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JUSTIÇANDO: Justiça Restaurativa: a possibilidade de aplicação do modelo restaurativo nos crimes de violência doméstica e estupro no Brasil

Saiu no JUSBRASIL

Veja a Publicação Original

A justiça restaurativa seria aplicável em qualquer tipo criminal, como em crimes de estupro e violência doméstica?

O presente trabalho de pesquisa visa apresentar uma análise bibliográfica sobre a possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em crimes de violência doméstica e estupro no Brasil. Sendo assim, a problemática é: a justiça restaurativa seria aplicável em qualquer tipo criminal, como em crimes de estupro e violência doméstica? Dessa forma, tem-se como objetivo identificar as vertentes da justiça restaurativa quanto a sua aplicabilidade nos crimes de natureza grave, além de verificar os argumentos utilizados pelos pesquisadores da justiça restaurativa para explicar a aplicabilidade ou não desse modelo alternativo em crimes de violência doméstica e estupro. Ademais, visa demonstrar as diferentes perspectivas dos autores sobre o assunto, fazendo uma análise comparativa do sistema penal atual e o modelo restaurativo no tocante à responsabilização do agente ofensor e à satisfação da vontade da vítima, tendo a finalidade de solucionar o conflito entre as partes. Para tanto, será exposto projetos propostos no Brasil, onde visa a aplicação da justiça restaurativa aos crimes de violência, além do caso empírico que aponta o modelo alternativo como forma de solução no crime de estupro.

Palavras-chave: justiça restaurativa, sistema penal ,violência doméstica, estupro, aplicabilidade.

ntrodução

A Justiça Restaurativa é largamente discutida fora do Brasil, sendo considerada como um dos mais memoráveis avanços no desenvolvimento da justiça criminal e na prática criminológica. Apesar disso, Achutti e Pallamolla insistem em frisar que “apesar do amplo desenvolvimento internacional da justiça restaurativa, esse modelo de administração de conflitos ainda é pouco conhecido no Brasil”.[1]

Sabendo disso, o que seria então justiça restaurativa? Seria uma resposta à criminalidade? Apenas mais uma alternativa para resolução de conflitos? Se sim, quais seriam esses conflitos? É certo que existem várias possibilidades para responder essas perguntas e “tentar” definir a justiça restaurativa. No entanto, na tratativa a esse tema Rosenblatt[2] é categórica ao criticar que “não existe uma ‘teoria restaurativa’ pronta e acabada, a ser traduzida e transplantada para o Brasil“.

Além disso Raffaella Pallamolla afirma que:

a justiça restaurativa possui um conceito não só aberto como, também, fluido, pois vem sendo modificado, assim como suas práticas, desde os primeiros estudos e experiências restaurativas.[3]

Apesar disso, o ponto concordante é que a justiça restaurativa é regida pela necessidade de aprimoramento do sistema de justiça criminal, tanto em outros países quanto na sua pouca prática e conhecimento no estudo brasileiro. Nesse viés, movido pela apresentação do ensino da justiça restaurativa na esfera acadêmica se chegou a questionamentos acerca do tema estudado, sobretudo para além das questões de definição mal acabada, mas no sentido de indagações ao tema, pois há ainda reflexões a serem feitas.

A problemática reside principalmente em torno da questão: a justiça restaurativa seria aplicável em qualquer tipo criminal, como em crimes de estupro e violência doméstica?

A partir dessas motivações e inquietações, a presente pesquisa tem a proposta de se debruçar sobre a problemática abordada, na perspectiva de apresentar reflexões sobre se a justiça restaurativa seria aplicável em qualquer tipo criminal ou aplicável apenas em contravenções leves. Nesse ínterim, o objeto a ser analisado é gerado a partir das indagações já acima listadas. Desse modo, é com esse intuito que se vem pesquisar a possibilidade de aplicação do modelo alternativo a crimes de violência doméstica e estupro.

Para isso, faz-se necessário delimitar o objeto a ser tratado na pesquisa, haja vista a necessidade de definir o polo ativo e passivo de tais crimes. Pois, diferente do que dispunha o Código Penal para os crimes de estupro, em 2009 com a Lei 12.015 foi permitido a possibilidade de ambos os sexos, feminino e masculino, ocuparem qualquer dos polos. Portanto, o crime de estupro exposto durante o decurso desta pesquisa coloca a mulher no polo passivo e o homem no polo ativo. Além disso, aos crimes de violência doméstica a serem apresentados, tendo em vista a Lei Maria da Penha, a qual é um dispositivo legal exclusivo para as mulheres, será a justiça restaurativa analisada nesse prisma.

Nesse liame, o objeto desta pesquisa focaliza a utilização da justiça restaurativa para crimes de violência doméstica e estupro. Sobre isso, é válido ressaltar a importância de se debruçar sobre métodos de resolução desses crimes, pois estes geram grandes conflitos na sociedade e ocorrem de maneira crescente, notabilizando-se, por exemplo, em estudos como o Mapa da Violência.

Objetivos e Metas

OBJETIVO GERAL

O objetivo desta pesquisa é analisar, em artigos de periódicos nacionais, a concepção dos autores quanto à possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em crimes de violência doméstica e estupro.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Para nortear a pesquisa, os objetivos específicos deste pleito são:

  • Identificar as vertentes da justiça restaurativa quanto a sua aplicabilidade nos crimes de natureza grave;
  • Verificar os argumentos utilizados pelos pesquisadores da justiça restaurativa para explicar a aplicabilidade ou não desse modelo alternativo em crimes de violência doméstica e estupro;
  • Analisar a possibilidade de o modelo restaurativo ser aplicado aos crimes de violência doméstica e estupro.

Justificativa

A importância desta pesquisa é em caráter de resposta à ineficiência a qual o sistema de justiça criminal posiciona-se frente ao caráter retributivo e ressocializador que emprega. Pois, é percebido atualmente que não há uma justa e efetiva responsabilização do agente ofensor.

Isso ocorre, sobretudo, pelo fato de o sistema atual não buscar a responsabilização do ofensor em relação à reparação do dano à vítima, visa-se tão somente a punição do ato ilícito. Diante disso, a vítima, além de ser agredida pelo ofensor, sofre mais uma vez pela violência de ser silenciada por aquele que deveria proteger seus direitos, o Judiciário. Isso pode ser verificado pelo fato de, durante o processo, não ser considerada a satisfação da vontade da vítima, sendo esta negligenciada, passando os advogados e juízes a assumirem o papel de decidir o rumo de sua vida[4].

Diante do sentimento de perda da vítima, Zehr afirma que:

Mesmo que as perdas materiais sejam importantes, pesquisas feitas entre vítimas de crimes mostram que elas em geral dão prioridade a outras necessidades. Uma delas é a sede de respostas e de informações. Por que eu? Essa pessoa tinha alguma coisa pessoal contra mim? Ele ou ela vão voltar? O que aconteceu com minha propriedade? O que eu poderia ter feito para não me tornar uma vítima? As informações precisam ser fornecidas e as respostas dadas. […][5]. (grifos nossos)

Para fugir de outro constrangimento, muitas vítimas, principalmente as que sofrem violência doméstica, deixam de denunciar ou desistem do prosseguimento da denúncia. Nessa nuance, para resguardar os interesses e a dignidade da vítima, Zehr afirma que no modelo da justiça restaurativa “o processo deverá, na medida do possível, colocar o poder e a responsabilidade nas mãos dos diretamente envolvidos: a vítima e o ofensor”.[6]

É, portanto, nessa perspectiva que a presente pesquisa se debruça, a fim de analisar a possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em casos de estupro e violência doméstica. Esses crimes vão além dos casos de infrações penais que os autores da justiça restaurativa comumente abordam.

Metodologia

A metodologia será dividida em três elementos de pesquisa: método, técnica e análise.

Quanto ao método, foi utilizado na realização desta pesquisa o método da dedução. Este método parte de uma explicação teórica para analisar os dados coletados, permitindo a realização de análise e comparação.

A técnica utilizada como meio de levantamento e coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica. Por meio da plataforma Google Acadêmico e empregando os indicadores (i) “Justiça Restaurativa no Brasil”, (ii) “Justiça Restaurativa e violência” e (iii) “Justiça Restaurativa e estupro” para filtrar a pesquisa. Em seguida, fez-se download das obras e artigos relevantes, e assim alcançou-se a análise completa dessas informações.

Ao pesquisar sobre o objeto em discussão, isto é, a questão de ser possível ou não a aplicação da justiça restaurativa nos crimes de violência doméstica e estupro, foi percebido a escassa contribuição dos pesquisadores da área ao retratarem desses tipos de crime. Pois, utilizando a análise de discurso de diferentes autores percebe-se que ao tratarem da aplicação do método de resolução de conflito da justiça restaurativa, os autores em sua maioria retratam crimes de natureza leve, como as contravenções penais, haja vista que todas as melhores experiências desse modelo surgiram em tribunais de crimes menos gravosos.

É certo que os resultados trazidos pelo método alternativo são de grande relevância para crimes leves, e, em razão disso, Rosemblat ressalta que:

na prática, a justiça restaurativa ainda se encontra muito confinada a crimes de menor potencial ofensivo, muito embora a sua aplicabilidade para delitos mais graves seja cada vez mais promovida.[7]

Nessa perspectiva, é necessário apresentar a discussão entre os pesquisadores que apoiam a justiça restaurativa como método passível de aplicação aos crimes mais graves, como violência doméstica e estupro, e outros que discordam dessa visão. Diante disso, Johnstone apresenta duas vertentes que enxergam a justiça restaurativa de maneira diferente:

Na extremidade minimalista, a justiça restaurativa é enxergada como um modo de pensar e lidar com o crime. No meio, ela é vista como uma forma de lidar com uma série de problemas sociais, políticos, e profissionais. Na ponta maximalista, ela é considerada aplicável à qualquer situação e à forma com a qual vivemos o nosso diaadia.[8] (grifos nossos)

Visto isso, é notório que quanto à possibilidade de aplicação da justiça restaurativa como forma de resolução de conflitos em casos graves, não é pacífica. No entanto, ao comparar os dados coletados, foi possível perceber que os estudiosos que se debruçaram a esses casos específicos aqui tratados chegam a um mesmo resultado: é possível aplicar o modelo alternativo nos casos de violência doméstica e estupro.

No Brasil, as resoluções que dão autoridade a esse novo modelo autorizam sua aplicação em todos os tipos de crime. Entretanto, a maioria dos programas de justiça restaurativa ainda são voltados aos crimes patrimoniais e de menor potencial ofensivo, pois nesses tipos penais já existe uma predisposição em aceitar uma solução consensual.

Destaca-se, contudo, a Comarca de Porto Alegre, a qual tem projeto de meios restaurativos voltado para a violência doméstica, conforme expõe Renata Giongo:

Entretanto, apesar da ausência da aplicação da justiça restaurativa aos casos de violência doméstica, já se percebe certa tendência dentro dos órgãos judiciais, principalmente nos Juizados Especiais voltados ao processamento da violência doméstica e contra a mulher, por exemplo, como da Comarca de Porto Alegre.[9]

Para os crimes de estupro, Guimarães[10] afirma que o sistema punitivista é ineficaz à abordagem da violência sexual, principalmente nos crimes de estupro. Nesse diapasão, para ela, e outros autores que abordam o estupro e os métodos restaurativos, é possível adotar o sistema da justiça restaurativa para solução desse tipo de crime.

Embora muito repudiados pela sociedade, os pesquisadores acreditam que a adoção do sistema restaurativo para esse tipo de crime é viável. Para eles, isso se deve ao fato de, na maioria dos casos, o estupro é praticado por familiares ou amigos próximos à vítima. Nessa perspectiva, a solução restaurativa atuaria com a finalidade de restaurar o ciclo familiar, ajudando não só a vítima mas também no processo de cura do agressor[11].

Micaela Silva ressalta:

nos crimes sexuais, o perdão é algo praticamente inalcançável diante do dano causado, mas nesses casos, busca-se, por óbvio, o arrependimento do ofensor e o alívio ou satisfação da vítima[12].

Diferente do crime de violência doméstica, há, no Brasil, experiência da prática restaurativa em caso concreto de estupro. Esse caso aconteceu em um projeto piloto de justiça restaurativa implantado no Juizado Especial Criminal no Fórum do Núcleo Bandeirante no Distrito Federal. Não serão apresentados muitos detalhes do caso, apenas dados que comprovem a possibilidade de utilização da justiça restaurativa em casos graves. Tratou-se de estupro de vulnerável, sendo a vítima de 13 anos à época e os agressores 18 e 19 anos. As partes chegaram a propor ação no sistema penal, contudo, foi lhes apresentado o sistema alternativo e ambas as partes concordaram em participar (de maneira voluntária).

Após encontros restaurativos, os agressores se desculparam com a vítima e a família. Para satisfação da mãe da vítima os agentes concordaram com os termos de prestar 3 meses de serviço de apoio em instituição de mulheres grávidas e solteiras. Além disso, foi cominada pena de 7 anos de reclusão em regime semiaberto para os agentes.

Diante disso, Micaela afirma:

Diante da decisão exposta, depreende-se que a análise jurídica do caso concreto obedeceu aos princípios do direito processual penal, tais como a razoabilidade e a proporcionalidade no que diz respeito à dosimetria da pena, bem como o alcance da paz social. Desse modo, conforme foi possível verificar nesse caso emblemático, a Justiça Restaurativa, coadunada ao processo penal.[13]

Vale ressaltar, por fim, que a técnica de mediação da justiça restaurativa deve ser considerada de acordo com o contexto de cada caso concreto. Assim confirma Giongo:

A meu ver, as limitações inerentes à técnica da mediação só se tornam problemáticas quando é considerada solução universal e aplicada, indiscriminadamente em todos os contextos culturais, naturalizando-se seus pressupostos[14].

Verifica-se, portanto, diante da análise bibliográfica apresentada, que é possível a aplicabilidade da justiça restaurativa em crimes de violência doméstica e estupro. Haja vista que, crimes sexuais, violência doméstica e crimes de trânsito são contextos em que o modelo de mediação vem sendo tratada e avaliada com otimismo.

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