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Meninas representam metade dos classificados na Obmep, mas só respondem por um quarto das medalhas

Saiu no site G1:

 

Veja publicação original: Meninas representam metade dos classificados na Obmep, mas só respondem por um quarto das medalhas

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Levantamento obtido pelo G1 mostra que, quanto maior o prestígio do prêmio, menor é a igualdade de gênero. Aluna que acumulou seis medalhas recomenda que as garotas não desistam: ‘tem mais pessoas que conseguem’.

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Por Ana Carolina Moreno

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A capixaba Fabíola Loterio é uma de mais de 500 estudantes que receberão na tarde desta quinta-feira (2), no Rio de Janeiro, a medalha de ouro que conquistaram na edição 2017 da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). É a sexta medalha da adolescente na competição, mas ela ainda representa uma minoria: de 576 medalhistas, só 127 (ou 22%) são garotas, apesar de elas representarem 48% dos mais de 940 mil pessoas classificadas após a primeira fase.

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Os dados são de um levantamento feito pela própria Obmep e obtido pelo G1. Quando se trata de todos os 7.491 medalhistas de ouro, prata e bronze, só 27,9% são mulheres.

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“Eu acho que a matemática de um modo geral sempre é vista mais como coisa de garotos, né? E isso pode desestimular bastante quando as meninas tentam participar dessas olimpíadas. E, além disso, tem pouco incentivo para quem começa e quer continuar”, afirmou ela ao G1.

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Desigualdade persistente
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A análise histórica das últimas 12 edições da olimpíada, porém, revela que a redução da disparidade de gênero entre os medalhistas ainda não acontece de forma significativa.

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Entre 2006 e 2017, o número de medalhas distribuídas cresceu de 1.110 para 7.491, e o número de meninas com medalha aumentou mais do que o de meninos. Entre os participantes do sexo masculino, a quantidade de medalhistas cresceu seis vezes, de 875 para 5.401. Já entre as meninas, esse crescimento foi de nove vezes, de 235 para 2.090 medalhas em 2017.

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Os mais de 18 milhões de participantes da primeira fase são inscritos automaticamente pelos professores. Por isso, o Impa só tem acesso a dados sobre o sexo de quem se classifica para a segunda fase. Os números mostram que a paridade de gênero já existe nesse grupo de quase 1 milhão de pessoas: a desigualdade é percebida apenas na divulgação dos premiados.

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“Ao longo desses mais de dez anos de Obmep isso não mudou”, afirmou Carolina Bhering Araújo, matemática do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que organiza a Obmep, sobre o fato de a desigualdade de gênero entre os participantes da segunda fase ter sido resolvida há anos, mas o abismo na premiação se manter.

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Como reduzir essa disparidade, porém, é “uma pergunta complexa”, segundo Carolina, que ajudou a organizar o primeiro Encontro Mundial de Mulheres na Matemática, realizado na última terça-feira (31) no Rio, com foco justamente na questão da presença das mulheres nas ciências.

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“Espero que a gente ajude a trazer uma luz a essa questão”, disse Carolina. “Só o fato de a gente estar falando sobre isso, de a questão estar sendo trazida à luz, debatida, é um passo importante.”

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Entenda a Obmep

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A olimpíada é realizada por meio de duas fases de provas. A primeira, da qual participam cerca de 18 milhões de alunos, tem 20 questões de múltipla escolha e duas horas e meia de duração. Os estudantes têm três tipos diferentes de provas, de acordo com o nível de dificuldade:

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  • Nível 1: alunos do 6º e 7º ano do ensino fundamental
  • Nível 2: estudantes do 8º e 9º ano do ensino fundamental
  • Nível 3: o mais avançado, é para os estudantes do ensino médio

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A primeira fase é eliminatória, e a classificação é feita de acordo com a nota de cada estudante: são classificadas todos os anos as pessoas com as maiores notas até o preenchimento das vagas para a segunda fase. Em 2017, 48% dos classificados eram meninas.

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Já a segunda fase não é eliminatória, mas sim classificatória, e mantém os três níveis da primeira fase. Nessa prova, os alunos têm três horas para responder a seis questões discursivas valendo 120 pontos no total.

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As medalhas são definidas de acordo com a nota de cada estudante na segunda fase: segundo o regulamento, são previstas 500 medalhas de ouro, 1.500 de prata e 4.500 de bronze, além de até 46.200 menções honrosas.

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Queda de 2016 para 2017

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A maior representação que as meninas conquistaram foi um terço do total de medalhas, índice atingido em 2016. Em 2017, a tendência de alta não se confirmou, e a representação caiu novamente para menos de 30%, como aconteceu em todos os outros anos. A porcentagem de 2017 ficou em 27,9%, um pouco acima da média para os 12 anos, que é de 26,3%.

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Os dados mostram ainda que, quanto maior o prestígio do prêmio, menor é a participação feminina. Em 2017, por exemplo, 38% das menções honrosas foram entregues a meninas. Já para as medalhas de bronze, prata e ouro, essa porcentagem cai para 30,1%, 23,2% e 22%, respectivamente.

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Veja no gráfico abaixo a evolução da participação das meninas entre 2006 e 2017:

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As meninas representam praticamente metade dos participantes da Obmep classificados para a segunda fase, mas só respondem por cerca de um quarto das medalhas (Foto: Juliane Monteiro/G1)

As meninas representam praticamente metade dos participantes da Obmep classificados para a segunda fase, mas só respondem por cerca de um quarto das medalhas (Foto: Juliane Monteiro/G1)

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‘Trigêmeas de ouro’

Entre 2011 e 2017, Fabíola foi classificada para a fase final em todas as edições da Obmep, e nunca voltou para casa de mãos vazias – entre 2012 e 2017, ela recebeu dois ouros, uma prata e três bronzes; em 2011, ganhou uma menção honrosa do Impa.

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Mas ela não é a única Loterio a ter êxito na Obmep. Junto com suas irmãs Fábia e Fabiele, elas acumularam 14 medalhas no total – em 2014, as três, que são trigêmeas, conseguiram três ouros e as notas mais altas da Obmep no Espírito Santo.

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Encantadas pela matemática por causa da Obmep e dos programas de iniciação científica (PIC) oferecido pelo Impa aos e às medalhistas, as três atualmente cursam a graduação em matemática na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), onde se preparam para começar o segundo semestre.

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Atualmente, as três deixaram a zona rural onde viviam com os pais, que são agricultores, e dividem um quarto no apartamento da irmã mais velha, a primeira da família com diploma do ensino superior. Elas também contam com o auxílio-estudantil da Ufes para cobrir os gastos, e os feitos acadêmicos das trigêmeas renderam a todas uma bolsa do Instituto TIM.

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 Da esquerda para a direita: Fabiele, Fabíola e Fábia, em foto de 2014, ano em que as três ganharam ouro na Olimpíada de Matemática, com as notas mais altas do Espírito Santo (Foto: Guilherme Ferrari/G1)Da esquerda para a direita: Fabiele, Fabíola e Fábia, em foto de 2014, ano em que as três ganharam ouro na Olimpíada de Matemática, com as notas mais altas do Espírito Santo (Foto: Guilherme Ferrari/G1)

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‘De igual para igual’

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Como em 2017 ela foi a única das irmãs a conquistar o ouro (Fabiele e Fábia ganharam prata), Fabíola viajou sozinha ao Rio para compor a delegação da Obmep. Ela também foi a primeira das três a conseguir vaga no PIC. Quando começaram as aulas, ela viu que era a única menina do grupo.

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“E os garotos, não todos, mas de modo geral, eles lidavam como se eu não tivesse ali, sabe? E isso pode desestimular bastante para quem começou e pode continuar”, explicou ela, para quem as dificuldades encontradas apenas por ser menina não chegaram a tirar da cabeça a ideia de seguir estudando a matemática.

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“Desistir eu acho que não, porque realmente desde que eu conheci a matemática de verdade eu sabia que era isso que eu queria fazer. Mas já pensei que talvez eu não pudesse ser como os garotos só por ser menina.”

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Já na faculdade de matemática, ela diz que a proporção é um pouco menos desfavorável: além as trigêmeas, ela estima que as mulheres representem quase um terço da turma. O tratamento recebido também evoluiu, apesar de ainda não ser o ideal.

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“Eu acho que ainda continua mais difícil pra gente mostrar assim, no começo, que realmente a gente pode fazer as coisas da mesma forma que eles. Mas é bem melhor do que quando eu estava no PIC, com certeza”, compara Fabíola.

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A capixaba ainda não decidiu em que área deve se especializar, mas não descarta nem o caminho de pesquisa acadêmica nem a opção de dar aulas de matemática. E, antes de receber sua última medalha da Obmep e liberar o espaço para as próximas gerações, ela deixa uma mensagem de apoio às meninas que querem participar:

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“Eu diria pra não desistir, mostrar que a gente também consegue fazer matemática de igual para igual com os meninos, e que isso é bastante importante. Então, não desistir. Se se sentir desestimulada, saber que tem mais pessoas que conseguem”, recomendou Fabíola.

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