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“Não à justiça machista!” Porto, Coimbra e Lisboa na rua pelos direitos das mulheres

Saiu no site SÁBADO – PORTUGAL

 

Veja publicação original: “Não à justiça machista!” Porto, Coimbra e Lisboa na rua pelos direitos das mulheres

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A primeira manifestação está marcada para o final da tarde desta quarta-feira e foi marcada pelo movimento A Colectiva. “Vamos ocupar a praça para dizermos às vítimas do machismo que não estão sozinhas”. Uma greve feminista está a ser preparada para 8 de Março de 2019

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Dois juízes do Tribunal da Relação do Porto decidiram manter pena suspensa para os autores de um caso de abuso sexual de uma jovem numa discoteca, em Gaia. Maria Dolores Silva Sousa e Manuel Soares, actual presidente da Associação Sindical de Juízes, argumentaram que “a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica” e um “ambiente de sedução mútua”. A ilicitude, defenderam ainda, “não é elevada”. A polémica sobre acórdãos que são considerados atentatórios aos direitos das mulheres rebentou novamente. E indignação vai sair à rua.

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A primeira manifestação realiza-se na Praça Amor de Perdição, no Porto, às 18h30 desta quarta-feira, e foi convocada pelo movimento A Colectiva. “Mexeu com uma, mexeu com todas” é o nome dado ao evento na rede social Facebook, onde se promete dizer “não à justiça machista”.

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“Não aceitamos que os tribunais sejam um palco para a cultura da violação, uma cultura que transforma as vítimas em culpadas, uma cultura que subvaloriza e invisibiliza as vítimas”, pode ler-se na convocatória, onde se sublinha: “não aceitamos uma justiça machista!”

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Esta não é a primeira vez que o movimento feminista sai às ruas do Porto para lutar pela dignidade feminina. Da primeira vez, em Outubro de 2017, o objecto da indignação foi um caso de violência doméstica.

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Num polémico acórdão do Tribunal da Relação do Porto, assinado pelo juiz Neto de Moura, citou-se a Bíblia e o Código Penal de 1886 para justificar o ataque à  mulher considerada “adúltera”.  “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, foi escrito no documento. “Ainda não há muito tempo que a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”, acrescenta a sentença. “Com estas referências pretende-se apenas acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, justificaram os desembargadores.

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Para A Colectiva, este acórdão “legitimava a violência doméstica contra as mulheres, apoiado em considerações machistas e misóginas sobre o comportamento da vítima”. “Temos de ocupar novamente a praça, porque não podemos consentir que a justiça seja injusta. Vamos ocupar a praça, para dizermos às vítimas do machismo – seja nas fábricas da cortiça, seja nos tribunais – que não estão sozinhas”, termina a convocatória.

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“As mulheres não se resignam perante a desigualdade”

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A ideia de realizar uma manifestação demorou poucas horas, confessou à SÁBADO a activista Andrea Peniche. “Várias de nós lemos a notícia publicada pelo Diário de Notícias ainda no domingo à noite. Ficámos bastante incomodadas. No dia seguinte, tínhamos uma série de mensagens de companheiras a perguntar-nos se não íamos organizar  um protesto, porque era necessário, uma vez mais, denunciar a justiça machista. Percebemos que não estávamos sozinhas, que mais gente tinha ficado indignada e queria fazer da sua indignação um acto público”, explicou a representante d’A Colectiva.

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À hora de almoço de segunda-feira, o evento estava marcado e o foco principal não está no número de pessoas que se possam juntar, garantiu. “Os números não são o que mais nos interessa, porque o que nos move é a ideia de que sozinhas não temos força, mas juntas podemos mudar o mundo”, referiu. Andrea acredita, ainda assim, que “haverá bastante adesão, porque se sente que as pessoas estão indignadas e que querem demonstrar a sua indignação publicamente”. “A nossa experiência diz-nos que será uma concentração com mais mulheres do que homens, porque são as mulheres que se sentem acusadas e amesquinhadas com acórdãos desta natureza, mas sabemos que serão também muitos os homens que se juntarão, porque há muitos homens que têm claro que a igualdade beneficia a sociedade como um todo, que o combate ao machismo é um combate de todas as pessoas que se mobilizam por uma sociedade justa e igualitária”, acrescentou.

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A plataforma feminista não tem dúvidas em defender que existe uma “cultura da violação” que faz “recair sobre a vítima a responsabilidade pela violência que sofreu”. “E temos verificado que esta é uma cultura impregnada em muitos tribunais, quando lemos as alegações e a contextualização do ambiente em que o crime ocorreu e percebemos o que é valorado. Os comportamentos das mulheres, a forma como se vestem, os locais que frequentam e as horas a que andam no espaço público são valorados diferentemente, ou seja, há uma dupla moral nos tribunais que prejudica as mulheres, que nos censura e desculpabiliza os homens”, detalhou Andrea Peniche, reforçando: “Este viés machista reflecte-se nas sentenças e é uma forma de apoucamento das mulheres”.

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A activista assume que “a sociedade portuguesa tem mudado muitíssimo”  que “têm sido muitas as conquistas” no campo dos direitos das mulheres – “e nesse processo a visibilidade das mulheres como porta-vozes das suas reivindicações é fundamental, porque se capacitam, tomam a palavra e não deixam que ninguém fale por elas”, sublinhou. Porém, acrescentou, nem tudo está bem. “Há um desencontro entre as conquistas formais e a alteração das estruturas da dominação, que persistem, muitas vezes apesar da lei. Olhemos para os estudos, por exemplo, sobre a violência no namoro, e perceberemos que situações que são claramente violentas e intrusivas não são assim percebidas por uma parte significativa dos jovens, rapazes e raparigas; olhemos para a desigualdade salarial, onde para trabalho igual ou equivalente, apesar da lei, as mulheres continuam a ganhar, em média, menos 16.7%; olhemos para a partilha das tarefas domésticas e perceberemos que, em Portugal, as mulheres têm dupla jornada de trabalho. Responder a tudo isto, no sentido de transformar a sociedade, requer que nos organizemos, porque só assim conseguimos transformar a indignação em proposta”.

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Para Andrea Peniche, todos estes dados demonstram porque “é tão importante ocupar o espaço público”: “para que se saiba que as mulheres não se resignam perante a desigualdade. Para nós é claro que estamos a correr uma maratona, que as coisas não mudam tão rapidamente quanto desejamos e precisamos, mas desistir não está no nosso horizonte”.

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A activista não se revê na etiqueta de radicalismo muitas vezes colada à luta feminista, considerando mesmo que esse “é um argumento fraco”. “Primeiro, porque atribuem um sentido negativo à palavra e nós não respaldamos essa valoração, segundo porque só quem fala do alto do seu privilégio é que pode ter um discurso desses”, atirou. “Se lutar pela igualdade salarial é um radicalismo, nós somos radicais; se não consentir que a cultura da violação continue a pontar nos tribunais é um radicalismo, nós somos radicais; se reclamar o direito a andar na rua sem sermos assediadas é um radicalismo, nós somos radicais. Mas esta crítica não nos surpreende, já estamos habituadas a ela, porque ela é recorrente na boca de quem se sente ameaçado pelas propostas que trazemos, por isso a consideramos como mais uma tentativa de deslegitimação de uma luta que incomoda, precisamente porque mexe com privilégios”, disse ainda, deixando uma garantida: “Não nos deixamos intimidar.”

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A Colectiva encontra-se, de momento, “completamente mobilizada” na preparação de uma greve feminista no dia 8 de Março de 2019, o Dia Internacional da Mulher. “É um processo tão complexo quanto desafiante, porque nos obriga a articular com diversos sector – sindicatos, associações de estudantes, colectivos anti-racistas, LGBT, etc. – uma pauta reivindicativa comum; desafiante precisamente porque nos coloca como protagonistas de um dos mais importantes processos de construção colectiva da actualidade”, explicou Andrea Peniche, que não pensar em comparações com a paralisação feita em Espanha.

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No dia 8 de Março deste ano,  cerca de 6 milhões de mulheres espanholas não trabalharam de todo ou fizeram uma paralisação de duas horas nos turnos da manhã. “A comparação com Espanha é injusta, porque pode fazer com que uma vitória seja entendida como uma derrota. São países com histórias e tradições diferentes, apesar de muitos problemas serem semelhantes. Nós construiremos a greve que formos capazes, tendo já como garantia que cresceremos e aprenderemos imenso nesse processo. Nada ficará como dantes, e isso será uma enorme vitória”, defendeu a activista. “Somos todas herdeiras da Carolina Beatriz Ângelo, das Três Marias, da Maria Lamas, da Madalena Barbosa, da Helena Lopes da Silva e de tantas outras mulheres de quem não sabemos o nome, daquelas que nunca se resignaram perante a desigualdade e que, por terem tomado as lutas nas suas mãos, permitiram que cada nova geração encontrasse um país diferente, melhor. Nós cá estamos para honrar essa memória e essa história e para continuar o caminho.”

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Protestos até ao final da semana

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Outras cidades seguiram o exemplo dado pelo Porto. Em Coimbra, na quinta-feira, o ponto de encontro está marcado para as 18h00 na Praça 8 de Maio. “À semelhança das companheiras do Porto e de Lisboa, também em Coimbra ocuparemos a rua e gritaremos “já basta” desta cultura de violação, legitimada e reproduzida pelas instituições da Justiça, que culpabilizam as mulheres pelos crimes sofridos e protegem os seus agressores”, diz a convocatória publicada no Facebook pela UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta.

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Lisboa recebe o último dos três protestos: sexta-feira, 18h30, na Praça da Figueira. “Também em Lisboa vamos gritar bem alto: Justiça machista não é justiça!”, prometem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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