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Pedreiras em alta: elas driblam o desemprego e dão resposta ao machismo

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação original:  Pedreiras em alta: elas driblam o desemprego e dão resposta ao machismo

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Por Flávia Martinelli

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Com reportagem de Monise Cardoso, especial para o Blog Mulherias

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O número de mulheres na construção civil cresceu 120% nos últimos dez anos. É o que apontam os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Em 2018, elas já eram 239.242 nos canteiros de obras do país. O salto pode ser explicado pelo desemprego gerado por causa da Lei das Domésticas – muitos empregadores passaram a contar com diaristas em vez de pagar os novos direitos ás domésticas–, além da crise nos setores de alimentação, comércio e serviços.

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A construção civil foi a alternativa para manter em dia as contas de Kethy Molina Marques, de 42 anos, quando se viu desempregada, sem casa e com duas filhas pequenas para criar. Ela conta que sofreu um golpe de um sócio em uma empresa de exportação e estava sem saber por onde recomeçar. “Meu carro e apartamento foram apreendidos para quitar dívidas, nessa época mal tínhamos o que comer”, conta. Com esforço, Kethy alugou uma casa que estava em péssimas condições e combinou com o proprietário descontos no pagamento com os serviços de reforma que faria no imóvel. “Ele comprou o material e eu coloquei a mão na massa. Tive desconto de dois meses de aluguel”, lembra. E assim também surgiu a Mollina Reformas.

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Já Lucilene Rodrigues Lopes de Lima, de 49 anos, viu no pouco cuidado masculino com os detalhes a brecha para entrar numa nova profissão. Há cinco anos ela perdeu o emprego como contabilista e foi trabalhar na empresa de prestação de serviços do marido. “No começo eu passava nas obras apenas para observar se estava tudo bem com os rapazes, mas comecei a observar o quanto eles trabalhavam mal”, entrega. Hoje, ela executa pintura, grafiato, assentamento de azulejos, construção de muros, jardinagem, marcenaria e restauração de brinquedos. Ufa! “Me chamam de Pereirão”, ri, apesar de saber da conotação machista da brincadeira.

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A engenheira de controle de automação, Thais Nobre da Silva de 27 anos, resolveu criar a escola “Se Vira, Mulher” quando percebeu, pelas redes sociais, a imensa quantidade de mulheres a procura de profissionais para fazer serviços básicos de reparos domésticos. “Ensiná-las a fazer o conserto seria muito melhor do que cobrar pela mão de obra”, conta. Nos cursos, há módulos de elétrica básica, reparos domésticos, marcenaria básica, mecânica automotiva e jardinagem. No segundo semestre deste ano a grade vai incluir hidráulica, revestimento e pintura.

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Em dois anos de atividades, mais de 900 alunas já passaram pela escola que tem como propósito combater a desigualdade de gênero no que diz respeito a papéis sociais. “Acreditamos que não existe ‘trabalho de homem’ ou ‘trabalho de mulher’, mas sim que todos podemos aprender tudo aquilo que queremos”, esclarece.

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Desbancando o machismo

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Quando Kethy começou a reformar a casa que alugava, tinha poucos conhecimentos prévios sobre construção, mas já era muito elogiada pelos reparos que fazia. Com a mão na massa, encontrou motivação para estudar e se tornar eletricista e pintora de paredes. “No curso de elétrica eu era a única mulher em uma sala com 48 homens. Ao final das aulas, eu era uma das nove pessoas que conseguiu se formar”, diz a profissional, que já foi chamada de “Magaiwer” pelos clientes, referência a um personagem de série de TV dos anos 90 que encontrava solução para tudo. “Eu comecei aos poucos, conforme era questionada sobre algo, ia atrás, estudava, aprendia e desempenhava”, diz.

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Depois de passar por muitas áreas, de call center a análise de licitações, a multiprofissional das reformas tem certeza que nasceu pra isso. “Lembro que quando criança eu ia à loja de material de construção com meu pai e sonhava em trabalhar lá. Amava brincar de construção com terra e fazia meus próprios bonecos”, lembra.

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A engenheira Thais, do curso Se Vira, Mulher, conta histórias de superação são recorrentes nas turmas. “Cada vez mais encontramos senhoras recém-viúvas ou divorciadas, que a vida toda dependeram dos maridos, em busca de autonomia”, conta. “Houve alunas com limitações motoras, analfabetas. E, claro, as que descobriram uma vocação, saíram daqui e foram direto se profissionalizar e mergulhar na nova profissão.”

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A chegada no mercado de trabalho nessa área tem percalços. Lucilene conta que costuma prestar serviços em escolas municipais e estaduais e com frequência lida com contratantes homens, que são os dirigentes das instituições.

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Já cansei de chegar com meu marido e ser ignorada. Já vi cliente que deixou claro que achava errado eu estar ali, carregando carrinho de mão, fazendo pintura de pátio”

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Mas a faz-tudo garante não se importar com o machismo que ronda as mulheres no setor. “É gratificante passar por um lugar e ver que ali tem um trabalho muito bem feito por mim, são minhas obras de arte. Eu amo o que faço e o que mais importa é ganhar meu dinheiro com dignidade”, afirma.

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A disparidade de salários entre homens e mulheres na construção civil também evidencia o machismo que ronda a área: engenheiras civis, por exemplo, têm média salarial de R$ 8,1 mil contra R$ 10 mil pagos aos homens que ocupam funções semelhantes. Nos cargos de gestão elas também são minoria. Elas ainda representem a menor parcela nas salas de aula de engenharia: de acordo com Ministério da Educação, apenas 30% são alunas. Por outro lado, as estudantes desistem do curso muito menos que os homens: 15% é o índice de evasão das mulheres e 25% é o dos homens.

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Para as mulheres que pensam em se jogar na área da construção civil, mas se sentem desencorajadas, a engenheira Thais aconselha:

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“Todas nós podemos aprender. O argumento da força é fraco. Hoje não faltam ferramentas que viabilizam tudo. E, afinal, ninguém aperta parafuso com o pinto, né? Usamos as mãos e mãos todo mundo tem”, ri.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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