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Simone Tebet: “Quando se trata de empoderamento da mulher, o Congresso trava”

Saiu na REVISTA CLAUDIA

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O pai vive na ponta da língua de Simone Tebet. O político Ramez Tebet é citado pela senadora do começo ao fim desta entrevista. É evocando a trajetória do patriarca, morto em 2006 aos 70 anos, que Simone, aos 51, explica a dela: “Fizemos tudo muito parecido até aqui. Estudamos o mesmo curso na mesma universidade, fomos prefeitos de Três Lagoas, deputados estaduais, vice-governadores de Mato Grosso do Sul e, por fim, senadores”. É olhando para os valores que herdou dele que ela justifica o apreço aos seus. “Tento sempre honrar a memória do meu pai, ele é meu norte de integridade, decência e independência na vida pública”, responde quando indagada sobre o ato de resistência que foi seguir como candidata independente à presidência do Senado Federal. Dois dias antes da votação para a Mesa Diretora, Simone, primeira mulher a pleitear o cargo em 56 legislaturas, foi abandonada pelo próprio partido, o MDB – aliás, o mesmo de toda a carreira do pai –, que abriu mão da disputa e do apoio à candidatura da senadora em troca de dois ou três cargos menores no comando da casa. “Me avisaram que eu estava ‘liberada de qualquer compromisso’”, lembra ela do dia do qual foi informada por telefone da desistência da legenda, que em 2018 já havia barrado uma primeira tentativa de Simone à presidência do Senado.

Sul-mato-grossense de Três Lagoas, terceira cidade mais populosa do estado, a senadora é a mais velha de quatro filhos. É também a única deles que enveredou para a política. Sente-se privilegiada, “politicamente falando e socialmente falando”, por ter tido o caminho pavimentado pelo pai e o apoio incondicional da mãe, Fairte Nassar Tebet, uma dona de casa poliglota e formada em letras que nunca foi para o mercado de trabalho.

Para a política Simone também levou o marido, o deputado estadual Eduardo Rocha (MDB/MS), com quem está desde a juventude e tem duas filhas, Maria Eduarda e Maria Fernanda, de 20 e 23 anos. Sobre Eduardo, diz a senadora, “é o mais conservador de casa. Mas extremamente altruísta. Se preciso, largaria tudo pra me apoiar na carreira”. Sobre as filhas, é reticente e prefere não comentar: “É o mínimo que devo fazer: mantê-las preservadas”.

Simone está acostumada com os entraves, por vezes machistas, da política. São “surpresa nenhuma para uma mulher que entendeu que só é possível se manter na jornada derrubando portas”, diz ela, que acumula 20 anos de cargos eletivos consecutivos. Começou aos 31, como deputada estadual. Tinha “33 para 34” quando, no meio do mandato, se candidatou à prefeitura da cidade onde nasceu e cresceu. Vinha de uma caminhada de 12 anos dando aulas para alunos da faculdade de direito quando foi eleita a primeira prefeita mulher. À época, ostentava uma carreira acadêmica reconhecida, com pós-graduação e mestrado em sua área. Mesmo com o currículo inquestionável, sofreu com uma onda de julgamentos. Mas nenhum doeu tanto quanto ser colocada à sombra do pai. Perdeu a conta das vezes em que ouviu: “A filhinha do papai quer uma prefeitura”. No segundo ano do mandato de Simone como prefeita, Ramez morreu por causa de um câncer no esôfago. “Foi a maior tristeza da minha vida, mas também a grande chance de dizer a todos: ‘Dou conta do recado sozinha’.” Em 2009, ela se reelegeu em chapa inédita, com uma mulher como vice. “Márcia Moura continuou e teve um segundo mandato. Foram 16 anos de uma gestão feminina em Três Lagoas. Tornei-me, então, a primeira vice-governadora de Mato Grosso do Sul. E, depois de mim, outra vice conseguiu se eleger.”

No Brasil, 81 representantes eleitos compõem o Senado Federal. São sempre três para cada estado e os mandatos duram oito anos. Na atual legislatura, o desenho da casa é formado por 69 homens e 12 mulheres. Mesmo sendo minoria, a bancada feminina ficou dividida entre Simone e seu concorrente, o atual presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG). “Sem dúvida, isso enfraquece a nossa pauta”, desaprova Simone. “Esquecem de que uma mulher presidente do Senado poderia tocar projetos de cunho feminino que estão na gaveta, parados nas comissões”, continua ela, que tem entre suas propostas mais estimadas a maior representatividade das mulheres na política. Simone está longe de sonhar com a paridade de gênero do Legislativo boliviano, por exemplo, mas insiste em lutar pelos 16% que (ainda) acredita conseguir aprovar. “As nossas lutas são morosas. Temos que ir contra as vozes masculinas que têm medo de perder poder”, avalia ela, considerada em Brasília uma parlamentar discreta, de postura majoritariamente conciliatória.

Nesta entrevista, realizada por videochamada na segunda quinzena de fevereiro da sua casa em Campo Grande, a senadora não poupa críticas a Brasília – vai do Legislativo ao Executivo, passando pelo próprio partido. Conta sobre as vezes em que se calou em nome do jogo político e se arrependeu. Diz ainda ter amadurecido com o tempo e ter criado forças para se posicionar e nadar contra a corrente, mesmo que isso a leve a deixar o MDB.

MARIE CLAIRE A senhora e seu pai têm trajetórias semelhantes. Mas ele chegou à presidência do Senado, enquanto a senhora tentou por duas vezes e não conseguiu. O fato de ser mulher pode ter dificultado a sua vitória?
SIMONE TEBET 
Não tenho dúvida nenhuma. Sou de uma geração em que as mulheres tiveram que derrubar portas, fosse na iniciativa privada, fosse na vida pública. E esse abrir as portas é algo que me inspira. Não me preocupo com as derrotas, elas só me fortalecem. Mas veja, na primeira eleição [em 2018], fui barrada dentro do partido, perdi nas prévias. Na segunda, atraí votos que o MDB não tinha e aceitaram minha candidatura. Aliás, me convocaram. Mas o fisiologismo imperou. E aí não foi pelo fato de ser mulher, isso é importante dizer. Minha disputa foi sem paridade de armas por outras razões.

MC Quais?
ST 
Houve ingerência indevida do Executivo dentro do Congresso. Gravíssimo, porque ameaça a democracia. Estou falando da distribuição de cargos públicos, ministérios prometidos, emendas extraorçamentárias de R$ 3 bilhões! Numa conta rápida, conseguiríamos manter 10 milhões de famílias com auxílio emergencial de R$ 300 por um mês. É por isso que não houve paridade das armas. No meu partido, tive quatro votos numa bancada de 15. Quando o partido disse que era melhor compor, respondi que seria candidata independente. E fui para a disputa sabendo que iria perder. Naquele momento, o partido me ofereceu: “Não quer ser a primeira vice-presidente ou presidente de comissão?”. Oportunidades de forma republicana. Uma coisa que pesou foi: como, em 194 anos de história do Senado Federal, nunca houve uma mulher indicada à presidência? Fui candidata independente porque precisava abrir mais um caminho.

MC Desse episódio, há alguma mágoa da sua parte com o MDB?
ST
 Essa é uma palavra que pode caber no meu vocabulário, mas nunca no meu coração. Eu não tenho mágoa na vida, senão carregaria uma malinha de episódios que pudessem me trazer esse sentimento. Porque a mulher, desde a sua tenra idade, vai sofrendo situações que anulam de alguma forma ou modificam sua personalidade. O que tenho hoje é um sentimento de tristeza por saber que os senadores cederam em função de espaços e situações que a gente sempre combateu.

MC Quais são os desafios de uma senadora independente no Congresso atual?
ST
 Ser independente significa votar de acordo com as minhas convicções. Acho que aí começam os desafios. Na pauta econômica, me aproximo mais ao governo porque sou mais liberal. Não esse liberalismo extremo que quer privatizar bancos públicos, Petrobras, enfim. Mas entendo que o livre mercado, a livre concorrência, são os únicos valores que cabem em um país da dimensão do Brasil. Eu não sou a favor de um Estado mínimo, nem de um Estado máximo, como a esquerda entende. Sou a favor de certas privatizações, de duplicação de estradas, obras públicas, estatais que estão deficitárias; mas sou contra a privatização de um Correio, de uma Caixa Econômica, de um Banco do Brasil, de um BNDES, que são estratégicos para o país. Também acho que reformas são importantes. Como a tributária e a administrativa, mas não pode ser violando direitos adquiridos. Então, eu sou liberal na pauta econômica, mas tenho dificuldade de acompanhar a pauta de costumes do Governo Federal. Aí vem mais uma certa inadequação, entende?

MC Quais projetos na pauta de costumes do governo a senhora não apoia?
ST
 A questão do porte e posse de armas. A excludente de ilicitude, que, entre aspas, seria uma licença para matar. Isso precisa ser bem analisado. É preciso sim garantir o livre exercício da polícia, ela precisa ter tranquilidade de que não vai ser processada por qualquer razão, mas precisa ainda ser responsável pelos excessos que comete. Também não apoio os projetos que querem tirar os avanços que fizemos em relação ao combate à corrupção. E mesmo a questão das minorias, que não acho que é bem tratada pelo governo. É só abrir os jornais que a gente vê o discurso misógino. Ou a falta de preocupação com o racismo estrutural. Não dá pra apoiar cegamente nada disso.

MC Imagino então que os quatro decretos presidenciais para flexibilizar ainda mais o porte e posse de armas não tenham te agradado. O que pretende fazer a respeito deles?
ST
 Vou acompanhar os PDLs [Projeto de Decreto Legislativo] do Senado para sustar os efeitos dos decretos. Quem tem direito de fazer leis, criar e extinguir direitos, é única e exclusivamente o Legislativo. Projetos têm que passar pelo Legislativo, e isso não foi feito. Aconteceu uma invasão de competências.

MC A senhora é a primeira mulher a ser candidata à presidência do Senado, mas não houve unanimidade da bancada feminina em relação à sua candidatura. Por que não?
ST
 Teríamos que perguntar a elas, individualmente. Entre apoiar uma candidatura feminina e acompanhar a decisão da bancada, preferiram acompanhar a bancada. Se isso passou por terem mais espaço de poder, não sei dizer. Confesso que fiquei surpresa. E sem dúvida nenhuma isso enfraquece a nossa pauta. Esquecem de que uma mulher presidente do Senado poderia tocar projetos de cunho feminino que estão na gaveta, parados nas comissões. Eu fui a primeira mulher presidente da comissão mais importante do Congresso Nacional [a Comissão de Constituição e Justiça]. Tudo passa por lá. Nós – a bancada feminina – aproveitamos para avançar projetos. Nesses últimos anos, aprovamos a Lei do Feminicídio, aperfeiçoamos a Lei Maria da Penha, criamos tipos penais como a importunação sexual, criamos a figura do estupro coletivo… Agora, quando se trata de empoderamento da mulher, o Congresso trava.

MC Por exemplo, senadora?
ST
 Representação da mulher na política. Tentamos votar uma PEC para garantir, em oito anos, 16% de cota para mulheres nos Legislativos. Está parada na Câmara.

MC Por que não propor 50%? A Bolívia conseguiu.
ST
 Mas não conseguimos nem 16%. Se a gente propor 30%, não vai nem pra comissão para ser deliberado. A mulher até nisso tem que ceder.

MC A cada dois dias, uma mulher morre por causa de um aborto inseguro no Brasil. A lei atual permite o procedimento em caso de estupro, risco de vida à mãe ou feto anencéfalo. A lei que temos é suficiente? A senhora é a favor da descriminalizaçào do aborto?
ST 
A lei claramente não é suficiente. Mas não sei se a sociedade brasileira está preparada para avanços. Nessa questão [a da descriminalização], sou um pouco menos feminista do que as minhas filhas gostariam que eu fosse. Acho que precisa ser discutida no Congresso Nacional, precisamos de muita audiência pública para dizer se vamos avançar ou como vamos. Não me recuso a discutir, não acho que ninguém vai pro inferno porque abortou, mas tenho pra mim que o meu direito termina quando começa o do outro.

MC O que se sabe da experiência de países que já legalizaram – Uruguai, por exemplo – é que, ao descriminalizar, constrói-se toda uma estrutura que passa pelo atendimento médico do corpo e do emocional das mulheres. Uma mulher que aborta na rede de saúde sai do procedimento informada, com acesso a contraceptivos, e leva essa informação para outras. A legalização do aborto diminui a morte materna e causa menos abortos, enquanto proibir o aborto só gera mais aborto.
ST 
Veja: esse é um assunto que se debate pouco, inclusive na bancada feminina. Porque divide a bancada. Não vai ser neste governo que vamos debater o aborto. É um governo que fecha as portas. E repito: não vejo a sociedade brasileira aberta à discussão. Estamos parados no sinal vermelho e não conseguiremos avançar.

MC A senhora segue alguma religião?
ST 
Eu e meu marido somos católicos. Uma filha é espírita e a outra, evangélica. Aqui em casa cada um pode percorrer seus próprios caminhos.

MC Considera-se feminista?
ST
 Não gosto muito de nomenclaturas. Mas a mulher, ao educar uma filha para o mundo, de forma mais aberta e sem qualquer tipo de discriminação, não deixa de ser feminista. A mulher que de alguma forma defende seus direitos não deixa de ser feminista – por mais que ela não goste dessa terminologia. No mais, a palavra feminista é necessária hoje. Justamente porque representa uma bandeira de uma luta histórica que estamos longe de vencer.

Veja a Matéria Completa Aqui!

 

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