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“MULHERES RICAS E ESCOLARIZADAS TAMBÉM APANHAM”, DIZ PROMOTORA

Sempre gostei da Luiza Brunet, agora muito mais pela coragem. Lendo a repercussão do seu caso, me lembrei dessa entrevista que concedi a Thais Lazzeri, da revista Época, que compartilho ao final desse texto, sobre a violência contra mulher em todas as camadas sociais. Esse tipo de crime não tem classe social, idade, beleza, raça, religião e eu tenho falado sobre isso há algum tempo, quem me acompanha sabe. Qualquer mulher pode ser vítima e o melhor caminho é a denúncia. Mas quando a violência contra a mulher atinge a classe média alta ou alta, ou ainda, celebridades e pessoas públicas, muitas não denunciam por vergonha, como se a violência fosse velada nessas classes sociais. Mas temos que mudar essa realidade, nós mulheres estamos juntas e infelizmente fazemos parte de um cenário em que todas estão sujeitas a qualquer tipo de violência: física, psicológica, sexual e patrimonial.
Todas nós temos o direito de viver uma vida livre de violência.

Saiu no site Época:

A promotora Maria Gabriela Prado Manssur usa o Instagram para incentivar denúncias e contesta a ideia que só as mais pobres são agredidas

Parte do trabalho da promotora Maria Gabriela Prado Manssur, coordenadora do Núcleo de Combate à Violência contra a Mulher do Ministério Público (MP), em Taboão da Serra, é mirar em um público que sofre violência, mas pouco denuncia: as mulheres  ricas ou com independência financeira. O último caso público envolvendo a elite paulistana foi o de uma advogada, ameaçada pelo ex. Amigas da advogada agredida é que acionaram a promotora. Questionada, a vítima concordou em ir adiante com a denúncia.

Para chegar a mais mulheres vítimas de violência, Gabriela tem uma conta no Instagram, com o nome Justiça de Saia, para falar sobre violência contra a mulher. Nas redes, Gabriela conta casos e sentenças sem expor a vítima. Este ano, conseguiu apoio público das badaladas empresárias de moda Costanza Pascolato e Cris Arcangeli para uma corrida de rua pelo fim da violência contra a mulher. Ambas publicaram a iniciativa na internet. O empenho nas redes fez Gabriela ser convidada por duas escolas particulares de São Paulo para falar com adolescentes sobre compartilhamento de fotos e vídeos. O reconhecimento pelo trabalho dentro e fora do Ministério público chegou. Este ano, Gabriela recebeu a Medalha Ruth Cardoso, que desde 2008 premia os que se destacam na luta pelos direitos femininos em São Paulo.

ÉPOCA – Quais são os casos de violência contra a mulher que não chegam via promotoria?
Maria Gabriela Prado Manssur –
Dentro da promotoria recebo, por dia, pilhas e pilhas de pedidos de medida preventiva, flagrante de violência, casos de abusos contra meninas e adolescentes, de decisões machistas em atendimento de delegacias. No meu dia a dia particular recebo as mesmas mensagens de pessoas que convivem com a Gabriela e que não querem, por medo ou vergonha, tornar o caso público. Mulheres ricas e escolarizadas também são vítimas e também têm medo de denunciar.

ÉPOCA – Para mulheres com menos recursos, o fator financeiro é um impeditivo para fazer a denúncia. Mas essa questão não existe para mulheres com dinheiro.
Gabriela –
Não é medo, é vergonha de assumir que sofre violência e ser criticada. Têm mulheres que sentem pena do agressor, que via de regra são bons pais de família, cumprem a função de provedor. Existe ainda a dependência emocional. Muitas assumem que ainda gostam dessa pessoa e que não conseguem romper o vínculo de anos de relacionamento ou anos de namoro. Vejo isso com as meninas mais novas. Conheço uma mulher que sofreu violência a vida inteira, mas não se separou porque não queria baixar o padrão de vida. Ela não ia ficar pobre, mas não teria a vida de antes, com motorista, carros e privilégios para os filhos, como estudar fora do país.

ÉPOCA – Um dos raros casos que chegaram a público foi de um rapaz, indignado com o fim do namoro, que tentou agredir a namorada numa festa privada. Esse caso chegou para a senhora antes, não é?
Gabriela –
Sim, foi um dos últimos casos que recebi via redes sociais. Uma advogada foi ameaçada pelo namorado de uma classe econômica alta. Não sei como, mas as amigas dela conseguiram até o número do meu celular. Atendi a garota pessoalmente antes do caso dela ir para o promotor competente do caso. Orientei-a e a encorajei a manter a denúncia. Ela não desistiu.

ÉPOCA – A senhora usa o Instagram, com o nome Justiça de Saia, para falar dos casos que recebe no MP. Por que decidiu usar as redes?
Gabriela
 – As pessoas conhecem o meu trabalho e o do Ministério Público no enfrentamento da violência contra a mulher. Antes de criar o Justiça de Saia, me marcavam na internet em casos em que poderíamos ajudar. Então criei a conta para falar de mulheres vencedoras, que denunciaram e foram acolhidas, os projetos dos núcleo, as conversas que tenho nas escolas – fui convidada por duas escolas particulares para falar sobre violência, exposição e constrangimento moral na internet. Conto o que aconteceu, mas não cito nomes nem ponho a foto. Dou informações de como e onde procurar ajuda. Em nenhum dos casos estamos falando de rico ou pobre. São pessoas instruídas, cientes de seus direitos e que usam as redes sociais para aprender a se proteger. Não é um crime de camada social. É uma violência contra todas as mulheres.  Sei que me exponho um pouco e posso sofrer preconceito em relação a isso, mas assim ajudo mais mulheres, e esse é o meu objetivo e o do MP.

ÉPOCA – Por que a senhora, em uma campanha pelo fim da violência doméstica, pediu apoio para as empresárias de moda Costanza Pascolato e Cris Arcangeli?
Gabriela –
Sempre gostei de moda. Aos poucos fui percebendo como usar essa afinidade para levar oi trabalho do MP mais longe. Consegui o apoio das empresárias de moda Costanza Pascolato e Cris Arcangeli para a primeira corrida contra a violência que o MP organizou. Um site de moda abraçou a causa e divulgou para suas seguidoras. Quase vinte mil mulheres que não falariam sobre violência tiveram acesso a essas informações importantes, e 2500 pessoas correram.

ÉPOCA – No seu trabalho, a senhora já ouviu que “mulher gosta de apanhar”?
Gabriela –
Com tristeza digo que ainda escuto isso, inclusive entre mulheres. Em todas as apresentações sobre conscientização da violência, começo com o caso da Rihanna (a cantora que apanhou do ex-namorado), por ser emblemático. Então pergunto: “Você acha que ela gosta de apanhar?” Não é raro ouvir que sim. Numa palestra para enfermeiras de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) – que funciona como porta de entrada de mulheres que sofreram violência ou estão debilitadas física e psicologicamente–, o primeiro retorno foi esse. Como representante do MP, mostrei que a vítima tem medo do agressor, é dependente financeiramente, teme pela vida dos filhos e etc. Nenhuma mulher gosta de apanhar mas, sozinha, não consegue romper o ciclo de violência. As enfermeiras saíram da UBS dizendo que iam multiplicar o que aprenderam.

ÉPOCA – Na última década, cerca de 4.500 brasileiras morreram por ano vítimas de violência. Quais são os passos para romper esse ciclo?
Gabriela
– O primeiro caminho é denunciar. Se a mulher não rompe o silêncio, ninguém vai ajudá-la. Ela pode pedir ajuda pelo Disque 180 da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, diretamente ao Ministério Público, em centros de referências para a mulher ou delegacias especializadas, em UBSs e etc. Ela precisa encontrar essa porta para fazer a denúncia. O primeiro equipamento que aciona já encaminha o caso para a rede toda. Infelizmente, não existe um documento único para tudo isso, o que significa que a mulher tem que recontar várias vezes a mesma história triste. Defendo a criação de um documento único. Além de evitar desgaste da vítima, aceleraria o processo. Outra novidade é um aplicativo para smartphone que ajuda a vítima a denunciar, em tempo real, a violência. Foi criado pela organização Promotoras Legais Populares (PLP), uma entidade que nasceu em São Paulo, há vinte anos, com a ativista Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha. Elas desenvolveram um aplicativo gratuitopara android, o PLP 2.0, que ganhou o prêmio Google. Depois de baixar o aplicativo, basta movimentar vigorosamente o celular para o programa acionar uma rede protetiva de atendimento, formada por líderes comunitárias capacitas pela organização. O aplicativo permite gravação de vídeo e envio de foto, provas importantes num processo.

ÉPOCA – Ouvi de líderes comunitárias que a lei Maria da Penha é ruim. Elas esperam que, denunciando, o agressor seja afastado na hora, o que não acontece. Na opinião da senhora, a lei é eficiente?
Gabriela
– Entendo que a lei não tem falhas, o que acontece é que ela é extremamente moderna para a nossa realidade. Há necessidade de um investimento financeiro tanto em estrutura quanto em engajamento das pessoas que trabalham diretamente com violência contra a mulher. É preciso fazer capacitação e sensibilização de todos os envolvidos – do policial que atende a ocorrência até desembargador que vai gerar o recurso. É imprescindível ter afinidade com o tema. Se você acha que mulher gosta de apanhar, você não consegue fazer justiça.

Publicação Original: “Mulheres ricas e escolarizadas também apanham”, diz a promotora 

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