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Uma militante feminista na Casa Branca

Saiu no site HUFFPOST

 

Veja publicação original:  Uma militante feminista na Casa Branca

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“Em 2009 não era muito cômodo ser lésbica e fazer parte do staff da Casa Branca.”

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Por Melissa Jeltsen
Fotos por Annie Flanagan

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ESTADOS UNIDOS – No início da década de 1990, quando Lynn Rosenthal concordou em fazer, em um comício um discurso em defesa de mulheres que mataram seus maridos abusivos, ela não imaginava que, naquele momento, estaria se lançando em um caminho que a levaria até a Casa Branca.

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Na época, ela trabalhava na Flórida como ativista em defesa dos direitos reprodutivos, e não sabia muito sobre violência doméstica. Pouco menos de duas décadas mais tarde, o então vice-presidente Joe Biden a convidou para ser a primeira assessora da Casa Branca a trabalhar com violência contra as mulheres. Nesse cargo, ela conduziu a resposta federal a um problema complexo e profundamente arraigado na sociedade norte-americana.

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O HuffPost conversou com Rosenthal sobre seu trabalho com direitos reprodutivos, sua carreira como ativista dos direitos das mulheres, e como foi ser a mulher, lésbica e feminista que trabalhou na Casa Branca antes de o presidente Barack Obama legalizar o casamento homossexual.

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HuffPost US: Como eram as coisas quando você começou a trabalhar na Casa Branca, em 2009?

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Lynn Rosenthal: Foi uma coisa avassaladora, assustadora e empolgante. E, nessa época, estava acontecendo o ataque aos chamados “czares de Obama”. Todas as noites, Glenn Beck (apresentador de TV conservador norte-americano), metia o pau nos apoiadores em seu programa de TV. Havia um gráfico com os rostos dos 20 “czares”, e meu rosto estava ali no meio. Todo dia às 17h eu assistia ao programa dele na minha sala para ver quem ele atacaria.

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No meu primeiro dia, me senti deslocada na Casa Branca, como se aquele lugar não fosse para mim. Em 2009 não era muito cômodo ser uma mulher lésbica e fazer parte do staff da Casa Branca. Eu não estava muito à vontade. Eu e outras mulheres que percorríamos aqueles corredores tínhamos a impressão que talvez aquele sonho grandioso não nos incluiria no futuro.

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Me lembro de um dia quando levei minha companheira para uma festa na casa do vice-presidente e me senti meio sem jeito. Estávamos sendo fotografadas, e eu estava pouco à vontade, para falar francamente. Falei: “Senhor vice-presidente, esta é minha companheira, Jennifer”. E ele me agarrou em um daqueles seus famosos abraços de urso e falou para ela: “Sua companheira é minha companheira todos os dias, não se esqueça disso. Não esqueça como é importante o que ela está fazendo.”.

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Jennifer reparou que um coral gay estava cantando na festa. Eu disse: “Aposto que isso não acontecia com os ocupantes anteriores da residência”. Joe Biden falou: “Com a gente, é normal”. Estava na cara que ele queria que ficássemos à vontade. Eu me senti apoiada, senti que eu fazia parte daquilo.

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Mas no ano seguinte, quando Jennifer e eu nos casamos, em 2010, eu não convidei muita gente da Casa Branca. Sem falar que Glenn Beck estava insistindo nos “czares”. Parecia um ambiente meio explosivo. A última coisa que eu precisava era ser vista como um exemplo visível do casamento homoafetivo, sendo membro do staff da Casa Branca.

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Conte como foi quando Biden anunciou publicamente seu apoio ao casamento homoafetivo.

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Peguei meu BlackBerry em uma manhã de domingo, e tinha uma notificação: “O vice-presidente Joe Biden apoia o casamento gay”. Aquilo mudou minha vida. Me fez sentir que aquilo era para valer. Eu me senti validada e apoiada pelos mais altos níveis do governo. Meu relacionamento era legítimo e eu fazia parte daquele lugar.

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Como era trabalhar com Biden?

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Trabalhar com o vice-presidente Biden era como ser aluna do melhor professor de história e ciência política que existe. Aprendi muitíssimo com ele. Trabalhamos juntos nas questões da lei Título IX (uma lei de 1972 que proíbe a discriminação sexual contra pessoas em programas ou atividades educativas financiadas com verbas federais) e das agressões sexuais nos campi universitários. Graças à liderança exercida por Biden foi possível promover mudanças importantes na situação.

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ANNIE FLANAGAN FOR HUFFPOST
“Essa foi a história da Casa Branca de Obama. Pessoas trabalhando diariamente, em todos os níveis do governo, para tentar fazer uma diferença positiva.”

 

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O que você acha da controvérsia recente em relação ao comportamento físico de Biden com mulheres, abraçando e tocando-as sem o consentimento delas?

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Fico satisfeita ao ouvir que ele prometeu reconhecer o espaço pessoal das mulheres e entender as diferenças no modo como homens e mulheres vivenciam o mundo. E ele também ampliou seu entendimento da questão de gênero, conforme evidenciado pela campanha da Fundação Biden para incentivar os pais a amar e aceitar seus filhos transgêneros.

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O que lhe deu o maior orgulho durante o tempo em que você trabalhou na Casa Branca?

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Nunca vou me esquecer de estar no Salão Leste quando o presidente Obama deu o primeiro discurso sobre violência sexual jamais feito por um presidente. Foi incrível.

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Nosso trabalho sobre violência sexual nas universidades foi muito importante. Iniciamos esse trabalho antes da onda de ativismo estudantil, e isso criou uma discussão nacional. Estávamos muito interessadas em ver o que podíamos fazer por mulheres na faixa dos 16 aos 24 anos que estavam sofrendo altas taxas de violência.

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Em 2014, o ex-presidente norte-americano, Barack Obama, lançou uma campanha chamada “Depende de nós” contra a violência sexual nos campi universitários do país e denunciou a “tolerância silenciosa” que a cerca. À época, só 12% das vítimas chegavam a denunciar.

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Mas o que me dá mais orgulho são coisas das quais você provavelmente nunca ouviu falar. Nosso trabalho com Aids e mulheres. Nosso trabalho para combater a violência doméstica que leva a homicídios. Trabalhamos com o programa “Head Start” (que oferece atendimento amplo a crianças de famílias de baixa renda, incluindo educacional, nutricional, de saúde, etc.) para esclarecer como é a vivência de crianças que testemunham violência. Promovemos as melhores práticas na área da implementação de ordens de proteção. Trabalhamos para reduzir o atraso na análise de materiais forenses colhidos após casos de agressão sexual.

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Essa foi a história da Casa Branca de Obama. Pessoas trabalhando diariamente, em todos os níveis do governo, para tentar fazer uma diferença positiva. Lançamos essas iniciativas que podem ter parecido pequenas, mas na realidade tiveram impacto muito grande.

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Vamos voltar um pouco na sua trajetória. Como você se interessou por trabalhar com violência doméstica?

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Depois de terminar a faculdade, passei dez anos trabalhando com saúde e direitos reprodutivos das mulheres. Dirigi uma clínica em Tallahassee, na Flórida, que prestava serviços de aborto. Era a linha de frente, realizando abortos sob condições extremas no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Penso nessa época quando vejo as mulheres jovens de hoje que militam contra as agressões sexuais nas universidades e com questões do movimento #MeToo. Elas trabalham 24 horas por dia, e aquele período de trabalho foi assim para nós. Quer estivéssemos na clínica, prestando serviços, fazendo piquetes em defesa do direito ao aborto ou fazendo lobby junto ao Legislativo, estávamos completamente imersas na luta para garantir o direito ao aborto.

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No início da década de 1990 fui convidada a discursar em um ato público em defesa de mulheres que estavam cumprindo pena de prisão por terem matado seus maridos que as agrediam. As mulheres na prisão estavam se organizando para tentar colocar um processo em andamento para pedir clemência. Eu não sabia nada sobre o assunto, então comecei a estudar os casos dessas mulheres. Fiquei estarrecida por elas estarem na prisão. Elas tinham sofrido muitos anos de violência, suas histórias eram devastadoras. Elas poderiam ser a irmã, a mãe, a tia de qualquer uma de nós. Graças a esse trabalho, em 1993 fui trabalhar em um abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica.

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ANNIE FLANAGAN FOR HUFFPOST

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Como era comandar um abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica naquela época, quando a Lei sobre a Violência Contra Mulheres ainda não tinha sido aprovada?

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Era difícil. Havia poucas verbas. Tínhamos uma casa pequena e decrépita com três quartos e dois banheiros, onde acolhíamos 22 pessoas, entre mulheres e crianças. O que eu mais me lembro foi quando estudei a dinâmica da violência doméstica. Percebi que aquelas eram as mulheres que eu atendia na minha clínica de saúde também. Comecei a entender por que elas engravidavam repetidas vezes, ou contraíam doenças sexualmente transmissíveis ou não conseguiam tomar sua medicação regularmente. Entendi imediatamente: eu não tinha tomado plena consciência da violência à qual essas mulheres eram e ainda são submetidas.

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Em 2013, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma ampliação da Lei sobre a Violência contra as Mulheres (VAWA, na sigla em inglês) para dar mais proteção a milhões de mulheres vítimas de ataques e agressões sexuais.

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Uma coisa que me surpreendeu no abrigo foi a garra de cada uma delas. Por pior que fosse sua situação, elas sobreviviam. Meu trabalho me deixava intimidada. Eu era jovem para ser uma diretora executiva. Tinha que decidir sobre doações, comandar a organização e encontrar um jeito de operar com os recursos limitados que tínhamos. Eu dizia a mim mesma: se essas mulheres conseguem levantar da cama todos os dias e sobreviver, aguentando a vida enquanto sofrem violência, eu tenho que ser capaz de fazer a minha parte.

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Como você se envolveu com política?

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Depois de três anos trabalhando no abrigo, fui contratada pela Coalizão da Flórida contra a Violência Doméstica e virei diretora executiva. Foi quando comecei a me envolver mais com política, fazendo depoimentos no Legislativo estadual. Eu me envolvi ao nível nacional quando Donna Edwards me recrutou para fazer parte da Rede Nacional para Acabar com a Violência Doméstica. Me tornei diretora da instituição quando ela deixou o cargo.

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Estar ali, naquele momento, foi muito importante. Trabalhamos em cima da emenda Lautenberg. Das verificações universais de antecedentes. Vivíamos trabalhando para levantar fundos. Eu falei diante do Comitê Judiciário do Senado sobre a Lei de Violência Contra Mulheres. Depois de seis anos, deixei a organização e voltei para a Flórida, porque minha mãe estava doente. Depois disso, fui viver no Novo México para comandar a coalizão desse estado contra a violência doméstica. E depois disso a Casa Branca me chamou.

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Quem foi que lhe chamou?

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Foi Terrell McSweeny, que, na época, era a assessora-chefe de políticas públicas do vice-presidente. Ela disse que Biden gostaria que eu fosse até Washington para ser entrevistada para este cargo. Isso foi em abril de 2009. Aquela ligação me pegou de surpresa. Eles poderiam ter contratado uma jurista renomada ou uma ex-promotora, por exemplo, mas escolheram uma ativista dos direitos das mulheres.

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Eu falei: “Eu vou fazer a entrevista, mas tenho certeza que não vão me escolher”. Minha companheira e eu estávamos felizes no Novo México. Mas algumas semanas depois, recebi uma ligação me convidando para ir a Washington. Se você é chamada para servir ao país, você não recusa. Mas foi muito assustador. Pensei “quem sou eu para estar trabalhando na Casa Branca?”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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