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Violência doméstica: uma epidemia europeia

Saiu no site VISÃO – PORTUGAL

 

Veja publicação original: Violência doméstica: uma epidemia europeia

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Só em França, mais de 100 mulheres já morreram às mãos dos companheiros ou ex-companheiros, este ano. Em Espanha, e apenas durante o verão, morreram 19. Perante isto, os protestos, primeiro em Paris e agora um pouco por todo o país vizinho, não demoraram. Em Portugal, a 21ª vítima foi registada na semana passada, depois de uma mulher com menos de 50 anos ter sido degolada pelo ex-marido, no meio da rua em Braga

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Por Teresa Campos

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Foi no primeiro dia de setembro que um morador de Cagnes-sur-Mer, uma localidade no sul da França, reparou num pé a sair de uma pilha de lixo, galhos e uma colcha velha, no meio da rua. Era, acabaria por se confirmar, o corpo desfigurado de uma mulher, vítima de um ataque brutal do companheiro – de seu nome Salomé, 21 anos, a centésima vítima de violência doméstica em França este ano. Rapidamente, apareceram flores no local onde o corpo foi encontrado. Mas, um dia depois, novo caso, uma mulher de 92 anos degolada até à morte pelo marido, de 94.

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Em poucas horas, o governo francês anunciou uma série de medidas para proteger as mulheres da violência doméstica, um crime que, salientava-se no comunicado, não conhece faixa etária, classe social nem fronteiras. Estava Emmanuel Macron no lançamento dessa campanha, num centro nacional de atendimento a vítimas, quando o telefone tocou. Era uma mulher que, depois de décadas de abuso e violência por parte do marido, ganhara coragem para o deixar. Para isso, tinha pedido a um polícia que a acompanhasse a casa de forma a ir buscar alguns dos seus pertences. O agente recusou, insistindo que precisava de uma ordem judicial para intervir, contava ela, do outro lado da linha. À equipa de apoio não restou senão redirecionar a vítima para o centro de intervenção mais próximo. Segundo relatou a imprensa francesa, Macron ainda perguntou: “Isto acontece com frequência?”. A resposta, simples, da operadora, disse tudo “Ah, sim, vezes sem conta!”

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Não é, confirmam os números um pouco por todo o lado, uma situação isolada. Afinal, esta sexta, 20, havia manifestações anunciadas em mais de 250 vilas e cidades por toda a Espanha, declarando uma emergência no feminino, depois de 19 mulheres terem sido assassinadas pelos atuais ou antigos companheiros só durante o verão. Desde janeiro, há registo de 42 mortes.

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“Este foi um verão dominado por barbárie, assassinatos, violações e afins”, disse a organização dos protestos, o coletivo Emergência Feminista, assinalando que o número já ultrapassou os mil casos desde que, em 2003, começou a contabilidade oficial das mortes por violência doméstica no país. Ao mesmo tempo, pediram à população para sair à rua de lanternas e tochas na mão e assim “deixar o feminismo encher a noite”.

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Será o culminar de uma escalada que começou pelo menos há três anos, desde que foram precisos vários recursos, e um ano de protestos, para que os acusados do ataque de Pamplona, um gangue conhecido como “matilha de lobos”, fossem efetivamente condenados a uma pena de 15 anos por violação.

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Em resposta, o Vox, partido da extrema-direita, pediu a revogação das leis sobre a violência doméstica e disparou impropérios sobre as “feministas psicopatas”. Esta quinta-feira, 19, o partido foi mais longe e boicotou o minuto de silêncio que a autarquia da capital espanhola havia anunciado para marcar o assassinato da mais recente vítima de violência doméstica, Adaliz Villagra, 31 anos, esfaqueada até à morte à frente dos dois filhos, em Madrid.

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Um drama à escala europeia

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O ranking da violência doméstica na Europa mostra que haverá alguma razão para se falar de uma epidemia a nivel do continente. Segundo as mais recentes estatísticas do Eurostat, as 123 mortes registadas em França em 2017 não colocam ainda assim o país no topo da classificação: à frente, seguia a Alemanha, com 189 casos. Na Roménia registavam-se 84, no Reino Unido 70, e em Itália 65.

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Mas, como explicou entretanto Viviana Waisman, do Women’s Link Worldwide, à BBC, a violência contra as mulheres não pode ser simplificada por números.”É uma questão que transcende classe, estatuto socioeconómico e, como se vê, fronteiras. O tema pode ser mais ou menos tabu em certas sociedades, mas está presente em todas”, insistia a ativista – a lembrar que nem a Finlândia, tantas vezes apontada como exemplo no capítulo da igualdade de género, tem taxas zero em termos de violência doméstica.

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“O que vemos nos países nórdicos é que a igualdade é um direito protegido na esfera pública, mas na esfera privada não”, precisou Paivi Naskali, professora de Estudos de Género da Universidade da Lapónia, à ONG britânica Open Democracy, antes de acrescentar: “o estado-providência deu muitos direitos às mulheres, mas foram políticas que se concentraram sobretudo no mercado de trabalho, não a nível privado.”

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Modesta Kairyte, uma voluntária em centros de apoio a vítimas na vizinha Lituânia, não tem dúvidas sobre o que pode explicar os números dramáticos nos países do antigo bloco soviético: “a sociedade ainda culpa a mulher, se ela não abandonar um relacionamento abusivo. E ao mesmo tempo há a crença, amplamente difundida, de que é melhor ficar, para o bem das crianças.”

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O CASO PORTUGUÊS

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Já a nível nacional, o país ficou marcado pelo registo da 21ª vítima de violência doméstica desde o início do ano, com o assassínio, na passada quarta-feira, de uma mulher em Braga. A vítima, de 46 anos, foi degolada em plena rua. O autor do crime foi o seu ex-marido, de 47 anos. Gabriela Monteiro era funcionária no Theatro Circo, em Braga – em sua homenagem, a sala de espetáculos não abriu as portas e os colegas promoveram uma vigília contra a violência doméstica, 500 pessoas a descer as ruas da cidade, num gesto que pretende ser um grito de alerta. “Pela cultura também se educa”, disse à Lusa o diretor artístico da sala, Paulo Brandão. “Nem uma vítima mais.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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