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Gênero: ideologia ou realidade?

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Por Luís Corrêa Lima*

Há pesquisas de neurociência concluindo que o sexo biológico não se reduz à genitália e à anatomia.

Os planos governamentais de educação básica no Brasil trouxeram à tona uma controvérsia: a promoção da igualdade de “gênero e orientação sexual”. Esta igualdade é defendida pelos que querem ampliar os direitos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais); e recusada por outros, entre os quais estão segmentos religiosos cristãos.

Tal controvérsia já tinha se manifestado na ONU em 2008, quando a França propôs a descriminalização da homossexualidade em todo o mundo. A proposta incluía o fim da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. A delegação da Santa Sé na ONU manifestou apreço pela proposta francesa de condenar todas as formas de violência contra pessoas homossexuais, e exortou os Estados, inclusive os muçulmanos, a tomarem as medidas necessárias para pôr fim a todas as penas criminais contra elas. Para a Igreja Católica, baseando-se em uma “sã laicidade” do Estado, as relações sexuais livremente consentidas entre pessoas adultas não devem ser consideradas delito pelo poder civil. Mas o fim da discriminação por identidade de gênero e orientação sexual não foi aceito. Alegou-se que isto poderia se tornar um instrumento de pressão contra os que consideram o comportamento homossexual moralmente inaceitável, não reconhecem a união homossexual como família, nem a sua equiparação à união heterossexual e nem o seu direito à adoção e à reprodução assistida1.

O papa Francisco, por sua vez, ratificou o alerta do Sínodo dos Bispos sobre a Família a respeito de formas de uma ideologia chamada gender (gênero). Estas negam a diferença e a reciprocidade natural entre homem e mulher, preveem uma sociedade sem diferenças de sexo, e promovem uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. A identidade humana fica à mercê de uma opção individualista. O sexo biológico (sex) e função sociocultural do sexo (gender) podem se distinguir, mas não se separar2.

Este alerta não significa necessariamente uma condenação dos estudos de gênero e de tudo o que lhes diz respeito. Tais estudos são bastante heterogêneos e não há uma teoria unificadora e abrangente. Em geral, evidenciam o papel da cultura e das estruturas sociais na configuração e na relação entre os gêneros, questionam a subalternidade de um gênero a outro, e, nas últimas décadas, contemplam a realidade de pessoas LGBT.

Há pesquisas de neurociência concluindo que o sexo biológico não se reduz à genitália e à anatomia. É o cérebro que define a identidade e a orientação sexual. No caso de pessoas transgênero, o cérebro e a percepção de si não correspondem à genitália e ao restante do corpo. A pessoa se sente homem em um corpo de mulher, ou se sente mulher ou travesti em um corpo de homem. Com relação à orientação sexual, há odores ligados à masculinidade e à feminilidade, os feromônios, que quando inalados são identificados pelo cérebro e influem na percepção e no comportamento. No mundo animal, estes odores são fundamentais na aproximação entre os sexos e no acasalamento. Tomografias especializadas revelam que o cérebro de mulheres homossexuais responde aos feromônios de forma diferente do cérebro de mulheres heterossexuais, e de forma similar ao de homens heterossexuais. Experimentos semelhantes com homens homossexuais chagaram a resultados opostos e simétricos3.

Mesmo que haja também fatores psicossociais incidindo nesta realidade, ser LGBT não é escolha e nem opção individualista. São faces da complexa diversidade entre homem e mulher. Não se pode querer que todos vivam como se fossem heterossexuais e cisgêneros (identificados com o sexo que lhes é atribuído ao nascer). Não se pode ignorar as diversas formas de discriminação e violência que oprimem e devastam tal população. A filósofa Judith Butler tem razão em querer que o medo da marginalização, da patologização e da violência seja radicalmente eliminado; bem como em almejar construir um mundo em que as pessoas possam viver e respirar dentro da sua própria sexualidade e do seu próprio gênero4.

Estes anseios têm convergências com a pregação e o exemplo do papa Francisco. Ele convoca a Igreja a ir às periferias existenciais, ao encontro dos que sofrem com as diversas formas de injustiças, conflitos e carências. Quer o anúncio do amor de Deus que nos salva precedendo toda a obrigação moral e religiosa, curando as feridas e fazendo arder o coração, como o dos discípulos de Emaús que se encontraram com o Senhor ressuscitado. Para Francisco, o Evangelho convida antes de tudo a responder a Deus reconhecendo-O nos outros, e saindo de nós mesmos para buscar o bem de todos. O papa se encontrou com pessoas LGBT e seus respectivos companheiros, acolhendo-os e confortando-os. E justificou: “as pessoas devem ser acompanhadas como as acompanha Jesus. […] em cada caso, acolhê-lo, acompanhá-lo, estudá-lo, discernir e integrá-lo. Isto é o que Jesus faria hoje”5.

Para uma sã laicidade do Estado, convém evidenciar do que se trata nas atuais proibições de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. No Rio de Janeiro, muitos estabelecimentos comerciais têm uma placa, em português e em inglês, dizendo que é proibido este tipo de discriminação, sob forma de constrangimentos ou atendimento diferenciado, conforme a lei municipal. Em São Paulo, uma lei estadual determina a punição de toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero. Uma resolução do governo federal regulamenta a inclusão dos itens “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência emitidos pelas autoridades policiais no Brasil. E se considera nome social aquele pelo qual travestis e transexuais se identificam e são identificados pela sociedade. A razão desta resolução é a necessidade de dar visibilidade aos crimes violentos contra a população LGBT, e assim favorecer ações e políticas públicas para o seu devido enfrentamento6.

Tal legislação não é um instrumento de pressão contra o direito das igrejas de ensinarem sobre sexualidade, matrimônio e família, mas é uma maneira de defender pessoas que não raramente são humilhadas, hostilizadas e até massacradas. A sã laicidade é um valor apreciado pela Igreja Católica. Isto só é possível favorecendo a proteção das pessoas, sobretudo as mais vulneráveis, a liberdade religiosa e de consciência, e a convivência com a diversidade em um mundo plural. Só assim os LGBT poderão viver e respirar em seu próprio gênero e sexualidade. Só assim poderão também conhecer o jugo leve e o fardo suave prometidos por Jesus.

[1] “Difesa dei diritti e ideologia”, L’Osservatore Romano, 20 dez. 2008.

[2] Exortação pós-sinodal Amoris Laetitia, 2016, nº 56.

[3] HERCULANO-HOUZEL, S. “O cérebro homossexual”. Mente & cérebro, nº165, 2006, p. 46-51.

[4] “La invención de la palabra” (entrevista). Pagina 12, 8 mai. 2009.

[5] Conferência de imprensa, 2 out. 2016. .

[6] Resolução nº 11, de 18 dez. 2014. Diário oficial da união, 12 mar. 2015, p. 2.

 

 

Publicação Original: Gênero: ideologia ou realidade?

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