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Uma feminista na Arena: 1ª senadora eleita conta percalços no Congresso

Saiu no site UOL NOTÍCIAS

 

Veja publicação original:   Uma feminista na Arena: 1ª senadora eleita conta percalços no Congresso

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Por Carlos Eduardo Cherem

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Ela foi recebida com buquês de flores e poesia por homens postados na entrada do plenário do Senado Federal. O ano era 1979, e tomava posse pelo Amazonas a primeira senadora da República brasileira, Eunice Michiles, da então Arena, partido que dava sustentação política à ditadura militar (1964-1985) em vigor.

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Antes dela, no período do Império, a princesa Isabel (1846-1921), filha do imperador Pedro 2º, ocupou uma cadeira no Senado por “direito dinástico”. Eunice, porém, foi a primeira mulher eleita a assumir o cargo.

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Ao contrário da legislação atual, em que os senadores e suplentes formam a mesma chapa, há 40 anos o segundo mais votado da legenda vitoriosa tornava-se suplente do efetivo.

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Candidata a senadora por uma sublegenda da Arena em 1978, Eunice ficou com a segunda votação do partido situacionista (32.819 votos, 46% dos votos do partido) e, assim, tornou-se a primeira suplente de João Bosco de Lima (1936-1979), que morreu três meses após o início da legislatura, dando lugar a ela.

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“Eles foram muito elegantes, verdadeiros cavalheiros. Mas me senti muito mal com tudo aquilo”, diz a ex-senadora, hoje com 89 anos. “A formalidade e elegância com que me tratavam era uma espécie de discriminação positiva, até gostosa. Mas não me tratavam como colega”, afirma.

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Apesar da recepção calorosa, ela conta que não foi bem aceita no Parlamento. “Vinha de um estado pobre [Amazonas], política do interior, e ainda mulher. Foi muito difícil me inserir. Logo no começo vi que seria um caminho longo.”

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“Eu era uma dama no meio de homens do porte de Marco Maciel, [ex-vice-presidente da República], Paulo Brossard [(1924-2015), ex-ministro da Justiça e do STF (Supremo Tribunal Federal], e Jarbas Passarinho [(1920-2016), ex-governador ex-ministro do Trabalho, da Educação, da Previdência Social e da Justiça, além de presidente do Senado Federal]. Eram políticos influentes, grandes oradores. Eu, uma estranha no ninho.”

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Eunice conta que acabou se aproximando então de grupos como o MMDS (Movimento da Mulher Democrática Social) e conta que o grupo tinha militantes atuando em defesa de bandeiras das mulheres em todos os estados. Segundo a ex-senadora, à época, o MMDS teve força política suficiente para “exigir” que o general João Baptista Figueiredo (1918-1999), último presidente da ditadura, nomeasse a professora e advogada, Esther Figueiredo Ferraz (1915-2008), na pasta da Educação. Ferraz foi a primeira mulher a ocupar uma pasta ministerial na República brasileira.

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A senadora explica que “apanhava de todos os lados”. Era vista pelos conservadores como feminista, e como “representante dos conservadores” pelos movimentos feministas.

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“Como política, sempre defendi três bandeiras: a liberdade religiosa, cada pessoa escolhe como quer adorar seu criador; o Amazonas, sempre, sou casada com o Amazonas; e as bandeiras das mulheres”, afirma Eunice.

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Parlamento não tinha banheiro para mulheres

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“Tinha de usar o banheiro do restaurante. No plenário só tinha o banheiro masculino. Não havia banheiro feminino”, diz Eunice Michiles.

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Somente em janeiro de 2016, 37 anos após a posse da primeira senadora da República, e numa legislatura com 13 mulheres, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), então presidente da Casa, reduziu o espaço do banheiro masculino no plenário para instalação de um banheiro para as mulheres.

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Isso depois de muita insistência da bancada feminina, capitaneada pela ex-senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). “A questão do banheiro feminino no Senado é um retrato claro do quanto somos discriminadas, como mulheres, desde que tomamos posse”, afirma ela, que deixou o Senado neste ano.

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“Hoje, eu reconheço mais o que ela representou para movimento feminista à época”, diz a ex-senadora. “Quando ela era senadora, eu já militava no PCdoB, que era um partido clandestino à época da ditadura”, afirma.

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O direito de não ter (mais) filhos

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Eunice conta que se assustou com a condição de vida das mulheres em Maués (AM), a 356 km de Manaus, quando se mudou aos 21 anos para o município na década de 1940, após se casar com Darci Augusto Michiles, filho do prefeito.

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Paulistana, ela se deparou com um “outro Brasil”, que, até então desconhecia. “A primeira coisa que me chocou foi a falta de conhecimento que mulheres tinham dos seus direitos. Principalmente o direito de não terem filhos. Faltava informação, que é um direito básico. As mulheres tinham seis, oito, 15 filhos e não conheciam métodos anticoncepcionais”, diz.

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“Ainda não havia a pílula, mas havia outros métodos. A laqueadura, por exemplo”, afirma. Ela conta, porém, que, na época, médicos que fizessem laqueaduras nas mulheres, poderiam ser presos e processados.

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Em abril, Eunice sofreu um infarto ao ir para o culto em Brasília. Às vésperas de fazer 90 anos em 10 de julho, ela se recupera em casa cercada pelos filhos, entre eles o ex-deputado Humberto Michiles, o único que seguiu a carreira política na família.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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