informal ou não possuíam renda fixa. Outra dependência é a emocional, ao receber ameaças contra os filhos.

A operadora de caixa de 31 anos, moradora de Sergipe, prefere não ser identificada. Em maio de 2019, ela foi vítima de uma tentativa de feminicídio quando voltava da igreja para casa. Foi baleada quatro vezes, ficou cinco dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e passou por cirurgia de emergência.

Vítima tem duas balas alojadas no corpo: na virilha e atrás do rim

Vítima tem duas balas alojadas no corpo: na virilha e atrás do rim

REPRODUÇÃO / ARQUIVO PESSOAL

“Sou um milagre de Deus. Não foi ele quem disparou. Ele pagou um homem, um funcionário do pai dele pra fazer isso. Mas foram muitas agressões psicológicas e físicas em 12 anos de relacionamento. Ele me empurrava na parede, batia minha cabeça. Quando ia pro hospital, eu mentia e dizia que tinha caído e ele falava que não ia acontecer mais. Ele é manipulador”, ressalta.

Ela vive hoje com duas balas alojadas no corpo: uma na virilha e outra atrás do rim. Teve de reaprender a andar e fez três meses de terapia. Mudou de estado e tenta  se reerguer com ajuda da mãe e da irmã.

Um dos medos que ela tinha era perder a filha. Desde que nasceu, ele ameaçava levar a criança em caso de divórcio e passou a agredi-la por besteira.

Segundo a vítima, o crime foi premeditado. Ele comprou passagens para o atirador e as câmeras comprovaram o vínculo dele com o ex-marido, por isso foi preso e ainda vai a júri popular. Após a separação, ela luta pela guarda da garota de 9 anos, levada por ele, e que vive aos cuidados da tia paterna.

“A Justiça é muito falha. Há um ano que não vejo minha filha, nem por vídeo. Já se passaram dois aniversários que estou longe dela. Tenho três cadernos que escrevo para ela. Minha filha não sabe da tentativa de feminicídio e me culpa porque falam que o pai tá preso por causa da mãe dela”, afirma emocionada.

Hoje ela tem uma medida protetiva contra ele e a família, e buscou ajuda no Justiceiras: “Tô em tratamento comigo mesma. O projeto me deu voz e me mostrou o caminho pra me fortalecer nessa luta, que é diária. A violência doméstica deixa a gente fragilizada, mas tenho uma visão diferenciada hoje. Antes eu pensava que tinha que manter a família, agora sei que a mulher tem que ser livre, estar bem, e ser aceita mesmo sem casamento”, conclui.

Após ser baleada na perna, vítima precisou passar por cirurgia e ficou cinco dias na UTI

Após ser baleada na perna, vítima precisou passar por cirurgia e ficou cinco dias na UTI

REPRODUÇÃO / ARQUIVO PESSOAL

Para a promotora Gabriela Manssur, o feminicídio pode ser evitado: “Nenhuma das mais de 4 mil mulheres atendidas foi vítima de feminicídio. Dá para evitar a morte violenta dessas mulheres com comprometimento e prioridade. A medida protetiva não pode ser um papel na mão, tem que ser fiscalizada, com investimento em tornozeleira eletrônica, botão do pânico e policiamento”.

Sofrimento em silêncio

A recomendação às vítimas de violência doméstica é denunciar, buscar ajuda, se proteger, mas não se intimidar. Com vergonha de relatar as agressões às famílias, muitas vítimas sofrem caladas.

“Percebemos que 45% desabafam com familiares e amigos, mas não conseguiram tomar a iniciativa de registrar oficialmente a violência”, relata a promotora Gabriela Manssur.

A vendedora de 31 anos, que não quer ter o nome revelado, até hoje não expõe a violência sofrida aos parentes. Ela registrou cerca de 10 boletins de ocorrência contra o ex-namorado, passou por diversos exames de corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal) e sofreu com o desestímulo na delegacia. Depois descobriu que outras duas ex-namoradas registraram queixas contra ele.

Marcas roxas no pescoço após tentar enforcar a vítima

Marcas roxas no pescoço após tentar enforcar a vítima

REPRODUÇÃO / ARQUIVO PESSOAL

“Na primeira vez, ele foi preso em flagrante porque os vizinhos ouviram ele me bater. Até jogou a cadeira na própria mãe e agrediu os policiais. Foi solto na audiência de custódia e continuou a perseguição. Ele foi preso três vezes por não cumprir as medidas cautelares. Quando eu ia no DP, eles falavam: você de novo? ainda não resolveu?”.

A vítima tem duas filhas, de 10 e 7 anos, de um outro relacionamento e temia que fossem alvos dele. “Elas presenciaram algumas brigas, foram ameaçadas e ficavam apreensivas. Ele ligava pra empresa onde eu trabalhava, perturbava, tudo por ciúmes. Foi acabando com a minha estrutura, até que falei que não dava mais pra trabalhar por vergonha. Ele até cortou meu cabelo”, lembra.

Como ele sabia toda a rotina dela, a vítima procurou o Justiceiras e passou a relatar passo a passo o que acontecia até a prisão. Recebeu ajuda psicológica e jurídica sem custo e acompanhamento de perto do processo.

“Hoje consigo dormir. Voltei a trabalhar e quero me mudar, mas não tenho condições pra isso. Dele eu tenho medo porque cadeia não corrige ninguém. Aquilo não era uma aproximação por amor. Cada vez ficou pior, se fortaleceu lá dentro e não vou ter mais sossego. Ele é inteligente, calculista e não cumpre regras”, diz.

É a união de mulheres pela equidade, pela vida e não violência. Todas somos corajosas, mas às vezes precisamos de um empurrãozinho

GABRIELA MANSSUR, PROMOTORA DE JUSTIÇA

Parcerias

Uma em cada três mulheres sofre violência doméstica no Brasil e o país é o quinto mais violento contra elas. As denúncias precisam aumentar ainda mais e as empresas podem ser parceiras.

“É o projeto dos contatinhos. Acionamos as lideranças locais, procuramos Ministério Público, Defensoria, nossa rede, até conseguirmos uma saída para aquela mulher. Temos apoio de 11 países. A ideia é aumentarmos as parcerias. A violência contra mulher é uma pandemia que se agravou com a outra pandemia”, afirma Luciana Terra.

A advogada lembrou de um caso emblemático, quando o projeto foi o responsável por libertar uma vítima de cárcere privado: “A mulher era do Pará, mas foi morar com o namorado em Minas Gerais. O irmão dela no Rio Grande do Sul buscou o Justiceiras. Fizemos uma articulação e estouraram o cativeiro. Ela estava machucada, com o cabelo cortado, e voltou para o Pará. Há uma demora no envio do processo entre estados, mas nesse caso foi muito rápido”.

Segundo Luciana Terra, em um mês, 10% das denúncias recebidas pelo projeto vieram por meio do aplicativo de transporte da 99 e outros 9% pelo aplicativo de compras da Magazine Luiza. Antes das parcerias, por dia, 17 vítimas preenchiam o formulário para solicitar apoio do projeto, mas, em março, a média foi de 31, sendo que 52% delas são do Estado de São Paulo.

Desde março, ao abrir o aplicativo da 99, escolher no menu a opção Central de Segurança, a usuária tem acesso ao formulário que direciona o atendimento para o Justiceiras.

“A mulher não precisa estar em corrida para fazer a denúncia. Pode estar no sofá de casa, acessar o app e preencher o formulário de forma sigilosa. Ela pode sinalizar como quer ser contatada por celular, e-mail ou telefone de segurança. Após a triagem, as mulheres em situação de vulnerabilidade recebem o acolhimento. Nosso papel é criar uma conexão fácil”, explica Livia Pozzi, diretora de Operações da 99.

Para combater a violência, as mulheres que colocarem o endereço de uma das 180 DDMs (Delegacias da Mulher) no Brasil, durante a corrida por carro de aplicativo, terão desconto no valor de até R$ 20 na ida e R$ 20 na volta.

“Como plataforma temos muitas obrigações e não podemos tapar os olhos aos problemas da sociedade. Transportamos mais de 20 milhões de passageiros no Brasil e 60% são mulheres. Queremos estimular as denúncias e sabemos o quanto isso impacta na vida das pessoas”, comenta a executiva da 99.

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