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Projeto de Lei propõe divórcio imediato e assistência jurídica à mulher em casos de violência

Saiu no site EMAIS

 

Veja publicação original:   Projeto de Lei propõe divórcio imediato e assistência jurídica à mulher em casos de violência

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Apesar de o PL facilitar a separação em prol das vítimas, promotora destaca que esse avanço não basta: é importante ressocializar o agressor e aumentar o poder intimidatório das penas

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Imagem ilustrativa.

Imagem ilustrativa. Foto: Pixabay

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Brigas por falta de dinheiro e troca de ofensas eram comuns entre Ana** e Helton** no fechamento das contas. Casados por seis anos e pais de dois meninos, as crises do relacionamento aumentavam até que ele se desequilibrou e deu um soco na boca da esposa. “Demorou para eu perceber o caos que era nossa relação. A todo momento tentávamos nos mostrar uma família feliz, mas problemas financeiros sempre impediam”, recorda.

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A violência doméstica foi o estopim para a mulher, de 32 anos, buscar a separação. Machucada e com ‘nojo’ de dormir na mesma cama que o homem, ela entrou com uma ação de divórcio dois dias depois do conflito. Ana então avisou o parceiro sobre sua escolha e foi vítima de outra agressão: Helton ficou olhando fixamente para ela em silêncio por alguns minutos, enquanto as duas crianças assistiam à cena sem entender o que ocorria ali. Ofegante, com rosto vermelho e olhos arregalados, ele pulou sobre ela no sofá e a beijou a força, segurando seus braços.

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A humilhação fez Ana mudar de casa com os filhos, de seis e oito anos, para se distanciar do marido. Mas isso não foi suficiente: ela passou oito meses na Justiça para se separar do agressor e fazer a partilha de bens. “Não aguentava olhar para a cara dele nas audiências. Ficar ligada a uma pessoa que atrasou sua vida é um tormento”, desabafa.

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A burocracia enfrentada por Ana, no entanto, pode estar prestes a virar passado no Brasil. O Projeto de Lei (PL) nº 510/19, criado pelo deputado federal Luiz Lima (PSL/RJ), promete agilizar as demoradas etapas do divórcio, anulação do casamento e dissolução da união estável em casos de violência doméstica.

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Aguardando a sanção do presidente Jair Bolsonaro desde o começo de outubro, a proposta prevê o fim da burocracia na separação e altera o Código Civil, com o objetivo de priorizar o trâmite desse tipo de processo na Justiça. Se aprovada, o juiz terá 48 horas para encaminhar a mulher aos órgão de assistência judiciária (defensorias públicas) para que solicite a separação.

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Vale ressaltar que o PL permite também que a ação prossiga sem a partilha de bens, que poderá ser realizada posteriormente. Além disso, assegura a assistência jurídica à vítima, cabendo à delegacia que a atendeu informá-la sobre o serviço.

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Se a agressão ocorrer após a mulher solicitar o divórcio, a ação terá preferência no juízo em que estiver.

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Para a advogada Elisa Dias Ferreira, que atua em casos de separação, a iniciativa é um grande avanço, porque a Lei Maria da Penha não toca na morosidade judicial. “Apesar de a mulher estar legalmente protegida da violência em si, temos uma burocracia muito complicada para a dissolução do relacionamento. O PL vai facilitar a vida da vítima, pois impede que ela, além da agressão, tenha de se preocupar com o divórcio”, analisa.

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Como é o divórcio hoje

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Atualmente, um casal espera de três meses a mais de um ano para se divorciar, a depender da partilha de bens. Se os dois concordarem com a separação e não tiverem filhos menores ou incapazes, basta levar uma escritura pública ao cartório, informando a divisão patrimonial, pensão alimentícia – se for o caso – e se voltarão a usar o nome de solteiro. É necessária a presença de um advogado, mas não é preciso ajuizar a ação.

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Se houver filhos dependentes, no entanto, o divórcio é mais complicado. Deve ocorrer por ação judicial e pode ser consensual ou litigioso (quando uma das partes não aceita a separação ou discorda das decisões envolvidas nela). Nesses casos, o processo consta a divisão patrimonial, pensão e, se for o caso,  decide como fica a guarda dos filhos.

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É preciso intimidar o agressor

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Vale destacar que o divórcio não determina o fim da violência. Pelo contrário, há mulheres que passam a sofrer mais abusos com o término da relação ou após denunciar o agressor. É o caso de Alice**, de 22 anos e estudante de Letras da USP.

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Ela morava com seu companheiro no Conjunto Residencial da Universidade (Crusp) e, após avisá-lo que faria intercâmbio acadêmico por seis meses, ela começou a sofrer agressões físicas e psicológicas do homem. “Ele não gostou de ver o meu sucesso e se sentiu inferiorizado por eu estar com um status melhor que o dele”, alega.

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Imagem ilustrativa.

Imagem ilustrativa. Foto: Pixabay

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Os dois se separaram há mais de um ano, mas até hoje ela evita abrir um boletim de ocorrência contra o ex com medo de retaliações. “O Crusp é um lugar sem lei. Sinto que no momento em que eu fizer uma denúncia formal, ele vem atrás de mim. Me sinto observada lá, como se ele sempre me vigiasse”, desabafa.

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Para a promotora Gabriela Manssur, do Gevid (Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher) do Ministério Público de São Paulo, parte disso se deve ao fato de que, muitas vezes, as sentenças não criam um poder intimidatório sobre o agressor. Segundo ela, as multas em dinheiro deveriam ser cumulativas de acordo com o tempo de prisão, para que o homem sentisse no bolso os impactos do crime que cometeu.

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Além disso, ela avalia que é necessário aumentar a quantidade de penas e promover mecanismos que impeçam a liberdade provisória e a progressão de regime dos que já possuem histórico de violência contra a mulher, principalmente em casos de feminicídio e estupro de vulnerável.

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Além do apoio jurídico

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O que a Justiça não vê, as mulheres sentem’. Dona desta frase, Gabriela Manssur afirma que o poder público deveria destinar recursos exclusivos para políticas em prol das mulheres, pois existem projetos sociais com trabalhos que a lei criminal não alcança. “Há iniciativas que ajudam no fortalecimento da autoestima, cuidado com a saúde, educação, trabalho, direito ao esporte e aos cargos de liderança”, conta.

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“A primeira coisa essencial para a mulher que sofre violência é o apoio e o acolhimento, porque ela está com a autoestima baixa, se vê no fundo do poço, sem força para reagir. Se alguém segurar na mão dela e puxá-la, ela consegue sair dessa situação”, defende. Cláudia**, de 44 anos, é um exemplo de que esse tipo de atitude realmente faz efeito. Ela conta que sofria agressão psicológica do ex-marido e demorou para perceber que aquilo era um tipo de abuso.

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“Meu pai sempre foi muito machista e grosseiro com a minha mãe e com a gente [filhos], então eu achava normal”, explica. “Comecei a perceber que eu estava errada depois que passei a comparar o comportamento dele com o de pessoas mais cultas e quando minha filha [de 22 anos] falou comigo sobre relacionamentos abusivos”, completa.

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A falta de consciência de Cláudia no passado a faz pensar que se a lei do divórcio imediato existisse na época do seu casamento, não serviria para nada. “Ajudaria se eu tivesse a cabeça de hoje. Mas eu não tinha essa noção e eu vinha de uma família que dificilmente aceitaria o divórcio”, recorda. Sua mãe, por exemplo, dizia que a agressividade era comum no comportamento masculino devido à criação machista que teve.

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Apesar de já estar divorciada, o homem ainda vive na mesma casa que ela por não ter para onde ir. O contato entre os dois é mínimo e a história de Cláudia pode ajudar outras mulheres a perceberem que estão em um relacionamento violento. “A minha geração foi criada achando que tudo isso é normal. Somos filhas de pais abusivos”, critica.

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Projeto oferece independência financeira para vítimas

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De acordo com dados apresentados no site Justiça de Saia, idealizado por Gabriela Manssur, 30% das mulheres que sofrem agressão não denunciam, não buscam ajuda e estão em situação de risco nos lares brasileiros. “[Isso ocorre] porque muitas dependem economicamente dos maridos ou companheiros e não têm perspectivas e oportunidades de trabalho, tampouco de resgatar a autoestima e a coragem para saírem de uma vida marcada pela violência doméstica”, afirma a promotora.

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Pensando nisso, ela criou o Programa Tem Saída, voltado para a inserção de mulheres vítimas de agressão e em vulnerabilidade econômica no mercado de trabalho. Para participar, é necessário ter denunciado o violentador. Veja abaixo como funciona:

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Fluxograma de funcionamento do projeto Tem Saída.

Fluxograma de funcionamento do projeto Tem Saída. Foto: Programa Tem Saída

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Fluxograma do programa Tem Saída

Fluxograma do programa Tem Saída Foto: Programa Tem Saída

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As empresas parceiras do programa Tem Saída são: São Paulo Futebol Clube, Instituto Albert Einstein, Grupo GRSA, Magazine Luiza, Sodexo, Atento e Riachuelo.

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Ressocializar o agressor também é uma saída

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Atuando há 16 anos com o direito das mulheres na promotoria de São Paulo, Gabriela Manssur atestou que não basta apoiar a vítima: é importante também ressocializar o agressor para combater aos crimes. “Comecei a ver que conforme aumentavam as denúncias, eu não conseguia diminuir a violência, mesmo com os projetos de empoderamento feminino que criei”, conta.

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A promotora então percebeu que grupos reflexivos de homens são uma forma eficiente de estimular a mudança cultural de agressão. Em São Paulo, por exemplo, o psicólogo e sociólogo Flávio Urra coordena o programa de discussões entre pessoas do sexo masculino “E Agora José? Pelo fim da violência contra a mulher”. Nas atividades, os integrantes compartilham experiências, frustrações e formas de se tornarem pessoas melhores.

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Inspirada em modelos parecidos, Gabriela idealizou o Tempo de Despertar, um projeto paulista de ressocialização dos agressores para reduzir a reincidência da prática deste tipo de crime. A iniciativa está prevista na Lei Estadual nº 16.659 / 2018 e tem como alvo homens que respondem a inquérito policial, prisão em flagrante, medidas protetivas ou processos em andamento por violência contra a mulher. Eles são encaminhados por intimação do poder judiciário ou do Ministério Público, de forma obrigatória ou por recomendação.

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No primeiro caso, os resultados são maiores: cerca de 70% dos homens concluem o curso. Mas quando é mera sugestão, a taxa cai: só 30% vão até o fim. Além disso, dados do Gevid mostram que a reincidência caiu de 65% para 2%, entre 2014 e 2016, nos trabalhos realizados em Taboão da Serra, na grande São Paulo.

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“Recebemos homens que conseguem sair do alcoolismo graças ao Tempo de Despertar e que passaram a se expressar melhor os sentimentos para os filhos devido aos encontros”, afirma. “Esses homens se tornam multiplicadores do projeto. Abraçam a causa, falam dos direitos das mulheres em suas comunidades, ambientes profissionais, grupos do WhatsApp. E o importante é que as maiores beneficiadas são as mulheres. Elas vem nos agradecer”, completa.

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* Estagiário sob supervisão de Charlise Morais

** Nomes fictícios para preservar as vítimas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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