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Homens violentos alternam comportamentos, alerta Promotora de Justiça

Saiu no site EMAIS

 

Veja publicação original:   Homens violentos alternam comportamentos, alerta Promotora de Justiça

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Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, a Dra. Valéria Diez Scarance Fernandes, Promotora de Justiça e Coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, fala sobre o lançamento da cartilha #NamoroLegal e os dados de violência contra a mulher

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Ainda que junho já tenha passado e todas as campanhas sobre o Dia dos Namorados também, é sempre tempo de falar sobre #NamoroLegal. Por quê? Porque no Brasil, 42% das mulheres entre 16 e 24 anos sofreram violência em 2018, segundo Pesquisa Visível e Invisível 2019, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A pedido do Fórum, o Datafolha ouviu mais de 1.000 mulheres sobre violência contra a mulher. 42% delas disseram já ter sofrido agressão dentro de casa. Os principais agressores: cônjuges e namorados, responsáveis por quase 24% dos casos.

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536 mulheres foram agredidas por hora. O número de notificações de violência física contra mulheres causadas por seus parceiros, segundo o Ministério da Saúde, quase quadruplicou de 2009 a 2016. A cada dia no Brasil, 15 mulheres são mortas pelo fato de serem mulher. Três de cada cinco mulheres jovens estão em um relacionamento abusivo. Será que é o seu caso? Você saberia identificar?

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Embora se fale mais sobre o assunto, que tenhamos feitos avanços significativos nos últimos anos e que contamos com movimentos como a Primavera Feminista, em 2015, e o #MeToo, em 2018, ainda temos a quinta maior taxa de feminicídios do mundo. E um dos grandes empecilhos ao combate é a tolerância social a esse tipo de violência. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2014, embora 91% dos brasileiros afirmem que “homem que bate na esposa tem de ir para a cadeia”, 63% concordam que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”. 89% dos entrevistados pensam que “roupa suja deve ser lavada em casa” e 82% que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

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Dados que só reforçam a importância de dialogar, também, com quem sofre a violência. Na procura por diminuir as estatísticas e ajudar mulheres a identificar os primeiros sinais de um relacionamento abusivo, o Ministério Público de São Paulo lançou a cartilha #NamoroLegal, sob o comando da Promotora de Justiça e Coordenadora do Núcleo de Gênero do MPSP, Dra. Valéria Diez Scarance Fernandes.

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Dra Valéria, do MPSP, foi quem desenhou a cartilha #NamoroLegal com dicas simples e práticas sobre relacionamentos. A ideia é que mulheres e meninas possam identificar ali sinais de comportamentos abusivos e saber o que fazer quando o namorado ou o crush é controlador ao extremo. O material, que conta com o apoio da empresa Microsoft, conta com a tecnologia como aliada. Utilizando Inteligência Artificial, o Ministério Público de São Paulo, a Microsoft e os parceiros Elo Group e Ilhasoft criaram a MAIA (Minha Amiga Inteligência Artifi- cial), uma bot que pode conversar com sobre namoro de uma forma leve e descontraída. Numa tentativa de se aproximar dessa mulher que está sofrendo violência.

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Por que fazer a cartilha? Como brotou o projeto? 

“Mulheres jovens e adolescentes sofrem elevados índices de vitimização, mas dificilmente percebem que estão em um relacionamento violento antes de uma marca física ou de um grave sofrimento. Comportamentos de controle, isolamento e ciúmes excessivo são comuns, mas ao mesmo tempo naturalizados no namoro como se fossem “atos de amor”. Na cartilha, há dicas que ajudam a identificar os comportamentos abusivos e o que fazer diante desses comportamentos”.

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Qual a preocupação do MPSP frente a este assunto?

“Os índices de violência estão cada vez mais elevados, estimando-se que 3 a cada 5 mulheres jovens sofrem algum tipo de controle/abuso nos relacionamentos afetivos. Apesar disso, não havia no Brasil uma cartilha específica para essas jovens, com uma linguagem apropriada e dicas práticas. Na cartilha, o tema da violência é abordado de forma mais leve, sem referência expressa às formas de violência, ou uso das palavras vítima e agressor, justamente porque a maioria das mulheres não se identifica como vítima antes de uma marca física. Apesar disso, a cartilha traz dicas muito importantes que podem ajudar adolescentes e jovens, mas também mulheres adultas, a impor limites a comportamentos abusivos e desta forma prevenir a violência severa. A campanha surge como um instrumento de conscientização, prevenção à violência e feminicídio”.

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O que significa um namoro destrutivo para uma menina? 

“O relacionamento abusivo envolve três aspectos fundamentais: controle, isolamento e ciúmes excessivos. Essa dominação acontece aos poucos, com pequenos gestos, críticas constantes, comentários ofensivos, ataques seguidos de pedidos de desculpas, o que torna mais difícil para a mulher identificar a situação. A cartilha Namoro Legal aborda, dentre outros temas, a escolha consciente do parceiro, território de segurança, igualdade no relacionamento, autonomia, indicadores de violência psicológica e inversão da culpa”.

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As dicas partiram de qual base ou estudo?

“As dicas que integram a Cartilha Namoro Legal têm base científica e empírica. Foram elaboradas com base em meus estudos como Professora Doutora e Pesquisadora da PUC-SP, bem como minha experiência de mais de 20 anos de Promotora de Justiça, em que atuei em centenas de casos, mesmo antes da criação da Lei Maria da Penha”.

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Uma das dicas fala sobre valorizar seu espaço próprio. E uma das primeiras atitudes que a gente vê na mulher é o negligenciamento desse espaço e das relações que ela tem em nome do namoro. O problema é que começa aos poucos e a menina não percebe ou até acha que não tem problema deixar de fazer “só isso” por conta do namorado. Como dizer não logo de cara? O que é importante preservar? 

“Uma das dicas – “seu espaço é só seu” – menciona justamente esse espaço que traz segurança e autonomia para a jovem. Nele, estão as pessoas mais importantes para ela, como família e amiga de confiança, atividades que gosta de fazer, lugar preferido, seus dons, seu estilo, sua essência. Preservando-se esse território, é possível prevenir situações perigosas, como o isolamento. É importante nunca abrir mão desse território seguro pela vontade do parceiro. Aqui, não existe negociação, nem o “só isso””.

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No código da “namorada ideal” é grande o machismo que existe no fato do homem dizer a mulher como ela deve se vestir, se portar e usar o cabelo. São fatores muito presentes na nossa sociedade e que foram naturalizados. Como a menina pode entender que isso não é prova de amor e que relacionamento não se fortalece quando você deixa de ser quem você é? 

“Não existe o Código da Boa Namorada, pois nenhuma garota, ou mesmo a mulher adulta, está obrigada a seguir um manual de regras para ficar com o parceiro. Uma relação saudável é construída com base na confiança e dedicação dos dois, em igualdade. Ao aceitar as exigências do parceiro, contra sua vontade, a mulher manda um claro recado de que a relação está em primeiro lugar e está disposta a abrir mão de seu “eu” pelo parceiro. Pode ser o início de um caminho de dominação e despersonalização. Às vezes, o namorado ameaça terminar o relacionamento caso exigência não seja atendida. Se isso acontecer, não há alternativa para a garota senão impor limites bem definidos, o u ele perceberá que a domina e ficará mais difícil dizer “não” da próxima vez”.

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Amor não é posse, mas quem vive um relacionamento abusivo sentir-se possuída é um fator de peso. Normalmente, ela já se afastou das pessoas que gostava e está sozinha com essa pessoa. A sensação de ser amada está neste controle. O que fazer? 

“A cartilha #NamoroLegal trata dessa questão na dica “não vá morar na lua”. O namoro é uma parte importante da vida, mas só uma parte. Além do namoro, existem outros aspectos importantes da vida e que devem ser preservados: família, amigos, trabalho, estudo, autonomia. É muito importante para a jovem manter-se conectada a pessoas de confiança e atividades que dão autonomia. Se já aconteceu o isolamento, deve-se retomar esses laços, ainda que contra a vontade do parceiro. Homens violentos usam o isolamento como estratégia para diminuir a possibilidade de resistência das parceiras. Assim, todo cuidado é pouco, principalmente quando o namorado cria situações deliberadas para o afastamento”.

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Você fala muito da importância da menina não se afastar das coisas que ela gosta e do que é importante pra vida dela. Como ter forças pra isso? Como perceber essa importância, principalmente quando a autoestima já está baixa? 

“Preservar a autoestima é um exercício diário. Para isso, a mulher deve manter-se conectada ao território seguro, que já mencionamos. Deve estar próxima de pessoas que sejam realmente de confiança, que lhe deem bons conselhos e saibam reconhecer seus talentos. Um passo por dia no caminho do fortalecimento. Se precisar de ajuda profissional, deve procurar”.

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A mulher que está nessa relação sempre acha que o homem vai mudar. Ele promete que não vai mais fazer isso ou aquilo e ela se apoia na fala para se manter no relacionamento. Como perceber que esse cara não vai mudar? E que é ela quem tem que sair da relação? 

“Homens violentos alternam comportamentos de ataque com comportamentos doces e gentis. Eles normalmente culpam as parceiras quando perdem o controle e só são violentos com as parceiras, não com estranhos. Por isso, muitas mulheres acreditam que elas são as responsáveis pela agressão e com seu amor e dedicação tem o poder de transformar o parceiro. Isso não acontecerá. Homens assim carregam dentro deles um padrão violento, aprendido ao longo da vida. Nada que a parceira faça mudará esse padrão. Quanto mais ela se submeter, mais violento ele se tornará. Apenas um programa oficial, específico para autores de violência, poderá mudar esse comportamento. É importante não se iludir: fera não vira príncipe com o amor da mulher”.

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Existe um nome para esse lugar de violência em que a mulher se encontra? 

“Nenhuma mulher escolhe um parceiro violento. A relação violenta tem início como qualquer outra, com uma fase de encantamento e sedução. Aos poucos, o parceiro começa a exercer atos de controle, isolamento, rebaixamento moral. A violência só acontece quando a mulher já está submetida, insegura, frágil. Depois do ato violento, o agressor fica gentil e amoroso, mas a violência volta se repetir, cada vez com maior intensidade. Essa repetição dos atos violentos associada a uma sensação de impotência faz com que a mulher não consiga mais reagir, é como se ela não tivesse saída. É a chamada Síndrome do Desamparo Aprendido. Assim, mulheres não abandonam parceiros e não reagem porque não conseguem”.

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E quem pode ajudá-la? Ela deve pedir ajuda? Existem órgãos públicos preparados a dar apoio psicológico a mulheres e meninas? 

“Ninguém precisa estar só. Ela pode pedir ajuda a um familiar, uma amiga, uma professora, conselho tutelar ou rede pública. Se estiver acontecendo um ataque, é importante chamar a polícia pelo 190. Se não for uma situação de emergência, é possível fazer denúncia anônima pela Central 180. Além disso, nas cidades há redes especializadas de atendimento para pessoas que vivem situação de violência, o que pode ser facilmente encontrado. Em casos de tristeza extrema, risco de suicídio, existe um telefone que atende 24 horas: basta DISCAR 188”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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