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Tabata Amaral: as visões de uma das vozes mais ativas pela educação no Congresso

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE

 

Veja publicação original:  Tabata Amaral: as visões de uma das vozes mais ativas pela educação no Congresso

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Aos 25 anos e em seu primeiro mandato, a deputada federal pelo PDT/SP conta de seus planos para a Educação e de sua opinião sobre o trabalho feito pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Entre outros assuntos, relembra a morte do pai e responde sobre os desafios de ser uma congressista mulher e jovem em Brasília

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Por Natacha Cortêz

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Era 2012. Tabata Amaral tinha então 18 anos e menos de duas horas para responder à Harvard se aceitava ou não ser sua aluna. Ela havia se inscrito para outras cinco universidades norte-americanas – Columbia, Universidade da Pensilvânia, Princeton, Yale e Instituto de Tecnologia da Califórnia – e sido aceita em todas. Mas nenhuma delas (ou melhor, nada) naquele momento fazia brilhar os olhos da garota que tinha acabado de receber a dolorosa notícia da morte do pai. “Ele era espírita, costumava dizer que só estava na Terra para me ajudar e que sua missão tinha acabado assim que passei em Harvard. Parece novela mexicana, mas é a minha história”, conta a deputada federal que recebeu a reportagem de Marie Claire em seu gabinete, em Brasília.

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Lembrar do que dizia o pai fez Tabata responder sim à Harvard e deixar a Vila Missionária, periferia na zona Sul de São Paulo, para viver os próximos quatro anos nos Estados Unidos, longe da mãe, Reni, e do irmão mais novo, Allam. “Trabalhei exaustivamente durante a faculdade para nunca deixar de enviar dinheiro a eles”, diz. Na universidade, além do emprego como babá e de uns bicos que conseguia no campus, estudou astrofísica e ciência política, fundou o Mapa Educação, rede que conecta jovens para atuarem em prol da educação, e desenvolveu sua monografia em cima da educação pública brasileira. Voltou em 2017, com a vontade de trabalhar pela área.

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Em 2018, depois de ser uma das bolsistas do programa de formação política RenovaBR, foi eleita deputada federal em São Paulo pelo PDT com 264.450 votos. No início desta legislatura, viu sua voz viralizar nas redes por, aos 25 anos e em seu primeiro mandato, desafiar o ex-ministro da Educação, o professor colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez, de 75. “Em um trimestre, não é possível que o senhor apresente um Powerpoint com três desejos para cada área da Educação. Cadê os projetos? Cadê as metas?”, questionou ela. “A mim resta lamentar o que está acontecendo e esperar que o senhor mude de atitude — o que parece completamente improvável — ou saia do cargo”, finalizou.

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Doze dias depois, Vélez fora substituído por Abraham Weintraub, com quem a deputada já mostrou desavenças. Tabata deve processar o novo ministro por danos morais. Segundo ela, ele distribuiu imagens que reproduziam conversas suas e de membros de sua equipe com funcionários do MEC, expondo seu número de celular. “Estou entrando com um processo por danos morais contra o senhor. É um constrangimento, não uma atitude de um ministro; me envergonha”, disse diante de Weintraub durante audiência da Comissão de Educação.

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Nesta entrevista, a deputada conta de seus planos para a Educação e de sua opinião sobre o trabalho feito pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves: “Pode ser bem intencionada, mas não é a pessoa mais adequada para a posição que ocupa” . Entre outros assuntos, relembra a morte do pai, Olionaldo Francisco e responde sobre os desafios de ser uma congressista mulher e jovem em Brasília. “Cantada tem toda hora. E tem os abraços que me deixam desconfortável. A pessoa tentando me tocar de uma forma que não é ok.”

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Marie Claire. Você vai processar o ministro Weintraub mesmo?
Tabata Amaral. Estamos em contato com advogados para tomar todas as medidas que cabem. Já fiz a primeiro movimento, que é uma interpelação. O próximo é danos morais.

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MC. E sobre a atuação dele até agora?
TA. 
Um ministro que se acha no direito de restringir a liberdade das pessoas não tem condições de ocupar um cargo tão importante em uma democracia. Quando o MEC diz que professores, alunos e pais “não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar” faz ditadura. Há apenas um tipo de regime onde cidadãos são proibidos de se manifestarem: ditaduras.

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MC. Imagino que sua rotina no Congresso tenha mudado depois de questionar o ex-ministro Ricardo Vélez. As coisas ficaram mais agitadas desde então?
TA. 
Primeiro, o questionamento ao então ministro não foi algo planejado. Eu tinha preparado perguntas específicas sobre projetos. Quando cheguei e vi que ele tinha o powerpoint, por um segundo eu pensei “ele trouxe o planejamento estratégico, ele existe”. E aí, quando ele mostrou aquelas poucas páginas com duas linhas, foi muito frustrante para mim. Eu queria saber quais eram os planos para a educação e, foi passando o tempo, passando o tempo, e ele não respondia pergunta nenhuma. Sobre números, sobre financiamentos. Quando chegou minha vez de perguntar, a minha pergunta já não fazia sentido. Tava evidente que não havia um planejamento. Então, só pude perguntar: há algo além do que você mostrou? Eu realmente estava muito frustrada, e acho que estava frustrada não só por aquele momento, mas pelos últimos três meses com a educação. Para mim foi um acúmulo.

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MC. Acúmulo de quê?
TA.
 Pelo momento que estamos vivendo no MEC. Até agora já foram 15 pessoas afastadas. Isso representa um custo altíssimo para o governo. Tivemos um corte de 5.8 bi, que é muito grande e a educação foi a área mais afetada. O ENEM talvez não aconteça. O MEC não convocou nenhuma reunião para falar do Fundeb ainda. A gente tem a carta que o ministro mandou para as escolas lerem o slogan do Governo. Então, tudo isso vai somando. E chega uma hora que dá mesmo desespero. É isso mesmo? Educação é a pasta mais importante e é isso mesmo? Não é uma brincadeira!? Realmente a pasta não tem projeto? Realmente educação não é prioridade para ninguém!? Realmente a gente vai diminuir o orçamento dessa forma sendo que os municípios têm R$ 400 reais por aluno por mês!?

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MC. O vídeo viralizou. E a partir disso você foi bastante criticada. Alguma crítica foi especialmente difícil de receber?
TA. 
Não. Quando soube que o vídeo estava rodando a internet, a primeira coisa que pensei foi: vai vir bastante crítica. Trabalho com educação e ativismo há bastante tempo e já critiquei candidatos a prefeito, já levei isso para televisão, já participei de debates. Então, digamos que lido com haters, fake news e robôs há pelo menos 3 anos de forma muito intensa. E sei que sempre que uma coisa tem impacto, ela gera uma onda de volta. Então, eu já esperava receber críticas.

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MC. E quanto às críticas virem tanto da direita quanto da esquerda? Te surpreende?
TA. 
Estou tentando me acostumar. Acho que simplesmente as pessoas não conseguem me encaixar em uma das caixinhas que criaram. Claramente eu não sou a mesma coisa que a esquerda que estava no poder até agora representa. Mas ainda mais claramente não sou de direita. as pessoas ficam confusas.

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MC. O que você é então?
TA. Progressista. E me incomoda muito que isso não seja suficiente para me apresentar. Mas no futuro sei que ficará claro e dará conta. Olha, esquerda e direita têm mais de 200 anos e naquela época não se falava sobre feminismo, desenvolvimento sustentável e uma série de coisas que hoje são relevantes. Entende? Meu trabalho de nove anos na educação é bastante coerente, sei o que é importante para mim, sei dos meus valores. Sinto muito se estão com dificuldade de me rotular em caixinhas. Tenho uma trajetória muito diferente. Estudei em Harvard, mas nasci, cresci e morei na periferia. Conhecer mundos tão diferentes me ajuda a ser quem sou hoje.

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MC. Qual é a sua opinião a respeito do governo Bolsonaro até agora?
TA. 
Este é um governo que não foi eleito baseado em propostas, mas sim num discurso de ódio. E foi um governo eleito em cima do “sou contra isso”, “odeio isso”, “não sou isso”. Então, não acho que é muita surpresa o que está acontecendo agora. De fato o governo não tem propostas. A minha impressão é que ele ainda se alimenta de um discurso de ódio e de uma fumaça que é criada por eles mesmos. Na Educação é o Escola Sem Partido. Em relação às mulheres é a ideologia de gênero e a negação dos preconceitos e das violências. Nas Relações Exteriores é o Brasil saindo dessa posição de intermediação de conflitos e tentando copiar políticas americanas que economicamente não fazem nenhum sentido para gente. Um exemplo: os Estados Unidos financiaram o acordo de Paris, o Brasil receberia fundos do acordo de Paris. A gente não entrar no debate sobre a Palestina é muito bom para gente. Agora, entrar nessa posição de tomar lados, não faz sentido. Na minha visão, é um governo que se preocupa em entrar em embates ideológicos porque não tem propostas reais. Na educação, por exemplo, ocupam o pouco espaço que existe falando de Escola Sem Partido, mandando cartas para as crianças lerem o slogan do governo, falando que o golpe militar nunca aconteceu, e então não sobra espaço para falar de financiamento da educação, para falar de formação de professores, para falar de primeira infância – tudo que importa de verdade. A minha leitura mais crítica agora é: não foi só na campanha, o governo continua sem propostas. E eu não vou gastar meu mandato de quatro anos batendo em fumaça.

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MC. Você já pode conversar com o presidente?
TA. 
Não. É uma pergunta que escuto diariamente. Mas nunca estive na mesma sala que Bolsonaro.

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MC. Sobre a ministra Damares Alves: o trabalho dela consegue cumprir a agenda das mulheres brasileiras?
TA. 
[risos] Ela representa algumas mulheres. Mas não representa a causa feminista, não representa nem a feminina, eu ousaria dizer. Comparada a outros ministros, é uma pessoa que trabalha na própria área, que tem uma certa experiência, mas que é pouco afeita a evidências. Muito pouco afeita às realidades. Não acho que seja do mal, até pode ser bem intencionada, mas não é a pessoa mais adequada para a posição que ocupa. E, tentando sair um pouco da questão ideológica, só acho que para posição dela seria importante ter uma pessoa que congrega mais, que cria mais consenso, que tem experiência em gestão e vai olhar para as evidências. A postura delas e algumas declarações só mostram que ela é inadequada em vários sentidos para essa posição.

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MC. Esta é a legislatura com mais mulheres na história do Congresso. Toda mulher eleita representa avanços nas políticas para as mulheres?
TA. Quando a gente fala de inclusão, existem dois tipos de representatividade. Primeiro, é importante lutarmos pela representatividade de pessoas mesmo. Quero um parlamento com mais mulheres simplesmente porque há mais mulheres na população. Mas também temos que lutar pela representatividade das ideias. Quero um parlamento que fale mais da causa feminina e feminista. Agora, se realmente estou preocupada com inclusão, não posso escolher só as ideias que me agradam.

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MC. Aborto é uma questão de saúde pública no Brasil, a cada dois dias uma mulher morre por um procedimento inseguro. Qual é a solução para isso?
TA. 
Pessoalmente sou contra o aborto. Sou católica, criada em uma comunidade cristã, de ir à missa todo domingo. Mas também sou uma pessoa que preza muito pela evidência e pelas realidades. Então entendo que é uma questão que afeta especialmente as mulheres mais pobres e as negras. Então, acredito que não caiba nenhum retrocesso na legislação que temos hoje. E, apesar da minha posição pessoal sobre aborto, estou aberta para dialogar e conversar com quem seja. Só não acho que esse será um tema no Brasil nesta legislatura. O Congresso em geral pensa mais em retrocessos do que avanços, especialmente quando o tema é direitos das mulheres.

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MC. Falando em pautas que visem o bem estar das mulheres, qual mais importa para você agora e que pretende protocolar projeto?
TA. 
A que tem mais relação comigo, e a que tenho mais conhecimento, é a questão de mais mulheres na política. Para mim ela dialogo com muitas outras coisas. Tem um estudo que sempre comento e é muito inspirador para mim. Ele foi feito na Índia, em oito mil vilas, e mostrou que em vilas onde havia mais mulheres na política, as meninas dedicavam menos tempo em afazeres domésticos, estudavam por mais anos e tinham sonhos e perspectiva de vida mais próximas dos meninos. Então, para mim, ter mais mulheres na política não é apenas aprofundar a democracia, não é só diminuir a corrupção. É você usar todos os talentos do país para resolver os maiores problemas. Dito isso, a minha outra pauta urgente é que combate a violência contra a mulher. A gente é o quinto país que mais mata mulheres por serem mulheres. A gente tem uma legislação forte, que as pessoas reconhecem lá fora.

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MC. E essa lei, a Maria da Penha, é o bastante?
TA.
 Ela foi um grande avanço, mas tem problemas na prática. A gente sabe que muitas cidades estão longe de uma delegacia da mulher. E sei que as delegacias que existem não estão prontas para receber as mulheres. A sociedade ainda acha que feminicídio não existe, a gente não monitora a Lei Maria da Penha. É uma política pública que depende muito do Executivo.

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MC. Imagino que a violência contra a mulher seja uma pauta que une a Bancada Feminina, inclusive as deputadas da extrema-direita. Estou certa?
TA. 
Das pautas femininas, é sim a que gera mais consenso. Mas não duvide da capacidade das pessoas. Existem deputadas que pensam que feminicídio não existe.

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MC. Quem, por exemplo?
TA.
 Prefiro não dizer. Até porque, cada vez que cita um parlamentar, dou a ele direito de resposta. E estamos sozinhas aqui.

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MC. Quem são as mulheres que admira na política?
TA. 
Admiro muito a Ocasio [Alexandria Ocasio-Cortez], e isso é uma coisa que me perguntam bastante, inclusive. Acompanho o trabalho dela mesmo antes da campanha. Olhava para a campanha dela e falava: quero uma campanha assim. Muito colorida, feita com as pessoas, feita de uma forma muito sincera. O que admiro nela é o que admiro na Michelle Obama, na Malala [Yousafzai], que é a coragem.

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MC. E aqui no Congresso?
TA. Consigo pensar em três mulheres. Uma delas é a Joênia [Wapichana]. Sempre que você é a primeira de sua comunidade, isso é fenomenal. Tenho certeza que com ela começa todo um novo grupo de líderes que vão se inspirar nela. Tem a Áurea Carolina. O que mais admiro nela é que é da periferia, fala com as pessoas da periferia, e é uma pessoa muito do diálogo. Mesmo sendo do PSOL, mesmo sendo de esquerda, nunca vi ela maltratando ninguém.

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MC. Alguma vez o machismo já impediu algum movimento na política?
TA.
 Já fui barrada dezenas de vezes na entrada do Congresso, já até me acostumei. Entendo que a segurança não é obrigada a reconhecer meu rosto, mas eu trago uma identificação. E as pessoas demonstram uma surpresa muito grande quando descobrem que sou deputada. E elas simplesmente não querem entender ou aceitar. Já perguntaram, e foram dois homens diferentes, durante votações em plenário se eu sou solteira ou casada; e isso é para tirar o chão, eu estou ali, declarando um voto e eles me interpelam com esse tipo de pergunta tão íntima?! Já perguntaram se sou filha de político, se sou herdeira de empresário….

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MC. Houve alguma situação de assédio sexual?
TA.
 Não. Houveram situações, mas nada muito diferente do que já estou acostumada.

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MC. Tipo cantada?
TA. 
Cantada tem toda hora. Estou falando de abraços que me deixaram desconfortável. A pessoa tentando me tocar de uma forma que não é ok.

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MC. Que pessoa era essa?
TA.
 Pessoa daqui de dentro, deputado. Prefiro não dizer o nome, de verdade. Mas foi um deputado mais velho.

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MC. Como reagiu nesses casos?
TA. 
Respondi em alto e bom tom que não importava eu ser solteira ou casada e que era pra pessoa tirar a mão de mim. É impressionante: na mesma hora recuam..

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MC. Já aconteceu de insultos virem de mulheres?
TA.
 Já. Já ouvi de deputada que sou burra. Tenho segurança sobre a minha inteligência, mas muitas mulheres não crescem com essa autoestima que tive. Sabe? Se os meus esforços e a minha inteligência não tivessem sido valorizados pelos meus pais, talvez nesses três meses de parlamento eu acreditaria que de fato eu sou muito ignorante. Eu tenho que mostrar 10 vezes mais que tenho informação e valor do que um homem tem.

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MC. Qual é sua posição quanto à reforma da previdência apresentada pelo governo?
TA.
 Sou a favor de uma reforma da previdência, mas em nenhum momento disse que sou a favor da reforma que o governo apresentou. Ela não é uma boa reforma, especialmente sob o ponto de vista social. Não é boa para os trabalhadores rurais, para os professores – as mudanças propostas pela PEC nº 6/2019 aos professores estão entre as mais injustas da proposta de reforma à previdência – , para as mulheres. Tem a questão da idade para recebimento do salário mínimo no BPC (Benefício de Prestação Continuada), que subiria de 65 para 70. Assim que a proposta sair da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), com o PDT a gente vai apresentar uma contraproposta. A reforma da previdência atual aumenta a desigualdade. A média de aposentadoria aqui do Legislativo é de 27 mil. Eu tive que escrever uma carta dizendo que  não queria a aposentadoria dos deputados. Vou me aposentar pelo INSS, que é o que já contribuo.

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MC. O PSOL, por exemplo, é contra a reforma da previdência do governo e a favor de uma reforma tributária, que cobraria maiores impostos dos mais ricos. O que pensa disso?
TA.
 Também sou a favor de uma reforma tributária, mas penso que são coisas que caminham paralelamente. Tem que fazer as duas. O Brasil tem um dos sistemas de cobrança de impostos mais regressivo do mundo. Agora, fazer uma reforma tributária não muda o fato de termos uma previdência que ocupa 60% do orçamento da União, e em alguns anos será 80%.

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MC. O que traria esse contraproposta de reforma da previdência que será proposta pelo PDT?
TA. 
Aí vou pedir para você esperar um pouco. A gente está trabalhando com técnicos e propostas para construir a proposta. Para gente não faz sentido discutir informalmente seus pontos agora. Mas a gente falou: discordamos da questão do BPC, tem que ter uma transição mais suave, fazer os professores trabalharem 15 anos a mais do dia para noite a gente também discorda, a questão da aposentadoria rural, a gente acha que o sistema de capitalização tem que valer a partir de um teto máximo, que tem que ter sim complementação patronal…

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MC. Os 30% de vagas para as candidaturas femininas nos partidos que temos são suficiente para acabar com a desigualdade entre homens e mulheres na política?
TA. 
Não, definitivamente não é a melhor política pública. Mas é o que a gente tem, foi importante para chegarmos até aqui e a gente não pode aceitar nenhum tipo de retrocesso. Só troco esse modelo por cotas no parlamento. Na minha visão, ou a gente tem uma lista fechada, em que os partidos alternam homens e mulheres, ou seja, 50% e 50%, ou reservamos 30% das vagas para mulheres no parlamento, ao invés de 30% para as candidaturas.

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MC. Você fez astrofísica em Harvard. Uma garota católica que foi estudar astrofísica. Houve conflito? Você foi desafiada na sua fé?
TA.
 Fiz astrofísica e ciência política. Hoje, sou cientista política e astrofísica. Tem mais conflito para as pessoas do que para mim. A comunidade mais forte que tenho e na qual fui criada é a católica. Foi a igreja que me deu roupas, alimento, fez com que eu pudesse estudar na pré-escola. Então, sou muito grata pelo que fizeram por mim e pela minha família. É a minha comunidade e não vou abrir mão dela. Essa comunidade católica da periferia me define muito. Por mais que às vezes eu pense diferente de membros dessa comunidade. Quando eu fui para Harvard, tive oportunidades que ninguém ali tinha tido. Foi a primeira vez que fui exposta à causa LGBT, por exemplo. E até então eu tinha vários preconceitos, eu ouvia as piadas e dava risada… E foi a primeira vez que fui confrontada com a realidade sobre o aborto. Lembro da primeira vez que tive férias e voltei ao Brasil, eu já não ria mais das piadinhas. Mas tentava corrigir meus colegas. E com o tempo fui me tornando uma pessoa aliada à causa LGBT. Mas gosto de pensar que esse lugar entre esses dois extremos, a comunidade católica da periferia e Harvard, me representam mais do que qualquer um deles sozinho. Eu tenho esses dois mundos em mim.

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MC. Qual é a sua opinião a respeito de falar de gênero nas escolas?
TA.
 Sou muito a favor. As pessoas têm que entender que, quando a gente fala de gênero ou educação sexual, a gente não está mudando a orientação sexual de ninguém. A gente não está ensinando ninguém a ter uma vida sexual mais ativa. A gente está fazendo com que as pessoas saibam reconhecer assédio. Falar sobre gênero e educação sexual é prevenir violência.

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MC. Qual é a profissão da sua mãe hoje? Li que ela foi empregada doméstica. Ainda é?
TA. 
Sim. Minha mãe foi diarista por muitos anos. Ela também borda e por isso eu aprendi a bordar desde muito pequena. Quando estava todo mundo desempregado em casa, até meu pai e meu irmão bordavam. Desde que meu pai faleceu, 2012, ficou desempregada até 2016. Como tinha terminado o Ensino médio junto comigo, isso ajudou e conseguiu um emprego como recepcionista. Hoje ela é recepcionista em uma empresa no Itaim Bibi.

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MC. Logo no começo desta entrevista você disse que não quer falar nada do seu pai. Por quê?
TA. 
Para ser bem sincera, não queria que saísse na matéria como ele morreu. Essa é uma coisa bem difícil para gente. Mas ele morreu em decorrência das drogas. Mas eu não tenho nenhum problema em falar dele não.

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MC. Quantos anos ele tinha quando morreu?
TA. 
39. Meu pai teve uma criação difícil. A mãe dele era paraibana. Quando engravidou, meu avô abandonou ela. Ele é meu pai de criação, mas para mim isso não importa. Conheceu minha mãe quando ela estava grávida de mim de três meses. Até meus 16 anos, não tinha ideia que ele não era meu pai biológico. E me pareço muito com ele de jeito. Ele era bem doido, bem sonhador. Não fez nem ensino fundamental, mas me ensinou a gostar de ler, a gostar de estudar o universo… Era espírita, frequentava a igreja católica e também a umbanda. E eu acompanhava ele nisso. Já li todos os livros do Allan Kardec.

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MC. Ele sempre teve problemas com drogas?
TA. 
Sim. Quando eu tinha 16, descobri que não era só álcool, que ele já estava usando crack. Ele sempre era internado, saía, voltava. Ele morreu quando eu tinha 18. Foi assim que fui aceita em Harvard. Meu pai dizia que ele só tinha vindo à Terra pra me ajudar, porque eu era uma alma muito boa. De acordo com ele, a missão dele tinha acabado quando eu passei em Harvard. Parece novela mexicana, mas é a minha história.

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MC. Nunca conheceu seu pai biológico?
TA. 
Conheci. Já tinha 18 anos quando aconteceu. Mas não sou próxima dele.

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MC. Como conseguiu a bolsa para estudar em Harvard?
TA. 
Ao contrário do que dizem todos os haters, minha bolsa de estudos é totalmente de Harvard. Não teve ajuda de fundação brasileira, nem de governo. Foi assim: ganhei uma bolsa por causa das Olimpíadas de matemática no Etapa, eu fui para lá fazer o oitavo ano. Quando eu cheguei lá, minha vida mudou. Porque eu não pensava no que ia fazer na faculdade. Eu só bordava e minha vida era isso. E começaram a perguntar o que eu ia fazer na faculdade. Como eu tinha acabado de fazer a olimpíada brasileira de astronomia e eu adorei a prova, passei a responder que eu ia ser astrofísica. E comecei a acreditar naquilo. Consegui uma bolsa de inglês e foi quando eu apliquei para dez faculdades americanas mesmo sem eu ter o dinheiro para a inscrição. O Etapa pagava. E teve também ajuda do governo americano. Eu achava impossível ser aceita nas universidades. Fui aceita em 6 das 10. Harvard foi a primeira a me aceitar. Eu não acreditava.

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MC. Qual foi a reação do seu pai quando soube?
TA. 
Ele chorou muito e disse que eu tinha que escutar mais ele. Porque ele nunca duvidou de mim. Mas foi ele morrer para eu pensar que aquilo não era para mim. A vida me dizia: se põe no seu lugar. Eu tinha até meio dia de 1º de maio para responder. Uma hora antes do prazo final, respondi Harvard dizendo que eu aceitava.

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MC. E o Mapa Educação foi criado em Harvard? Conta essa história.
TA. 
Quando eu estava no segundo ano da faculdade, fundamos o Mapa Educação. Eu e Renan [Ferreirinha], meu melhor amigo, ele é deputado estadual do Rio de Janeiro hoje. Ele entrou em Harvard no segundo ano e foi meu primeiro amigo que entendia mais de onde eu vinha. A galera de Harvard é bem diferente de mim.

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MC. E quando voltou ao Brasil, já sabia que queria tentar a carreira política?
TA. 
Não, mas eu tinha certeza que queria trabalhar no setor público. Queria, sei lá, ser secretária de educação, ministra da educação um dia, queria estar na política, mas não pensava em me candidatar.

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MC. Nunca pensou em ficar nos Estados Unidos?
TA.
 Não. Eu tive boas propostas, mas eu queria mesmo trabalhar com educação aqui.

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MC. Você foi uma das bolsistas do RenovaBR. Por que aceitou participar do programa?
TA. 
Eu precisava muito da bolsa. Do dinheiro. Muito, muito. Eram seis parcelas de 12 mil. Se eu espalhasse isso por um ano e meio, eu ia conseguir fazer tudo que eu precisava. E então eu disse para ele que eu não ia me candidatar, mas que liderava um movimento de renovação política [o Acredito] e o meu objetivo é que tenha mulheres candidatas. E eu preciso de bolsas para eu conseguir trabalhar. Eles toparam. Minha vida saiu do perrengue, antes eu não tinha moeda para pegar ônibus. Ao longo do curso, começaram as provocações do por que eu não me candidatava. Em julho eu decidi pela minha candidatura. Se minha vontade era ter mais mulheres na política, por que eu não poderia ser uma delas?

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MC. Por que o PDT?
TA.
 Trabalhei em Sobral, no Ceará, em 2014, e fiquei encantada com as escolas que visitei. Percebi que lá a educação pública era de muita qualidade. Aí conheci o PDT e o núcleo duro de educação do Ceará, a Izolda Cela [vice-governadora do estado], por exemplo. Eu só queria estar em um partido que fosse me colocar na comissão de educação e topasse as bandeiras que tenho para defender. O PDT foi esse partido.

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MC. Qual é o seu maior arrependimento?
TA. Ter trabalhado tanto durante a faculdade. Meus pais estavam com o nome do SPC e eu tinha medo de nunca conseguir pagar isso.

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MC. Como se vê em 20 anos?
TA. 
Como uma ativista pela educação, reconhecida não só no Brasil, mas fora também. E reconhecida por ter criado medidas que mudaram a educação no país.

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MC. Quando se percebeu feminista?
TA. 
Fui para Harvard achando que essa era uma palavra ruim, e voltei feminista. É tão grande, mas tão grande a desigualdade de gênero, que não basta não ser machista, você tem que lutar contra isso.

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MC. Sobre o convite de Carlos Lupi para concorrer à prefeitura de São Paulo: como recebeu? Existe essa vontade de concorrer à prefeitura?
TA.
 Me parece muito cedo para qualquer conversa em relação a uma potencial candidatura minha à Prefeitura de São Paulo e reitero meu compromisso de exercer os quatro anos do mandato, honrando os votos que recebi na última eleição.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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