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Jessica Wade: “Somente 17% dos verbetes da Wikipédia são sobre mulheres”

Saiu no site GALILEU

 

Veja publicação no site original:    Jessica Wade: “Somente 17% dos verbetes da Wikipédia são sobre mulheres”

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Física escreve verbetes na enciclopédia online contando as histórias de mulheres cientistas que não são reconhecidas. Confira nossa entrevista exclusiva

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Por Marília Marasciulo

 

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física britânica Jessica Wade estabeleceu uma missão para si mesma: garantir que todas as mulheres que contribuíram com algo relevante em suas áreas de pesquisa sejam reconhecidas. E encontrou um jeito eficaz e barato — ainda que trabalhoso — de fazer isso: em agosto de 2018, começou a escrever verbetes na Wikipédia com a biografia dessas pesquisadoras. Até agora, já foram mais de 520 novas páginas.

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Mas não parou por aí: a cientista do Laboratório Blackett no Imperial College de Londres, na Inglaterra, afirma desejar que todas as meninas tenham as mesmas oportunidades que ela teve quando era adolescente, com professores de ciências e uma família que a apoiou. Resolveu, então, lançar campanhas de crowdfunding para levar às escolas o livro Inferior É o Car*lhø (DarkSide, 320 páginas, R$ 54,90), em que a jornalista Angela Saini desconstrói os mitos que tentam justificar a desigualdade de gênero. Segundo Wade, a obra foi sua maior influência e motivação para iniciar esse trabalho.

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“Quando li Inferior É o Car*lhø , entendi o que está errado na sociedade no momento”, diz a física. “E percebi que ele poderia ser poderoso para dizer às garotas que tudo o que elas estão sentindo não é culpa delas.” Desde o início da campanha, colocou uma cópia em cada escola de ensino médio do Reino Unido e, no momento, prepara-se para fazer o mesmo em cidades do Canadá e dos Estados Unidos.

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A empreitada rendeu a Wade o prêmio Nature’s 10, do periódico científico Nature, que a reconheceu como uma das pessoas mais relevantes para a ciência em 2018. Ela recebeu ainda a medalha Daphne Jackson por “atuar como uma embaixadora internacional de STEM [ciência, tecnologia, engenharia e matemática]”, bem como uma menção honrosa no prêmio Wikimedista do Ano, criado pelo cofundador da Wikipédia, Jimmy Wales, por seu esforço em editar as páginas e garantir que os legados dessas incríveis mulheres não sejam esquecidos.

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Descreva o trabalho que você desenvolve como física.
Eu trabalho com materiais para dispositivos eletrônicos, em especial para diodos ausentes, utilizados nas telas de smartphones e em televisões. Eu também estudo materiais baseados em carbono: em vez de materiais eletrônicos tradicionais, como o silício, eu estou usando alguns mais flexíveis, biodetectáveis, finos e baratos. Ao controlar a química, conseguimos controlar as propriedades eletrônicas deles.

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Você parece ter tido muito apoio para seguir na área. Em algum momento se sentiu discriminada?
Tive a sorte de receber o apoio da minha família e da escola. E, quando entrei na universidade, encontrei um grupo de pesquisa no qual me senti muito confortável. Mas sempre tive consciência de que essa área é muito masculina, você não deixa de notar que faz parte da minoria. É meio que esperado que as mulheres desempenhem algumas funções que nem sempre são o melhor para a carreira delas, como as administrativas, as de cuidados, coordenação. Acredito que a discriminação e o preconceito aparecem mais quando a carreira está avançada. Existem muitas oportunidades que não são garantidas às mulheres, e penso que isso acontece quando elas ocupam uma posição sênior.

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O que isso significa?
Em algumas publicações acadêmicas, é menos provável que artigos de mulheres sejam aceitos. E mais: não somos convidadas para revisá-los ou para participarmos de conferências, além de recebermos menos bolsas de pesquisa. É frustrante.

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Você viveu algumas dessas situações?
Em dezembro do ano passado, fui convidada para participar de uma conferência sobre pesquisa de materiais em Paris. Quando percebi que os palestrantes eram todos homens, falei para a organização que isso era uma vergonha e que eu só iria se tivesse mais diversidade. Eles responderam que se eu sugerisse, incluiriam outras pessoas na programação. Foi isso que fiz. O que aconteceu? Nos colocaram em uma sessão separada, sobre “mulheres trabalhando com materiais inteligentes”. A maioria da conferência não foi àquela sessão. Essa é uma forma de fazer com que nos sintamos excluídas.

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Como você se tornou uma ativista por maior inclusão de mulheres na ciência?
Tudo mudou para mim ao ler o livro Inferior É o Car*lhø, da Angela Saini. Comecei a fazer muitas coisas para melhorar a diversidade no campo da física nas escolas e universidades. Sentia-me incomodada porque gastam muito dinheiro na maioria das ações, fazem muito barulho, mas na verdade há pouco impacto. Ao ler o livro, entendi o que está errado na sociedade no momento, de onde vêm nossos preconceitos e quão horríveis são. Ao mesmo tempo, temos esse problema terrível de as pessoas acreditarem em tudo sem questionar.

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Como partiu disso para a decisão de escrever verbetes na Wikipédia sobre mulheres cientistas?
Conheci a dra. Alice White, uma historiadora do Wellcome Collection, que me falou do impacto que poderia ter usando a Wikipédia, que é acessada 32 milhões de vezes por dia. É brilhante, mas enviesado, ainda mais se pensarmos que há alguém escolhendo quais partes da ciência vão entrar para a história.

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Comenta-se que os editores da Wikipédia são meio machistas…
A maioria dos editores da Wikipédia são homens brancos americanos. Eles criam conteúdo sobre as coisas que interessam a eles, como times de futebol ou jogadores de beisebol, e não fazem muita coisa sobre pessoas que têm passados diversos. Somente 17% das biografias no site são sobre mulheres, o que é preocupante, considerando-se que a plataforma é a principal fonte de informação para milhões de pessoas.

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Você enfrentou algum tipo de retaliação quando começou a escrever os verbetes?
Notei que eles são bem rígidos na checagem, mas que não fazem o mesmo com o que produzem. Isso me irritava muito porque, a não ser que eu colocasse uma citação em cada linha, diriam que não era bom ou neutro o suficiente. Também notei que páginas sobre cientistas negras eram mais criticadas do que as outras. Mas isso só me inspirou para continuar editando e treinando outras pessoas para fazer o mesmo.

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Quais são os estereótipos de mulheres na ciência que ainda persistem?
O principal é a ideia de que os homens são naturalmente melhores em exatas. Isso me irrita porque afeta diferentes áreas da ciência.

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Como você acha que podemos atrair mais meninas para a ciência?
Não é tentando torná-la mais rosa. Já vi iniciativas para aumentar o número de meninas em Engenharia que não exigem que elas saibam física. Precisamos tanto de meninas que aceitamos até as que não são qualificadas? O foco está mais em atrair garotas do que em mudar a cultura de departamentos científicos, e isso teria maior impacto a longo prazo. Devemos assegurar que os departamentos apoiem quem precisa cuidar da família. E eliminar coisas como assédio sexual e bullying, além de aumentar a transparência.

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Como as pessoas podem colaborar com a sua iniciativa?
Todo mundo pode editar a Wikipédia, é grátis! Também é importante pensar nas histórias que você conta. Se você é professor, pense nos exemplos de cientistas que cita em sala de aula. Se é pai ou mãe, fale de pessoas que fizeram a diferença no mundo, mas busque exemplos diversos. Essas coisas são as que realmente guardamos. E ofereça apoio, especialmente para pessoas mais jovens, não importa se interessadas em arte ou ciências. Dê conselhos, seja um mentor e mostre que aquilo que elas fazem importa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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