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E-mails amigáveis das mulheres que acusam Harvey Weinstein não significam que elas estejam mentindo

Saiu no site HUFFPOST

 

Veja publicação no site original: E-mails amigáveis das mulheres que acusam Harvey Weinstein não significam que elas estejam mentindo

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Advogados do produtor tentarão usar as mensagens para desacreditar as mulheres que o acusam. Mas entrar em contato com o agressor é uma tática comum das sobreviventes.

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Por Angelina Chapin

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Mary vinha falando pelo telefone e trocando mensagens com o homem durante um ano, mais ou menos. Agora, às vésperas de finalmente encontrá-lo pessoalmente, ela sentia um misto de nervosismo e empolgação. Ele tinha 31 anos, dez a mais que ela. Depois de alguns meses conversando por mensagens, começou o papo sobre sexo. Ela era virgem, e ele não parecia muito insistente.

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Mas quando Mary chegou ao apartamento dele, em Washington, em dezembro de 2017, ele começou a beijá-la de forma agressiva. Ela disse que queria ir embora, mas o homem a pressionou contra uma parede e disse que ela tinha de transar com ele. Aí, ele a levou à força para a cama e a estuprou. Mary estava paralisada.

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Depois do ataque, ele disse que Mary era linda. Ela chamou um Uber para voltar para casa. Aí, ela fez algo que a surpreende até hoje: mandou uma mensagem dizendo que tinha adorado o encontro e que eles poderiam se ver de novo mais para o fim da semana. Os dois nunca mais se encontraram, mas mantiveram contato durante mais um mês.

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Processando o que tinha acontecido, Mary considerou procurar a polícia, mas não o fez por causa das mensagens. Ela imaginou as conversas sendo lidas em voz alta no tribunal – ninguém acreditaria nela.

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“Era tudo muito claro na minha cabeça”, diz Mary ao HuffPost, por e-mail (seu nome foi trocado a pedido dela). “Achei que não tinha por que submeter a mim e à minha família a algo assim.”

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Mary agora vê esse pesadelo se desenrolar diante do país inteiro: o julgamento do produtor de Hollywood Harvey Weinstein está entrando na segunda semana. Donna Rotunno, sua advogada, deu a entender que vai mencionar e-mails “amigáveis” das duas mulheres que acusam Weinstein de ataques sexuais. As mensagens seriam prova de que as acusações de sexo oral forçado e estupro são falsas. Rotunno provavelmente vai argumentar que vítimas de estupro não têm como enviar mensagens para o abusador dizendo “Saudades de você, grandão”, ou “Te amo, sempre te amei. Mas odeio que você só me ligue pra gente transar :)”. A advogada provavelmente vai perguntar aos jurados se Mimi Haleyi, ex-produtora assistente, realmente poderia ter sido estuprada se tivesse tentado encontrar Weinstein meses depois, enviando mensagens que diziam “muito amor”.

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A expectativa é que os promotores convoquem um especialista para explicar como o trauma pode afetar o comportamento de vítimas de abuso. Mas os e-mails amigáveis podem convencer os jurados de que as mulheres estão mentindo. Muita gente acredita que as vítimas de abuso sempre tentam se defender, cortam todo tipo de contato com os agressores e procuram a polícia imediatamente – em vez de mandar mensagens afetuosas e esperar anos para prestar queixa. Mas, na realidade, os psicólogos afirmam que é comum que vítimas mantenham contato com os abusadores. Enquanto os jurados não forem capazes de entender por quê, as vítimas nunca terão justiça de verdade.

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Por que vítimas mandam mensagens amigáveis

Existe um estereótipo falso segundo o qual os responsáveis por ataques sexuais são sempre estranhos que surpreendem as vítimas em becos escuros. Mas mais de 80% das sobreviventes conhecem seus agressores. As vítimas muitas vezes passam por um período de dissonância cognitiva quando tentam processar como a pessoa que as violou também disse que elas são lindas, ouviram seus problemas e cuidaram delas.

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Os abusadores também deliberadamente confundem ou fazem gaslighting com as vítimas, elogiando-as, querendo encontrá-las de novo ou agindo como se nada tivesse acontecido, diz Veronique Valliere, psicóloga da Pensilvânia especializada em ataques sexuais.

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As sobreviventes muitas vezes minimizam o abuso ou se culpam na tentativa de preservar aspectos positivos de seu relacionamento com o agressor, afirma Valliere. Esse fenômeno é mais pronunciado em crianças vítimas de abuso por parte de parentes. Elas tentam suprimir o abuso de forma subconsciente, para sobreviver, já que dependem dos agressores para alimentação, abrigo e afeto, diz Jennifer Freyd, professora de psicologia da Universidade de Oregon. (Freyd cunhou o termo “cegueira da traição” para descrever esse comportamento.) A mesma reação pode ser observada entre dois adultos, especialmente em relacionamentos em que não existe equilíbrio de forças.

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Weinstein era um dos homens mais poderosos de Hollywood, capaz de acabar com qualquer carreira. As cem ou mais mulheres de quem ele teria abusado, muitas das quais modelos e atrizes aspirantes, “não podiam dar-se o luxo de aliená-lo”, afirma Freyd, que não está envolvida no caso. Ela diz que sobreviventes com ambições profissionais podem ter suprimido o abuso de forma consciente ou inconsciente, porque confrontar Weinsten poderia significar o fim de seus sonhos.

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Elas também podem ter sentido medo. A resposta de “fuga ou luta” diante do perigo é conhecida. Mas existem outras reações, como “paralisia ou puxação de saco”, afirma TL Robinson, que recentemente lançou uma campanha para ajudar vítimas de abuso sexual a se conectar. “Puxar o saco”, diz Robinson, “é uma maneira de tentar administrar os efeitos do perigo (ou do trauma), minimizando a gravidade do ocorrido”.

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As duas mulheres que acusam Weinstein no caso que está sendo julgado agora não explicaram por que enviaram mensagens afetuosas depois de serem agredidas. Mas psicólogos afirmam ao HuffPost que a comunicação pode ter sido uma tentativa de reduzir a tensão da situação e manter um bom relacionamento com o executivo, especialmente porque as mulheres são condicionadas a vida inteira a ser “boazinhas”.

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Anne, uma sobrevivente que pediu para não ter seu sobrenome revelado, afirma que mandou uma “piada sem graça” por mensagem de texto para o cara que a atacou, um dia depois do ocorrido. Ela tinha ido embora no meio da noite e não queria parecer “mal educada”.

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Anne também achou que mandar a mensagem seria uma maneira de disfarçar seus sentimentos. Ela tinha 18 anos na época e achava que era a culpada pelo que acontecera. “Queria uma lembrança boa em vez daquela interação”, afirma ela. “Era uma ferida que eu queria encobrir.”

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É normal que sobreviventes internalizem certos mitos sobre estupro e sintam-se responsáveis pelas agressões que sofreram. Depois de ser estuprado, James (nome fictício), na época com 17 anos, mandou uma mensagem de texto para o abusador pedindo desculpas pelo que tinha acontecido. Apesar de ter implorado para que o agressor parasse, na época James se sentia culpado: bêbado, ele flertou e topou ir para a casa do abusador.

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Algumas das mulheres que acusam Weinstein podem ter passado por um processo similar, diz Joan Cook, professora de psiquiatria da faculdade de medicina da Universidade Yale. Ela diz que, em vez de responder com raiva, elas podem ter se perguntado: “Todo mundo sabia [da fama] de Harvey, por que eu não sabia?”, ou então: “Será que eu sorri para ele?”

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Controlando a narrativa do ataque

Mary queria muito que sua primeira vez fosse especial. As mensagens dizendo que tinha sido “ótimo” eram uma maneira de se convencer de que isso de fato tinha acontecido.

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“A ideia de que minha primeira experiência sexual tenha sido um estupro era demais para mim”, diz ela ao HuffPost, “então fiz de tudo para me convencer de que tudo estava normal. Isso incluía continuar conversando com ele.”

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Mas um mês depois, quando ela começou a ter ataques de pânico e depressão, Mary estava pronta para admitir que tinha passado por algo muito ruim. Ela bloqueou o telefone do abusador e saiu do Tinder. Ela se sentia paranoica quando interagia com homens. Agora ela está num relacionamento sério, mas quando o ataque completou um ano – no dia 11 de dezembro de 2018 ―, ela mal conseguia sair da cama. Um ano depois, foi a mesma coisa.

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Mary acha que a Justiça não teria funcionado no seu caso, já que a maioria das pessoas ainda não entende como o trauma pode afetar o comportamento dos sobreviventes. Mas ela espera que os jurados do caso Weinstein entendam que as mensagens são apenas mais uma prova do poder que ele exercia sobre elas, não de que elas estejam mentindo.

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“Seria ótimo ver um cara tão poderoso ser condenado”, afirma ela. “Acho que isso daria esperança para outras sobreviventes.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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