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‘Vamos acabar não distinguindo mais segunda de domingo’, diz Maria Cristina Peduzzi

Saiu no site FOLHA DE S.PAULO

 

Veja publicação no site original: ‘Vamos acabar não distinguindo mais segunda de domingo’, diz Maria Cristina Peduzzi

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Primeira mulher eleita para presidir o TST afirma que reforma trabalhista foi tímida e que CLT precisa de mais atualizações

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Por William Castanho

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Primeira mulher eleita para presidir o TST (Tribunal Superior do Trabalho), a ministra Maria Cristina Peduzzi se diz honrada. O feito, segundo ela, é importante para “materializar a igualdade formal prevista na lei”.

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Escolhida na segunda (9) por seus pares —22 homens e 4 mulheres—, assumirá o posto em 19 de fevereiro de 2020, para um mandato de dois anos.

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À Folha Peduzzi afirma que os movimentos feministas foram importantes para romper barreiras, reconhece a existência de assédio, mas diz que não foi vítima de machismo.

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Segundo ela, o mundo do trabalho mudou. “No mundo todo o comércio abre aos domingos. Vamos acabar qualquer dia desses não distinguindo mais segunda de domingo”, afirma.

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Maria Cristina Peduzzi veste uma peça de roupa off white e gesticula a mão, como se estivesse argumentando. Ela esta no canto inferior esquerdo da imagem. Atrás, está uma estante cheia de livros
Maria Cristina Peduzzi é ministra do TST (Tribunal Superior do Trabalho) desde 2001 em uma das vagas da advocacia, na qual atuou por 27 anos. Nascida no Uruguai, é brasileira nata. Estudou direito na UnB (Universidade de Brasília), onde fez mestrado em direito, estado e constituição – Pedro Ladeira/Folhapress

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A ministra assumirá o cargo passados pouco mais de dois anos da reforma trabalhista de Michel Temer (MDB). “Eu penso que, se a lei foi editada, o juiz tem o dever de aplicá-la.”.

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Quando estiver à frente da Justiça do Trabalho, uma nova reforma entrará em discussão. O governo pretende revisar as leis trabalhistas.

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Para ela, mudanças são necessárias. “[A CLT, Consolidação das Leis do Trabalho] Precisa de muita atualização. A considerar a revolução tecnológica, a reforma foi tímida.”

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Tribunais superiores já foram presididos por mulheres. Qual a importância de pela primeira vez uma mulher chegar a esse posto no TST?

Por uma circunstância cronológica, o TST ainda não teve uma mulher presidente, enquanto o Supremo Tribunal Federal já teve duas excepcionais presidentes [Ellen Gracie e Cármen Lúcia], e o Superior Tribunal de Justiça já teve a ministra Laurita [Vaz].

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Sinto-me honrada por ser pioneira. O principal é a mulher poder mostrar a todos que é capaz de exercer seu ofício, sua arte em absoluta igualdade de condições com os homens. A importância é comprovar a igualdade, é materializar a igualdade formal prevista na lei.

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Quais desafios enfrentam as juízas? 

Quando me perguntam se a mulher tem uma maneira diferente de julgar, eu digo: “Eu não tenho”. O compromisso com a jurisdição, com a celeridade na prestação jurisdicional, com a efetividade da prestação jurisdicional é comum, não tem gênero.

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A mulher tem particularidades que não podem ser negadas, como a maternidade.

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Na iniciativa privada, se uma jovem e um jovem comparecem disputando a mesma vaga de trabalho, há uma tendência em admitir o homem porque temos uma legislação que devidamente protege a condição da mulher, dando-lhe garantia de emprego até cinco meses após o parto e até seis meses de licença-maternidade.

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Como se corrigiu isso em países que têm prosperidade econômica maior? É estimular a licença-paternidade.

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No serviço público, nós não temos nenhum tipo de discriminação no ingresso. No acesso a cargos de direção, quando não é por antiguidade, isso pode ocorrer, e ainda ocorre, não tenho dúvida.

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A sra. já sofreu com o machismo? É feminista? 

Fui durante 27 anos advogada, e advoguei intensamente. Estou há 18 anos e meio no TST. Pode ser decepcionante dizer isso, mas eu não fui discriminada, felizmente.

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Sempre privilegiei na minha vida o lado profissional. Sempre fui tratada como igual pelos colegas. Mas não é comum.

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Ouço muitos casos, estudo bastante sobre o tema de assédio moral nas organizações.

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Acho até que se banalizou o instituto, mas, tirante alguns exageros, ocorre mesmo.

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O assédio moral é uma forma frequente de discriminação da mulher, ou para a admissão, ou para uma promoção, ou muitas vezes porque se quer induzir ao fim do vínculo de emprego.

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Qual sua opinião sobre o feminismo? 

Se não fossem os movimentos feministas, nós estaríamos provavelmente hoje bem aquém da igualdade que nós já conquistamos pelo menos no plano formal.

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Esses movimentos foram para romper com barreira, para mostrar ao mundo o papel da mulher. São fundamentais para nós, hoje, conquistarmos posições na sociedade e no Judiciário.

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Saindo da questão de gênero, como estão juízes, desembargadores e ministros na relação com a reforma trabalhista? 

Penso que, se a lei foi editada, o juiz tem o dever de aplicá-la, exceto se houver declaração de inconstitucionalidade.

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Não posso dizer que há uniformidade, não. Há ainda muita controvérsia a respeito de alguns tópicos porque não houve tempo de o TST uniformizar divergências.

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A minha opinião pessoal é a de que o juiz não pode reclamar, ele pode nos autos declarar uma inconstitucionalidade incidental.

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O STF é o último a dizer sobre a matéria constitucional, que provoca efeito imediato, como no caso da contribuição sindical, que era obrigatória e a lei da reforma excluiu. O STF imediatamente instado disse: “É constitucional”. Isso promove segurança jurídica.

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Associações de juízes argumentam que a reforma traz precarização. Como a sra. vê essa crítica?

Precarização pode haver, sem dúvida. Só que nós vivemos hoje a Quarta Revolução Industrial. Convivemos com modos de produção que eram impensáveis à época em que a CLT foi editada.

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Hoje nós temos a economia “on demand”. Nós temos o consumidor realizando o trabalho, não é o autônomo realizando o trabalho que antes só era realizado perante vínculo de emprego.

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Você faz movimentos bancários pelo celular, compra sua passagem aérea, faz a reserva do hotel. É outra realidade.

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Amazon e Uber são plataformas que diversificaram o comércio. A legislação deve se adaptar.

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Teletrabalho no serviço público hoje é uma realidade. O trabalho intermitente, que é tão impugnado, veio colocar no mercado de trabalho categorias que antes estavam à margem. O trabalho em tempo parcial não é uma invenção brasileira.

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No principal, se objetivou atualizar a legislação às novas realidades econômicas.

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A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, consegue com atualizações dar respostas a essas novas realidades? 

Precisa de muita atualização ainda. A considerar a revolução tecnológica, a reforma foi tímida.

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Olha os litígios que existem, não só no Brasil mas no mundo, a propósito da Uber. A legislação que virá certamente vai disciplinar esses institutos.

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Penso que o investimento hoje deve se centrar na capacitação dos empregados, para o exercício das novas demandas, requalificando-os. A perda de empregos tradicionais será compensada por novas modalidades de trabalho.

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Uma reforma está em estudo pelo governo Jair Bolsonaro.

Está em estudo, e inclusive três ministros do TST integraram o grupo.

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Não conheço o conteúdo, nem foi divulgado, mas penso que temos muitos institutos que serão disciplinados, porque a realidade é muito mais célere do que o direito, e o direito não pode pretender parar a realidade.

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Por isso a importância da legislação e a importância da participação de juízes nessas comissões, porque todos os segmentos da sociedade devem levar sua contribuição.

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É pouco tempo ou é tempo razoável alterar a CLT de novo? 

Se é pouco, se é muito, sabe que eu já não sei. O tempo é tão relativo. Dois anos voam. E cada vez a celeridade é maior. A tecnologia é assustadoramente veloz. Presumo que essa nova proposição deverá tentar corrigir algumas questões que estão se identificando como inadequadas, vai se aperfeiçoar o que foi feito.

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O governo apresentou a medida provisória do Emprego Verde e Amarelo, com a justificativa de estimular a geração de empregos para jovens. Há quem a chame de nova reforma trabalhista. A sra. vê uma reforma trabalhista? 

Ela não tem nada a ver com reforma. Ela foi pontual, quis-se estimular a empregabilidade. O máximo do tempo do contrato é de dois anos, incluindo a prorrogação, e só para empregos novos de jovens, de 18 a 29 anos. E tem um limite que é 20% do total de empregados. Ela não permite substituição, despedir um empregado para admitir.

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Mas nessa MP tem o trabalho aos domingos. Qual sua avaliação? 

O que fez foi permitir para todas as categorias, porque não era proibido. E havia, quando não houvesse compensação, o pagamento em dobro. Hoje realmente o leque abriu, mas ainda há condicionantes. Para o comércio, o máximo são quatro semanas, tem de cair uma folga no domingo. Na indústria, são sete semanas.

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O mundo mudou mesmo. No mundo todo o comércio abre aos domingos. Vamos acabar qualquer dia desses não distinguindo mais segunda de domingo. Sei lá, talvez [o trabalhador] pode até preferir.

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Estou indo até adiante, porque tem outros fatores, como os religiosos aos domingos, os filhos não têm escola aos domingos, e isso pode ser fator talvez muito relevante, e o empregado não teria efetivamente como exigir [o descanso] com a medida provisória.

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Concordo que não beneficia o trabalhador. Ela tem uma visão pragmática de não excluir o trabalho aos domingos porque as atividades todas funcionam aos domingos. É a realidade.

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Mas, enfim, vamos testar talvez essa realidade, ver como ela funciona. Eu efetivamente não estudei o caso em termos de constitucionalidade ou não.

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