HOME

Home

Alessandra Mello, a luta por respeito no universo masculino do futebol

Saiu no site HUFFPOST: 

 

Veja publicação original:  Alessandra Mello, a luta por respeito no universo masculino do futebol

.

Treinadora profissional comanda dois times amadores em Porto Alegre: o Magia Sport Clube e o Pokopika Futebol Clube. “Ninguém quer perder para um time treinado por uma mulher.”

.

Alessandra Mello descobriu o futebol, esporte que viraria sua profissão, por “puro interesse”. Irmã mais nova de dois meninos, pediu para acompanhar o pai em um jogo do Grêmio pela primeira vez aos oito anos de idade, apenas para ganhar picolé, refrigerante e bandeirinhas como os irmãos. “Nunca esqueci, achei uma coisa absurda, aquele monte de homem gritando, fiquei o jogo inteiro tapando os ouvidos”.

.

Hoje, com 34 anos, é ela quem ainda frequenta a Arena, em Porto Alegre, com carteirinha de sócia e tudo – quando a agenda de treinadora profissional permite. Afinal, são duas noites por semana comprometida com o Magia Sport Clube e uma com o Pokopika Futebol Clube, fora os finais de semana de campeonatos. Em horário comercial, Alessandra se divide entre a agenda de personal trainer e as aulas na escolinha de futebol do Santos, em Porto Alegre. E assumiu, em julho, o comando de mais uma equipe de futebol sete amador.

.

Sou a única menina da família, cresci com dois irmãos e dois primos. Acabei tendo de gostar de videogame e futebol.

.

CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Atualmente ela é quem segura a prancheta do Magia Sport Clube, projeto da equipe gay de futebol sete mais antiga do Brasil.

A primeira experiência no estádio foi traumática, e Alessandra nunca teve muita intimidade com a bola nos pés. Mesmo assim, a menina se apaixonou pelo futebol e, já crescida, estava decidida a trabalhar com o esporte. Acabou cursando Educação Física. Sonhava com o curso profissionalizante oferecido pelo Sindicato dos Treinadores Profissionais do Rio Grande do Sul, mas faltava tempo e dinheiro. Até que, em 2013, ao se desligar da academia onde era instrutora, foi surpreendida por um telefonema da mãe: “Abriram as matrículas pro curso de treinador, vai lá que eu vou pagar tua inscrição”, lembra.

.

Se eu jogo bola? Nada! No futebol, eu gosto de assistir, estudar, entender. Meu esporte é o handebol.

.

CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
“Um me disse assim: mulher não dá muito certo, não temos boas experiências”, recorda ela.

.

Dos 80 alunos, quatro eram mulheres. Alessandra concluiu o curso e disparou currículos para todos os times e escolinhas que pôde. Mas ninguém queria contratar uma mulher. “Um me disse assim: mulher não dá muito certo, não temos boas experiências”, recorda ela. Em um verão, foi chamada para trabalhar na escolinha de um clube de Porto Alegre. Combinaram de iniciar o trabalho após o carnaval. No meio do feriado, foi surpreendida por uma mensagem inusitada no celular. “Eu estava em Ouro Preto, e o cara que estava me contratando me convidou para uma cerveja. Achei esquisitíssimo, não respondi”. Na volta, Alessandra foi avisada de que o projeto estava cancelado. Um semana depois, ela deparou com um post da escolinha no Facebook, com foto dos novos alunos acompanhados de um professor. “Desmoronei, choquei, fiz textão no Face, quis desistir. Achava que o futebol não era para mim”.

.

Alessandra voltou todas as energias para a Alva Group, empresa de personal training que fundou com uma sócia. Até que, em abril de 2017, surgiu a oportunidade de treinar um time universitário de handebol feminino; em seguida, assumiu também o masculino; e dois meses depois, estava à frente do time de futsal da mesma universidade. Seis meses depois, em um curso de extensão sobre futebol, conheceu um dos atletas do Magia se encantou pelo projeto da equipe gay de futebol sete mais antiga do Brasil. Assumiu as pranchetas no mesmo dia. E ainda levou um dos irmãos, estudante de educação física, como auxiliar técnico.

.

Dentro das quatro linhas, não tem nenhuma diferença.

.

CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
“Falei para os meninos se prepararem, pois eles vão sofrer por isso. Ninguém quer perder para um time treinado por uma mulher”.

.

O primeiro campeonato em que comandou o Magia Sport Clube foi a Champions LiGay, no Rio, ano passado. O Magia era o azarão do campeonato, e a quarta colocação, entre oito equipes, surpreendeu a todos. Foi o combustível que ela precisava para encarar as agruras do esporte amador. Alessandra tem um plantel de cerca de 25 atletas assíduos nos treinos, mas não pode escolher quem joga os torneios. O critério de escalação é financeiro: quem pode bancar a viagem com o time. “Eu mesma não tinha como viajar para o último campeonato, e eles pagaram tudo para mim”.

.

Depois de cinco anos batalhando por espaço no futebol, 2018 presenteou a treinadora com uma oportunidade em cima da outra. Em junho, foi selecionada para a escolinha oficial do Santos na capital gaúcha. Lá, treina meninos e meninas dos sete aos 15 anos todas as tardes.

.

E, em julho, ela recebeu o convite para comandar mais um time de futebol sete amador de Porto Alegre, o Pokopika Futebol Clube. A equipe vai disputar este ano a divisão de acesso da Liga Inter-Regional Porto Alegre (LIR). “Vou ser a única treinadora da Liga. Nem os times femininos têm mulher técnica”.

.

Falei para os meninos se prepararem, pois eles vão sofrer por isso [ter uma mulher treinadora].

.

CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Vai ter piadinha, vai ter quem tente intimidá-la, mas Alessandra coloca seus esforços em crescer no futebol.

.

Antes de aceitar o desafio, Alessandra teve a preocupação de discutir abertamente com os jogadores as implicações de manter uma mulher na beira do gramado, especialmente em uma liga de times composta majoritariamente por homens heterossexuais. “Falei para os meninos se prepararem, pois eles vão sofrer por isso. Ninguém quer perder para um time treinado por uma mulher”. Escaldada pelas vezes em que seus atletas já compraram briga para defendê-la, também avisou os garotos do Pokopika: vai ter piadinha, vai ter quem tente intimidá-la, e eles precisam saber lidar com isso.

.

A vida é dura no futebol amador – especialmente em termos financeiros. Quem paga as contas é a Alessandra personal trainer, mas é na prancheta que ela se realiza. “Minha família está feliz, orgulhosa. Não tem dinheiro que pague”.

.

Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Isabel Marchezan

Imagem: Caroline Bicocchi

Edição: Andréa Martinelli

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC

 

 

 

 

 

 

.

.

.

.

.

.

.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME