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Por que poucas mulheres venceram o prêmio Nobel

Saiu no site R7

 

Veja publicação original: Por que poucas mulheres venceram o prêmio Nobel

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Mais mulheres estão garantindo um doutorado em ciência — então por que Donna Strickland foi a terceira mulher na Física a receber um Prêmio Nobel?

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Donna Strickland foi uma das ganhadoras do Prêmio Nobel de Física de 2018, anunciado em outubro. Trata-se um grande feito para qualquer cientista, mas o que mais chamou a atenção foi o fato de ela ser apenas a terceira mulher a receber o prêmio na história, depois de Marie Curie, em 1903, e Maria Goeppert-Mayer, em 1963.

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A percepção dessa raridade gerou um debate sobre a exclusão de mulheres na educação e em carreiras científicas. Pesquisadoras viram muitos avanços no último século, mas há inúmeras evidências de que elas continuam sub-representadas no chamado Stem, um acrônimo em inglês que agrega os campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

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Estudos têm mostrado que as cientistas que persistem na carreira enfrentam barreiras explícitas e implícitas no caminho. O preconceito é mais intenso em áreas predominantemente masculinas, onde as mulheres são mal representadas e geralmente vistas como ícones ou outsiders. Ou seja, quando as mulheres atingem os níveis mais altos em esporte, política, medicina e ciência, elas servem como modelos para todas nós, especialmente para meninas e outras mulheres.

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Mas a situação está melhorando em relação à igualdade de representação? E o que ainda impede que mais mulheres frequentem as salas de aula, laboratórios, tenham papéis de liderança e sejam vencedoras de prêmios como esse?

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Estereótipos enganosos

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Estereótipos tradicionais sustentam que as mulheres “não gostam de matemática” e “não são boas em ciência”. Tanto homens quanto mulheres reforçam essas afirmações, que, no entanto, têm sido contestadas por pesquisas empíricas.

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Elas mostram que meninas e mulheres evitam a educação Stem não por incapacidade, mas pela pouca exposição e experiência com o Stem, assim como pela falta de modelos, políticas públicas educacionais e contexto cultural desfavorável.

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Marie Curie foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel de Física, em 1903; ela compartilhou o prêmio com o marido PierreMarie Curie foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel de Física, em 1903; ela compartilhou o prêmio com o marido Pierre
Hulton Deutsch

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Nas últimas décadas, houve esforços para melhorar a representação de mulheres na ciência. Eles focaram no combate a estereótipos com reformas educacionais e programas que aumentem o número de meninas entrando e permanecendo no que é chamado de Stem Pipeline – o percurso desde a escola básica à pós-graduação na área científica.

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As ações têm funcionado. Mulheres estão cada vez mais propensas a expressar interesse por carreiras Stem e por buscar formações universitárias nos setores. Hoje, mulheres representam metade ou mais dos profissionais das áreas de psicologia e ciências sociais; e estão cada vez mais representadas na força de trabalho científica – com exceção das ciências computacionais e matemáticas.

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De acordo com o Instituto Americano de Física, mulheres ganharam cerca de 20% dos diplomas de graduação e 18% dos doutorados em Física em 2017, contra 10% e 5%, respectivamente, em 1975.

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Mais mulheres estão se graduando em doutorados Stem e assumindo posições acadêmicas. Mas elas se deparam com abismos e tetos de vidro à medida que avançam em suas carreiras acadêmicas.

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‘Teto Stem’

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Mulheres enfrentam várias barreiras estruturais e institucionais em carreiras acadêmicas nas áreas Stem. Além de questões relacionadas às disparidades salariais entre os gêneros, a estrutura da ciência acadêmica dificulta o avanço de mulheres.

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Isso porque a ciência experimental requer anos de dedicação em um laboratório, e as imposições da carreira podem tornar difícil, senão impossível, o equilíbrio entre o trabalho e os cuidados familiares que geralmente recaem sobre elas.

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Além disso, trabalhar em um ambiente dominado por homens pode gerar uma sensação de isolamento para as mulheres – que se percebem como exceções e mais suscetíveis a assédios. As mulheres são frequentemente excluídas da cultura de trabalho e das oportunidades de networking e eventos sociais.

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Quando a representação das mulheres não chega a 15%, elas são menos empoderadas para advogar por suas causas e mais propensas a se perceberem como um grupo minoritário e como uma exceção. Quando estão na posição minoritária, as mulheres são mais propensas a assumir mais tarefas extras como “símbolos” do compromisso.

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Sessenta anos depois de Marie Curie, Maria Goeppert-Mayer se tornou a segunda mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Física, compartilhado com Hans D. Jenson e Eugene WignerSessenta anos depois de Marie Curie, Maria Goeppert-Mayer se tornou a segunda mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Física, compartilhado com Hans D. Jenson e Eugene Wigner
Bettmann

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Como há poucas colegas, as mulheres têm mais dificuldade de estabelecer relações com colaboradoras ou redes de apoio e aconselhamento. O isolamento pode se intensificar quando elas não conseguem participar de eventos de trabalho ou de conferências por causa de responsabilidades familiares.

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Universidades, associações profissionais e financiadores federais vêm trabalhando para dar uma solução a várias dessas barreiras estruturais. Esforços incluem criar políticas atentas às questões familiares, aumentar a transparência salarial, reforçar proteções legais à igualdade de gênero, garantir programas de mentoria e apoio a mulheres cientistas, proteger o período de pesquisa para as mulheres cientistas e selecionar mulheres em contratações e ações de fomento à pesquisa.

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Esses programas têm tido resultados variados. Por exemplo, pesquisas indicam que políticas de apoio à família, como licença ou local para crianças no espaço de trabalho, podem intensificar a desigualdade de gênero, resultando em aumento da produtividade de homens e mais obrigações para mulheres.

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Todos provavelmente têm uma ideia mental da aparência de um cientista ganhador do Prêmio Nobel. A imagem é predominantemente masculina, branca e mais velha – o que faz sentido, já que 97% dos ganhadores são homens.

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Este é um exemplo de um preconceito implícito: presunções subconscientes, involuntárias e naturais que todos nós, homens e mulheres, formamos sobre o mundo ao nosso redor. As pessoas tomam decisões baseadas nessas suposições, preferências e estereótipos – mesmo que essas presunções sejam contrárias às suas crenças explícitas.

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Preconceitos implícitos

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Estudos revelam que existem preconceitos implícitos difundidos contra mulheres vistas como especialistas ou cientistas. Eles se manifestam quando se atribui mais reconhecimento e se premiam mais homens do que mulheres com bolsas científicas, por exemplo.

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Preconceitos implícitos podem atrapalhar a contratação, o avanço e o reconhecimento do trabalho de mulheres. Por exemplo, mulheres que buscam empregos acadêmicos são mais propensas a serem vistas e julgadas com base em informações pessoais e na aparência física. Cartas de recomendação para mulheres são mais propensas a levantar dúvidas e a usar uma linguagem que tenha resultados negativos em sua carreira.

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O preconceito implícito pode afetar também a capacidade de a mulher publicar descobertas científicas e ganhar reconhecimento pelo trabalho. Homens citam seu próprio trabalho 56% mais vezes que as mulheres.

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Há ainda uma desigualdade de gênero no reconhecimento, na premiação e nas citações. As pesquisas conduzidas por mulheres têm menos chances de serem citadas por outros acadêmicos, e suas ideias são mais propensas a serem atribuídas a homens do que o contrário.

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As pesquisas assinadas apenas por uma mulher levam duas vezes mais tempo para avançar no processo de revisão. Poucas mulheres editam periódicos científicos, são pesquisadoras seniores, autoras principais ou revisoras de artigos. Essa marginalização na pesquisa em posições de controle dificultam a promoção de mulheres na ciência.

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Quando uma mulher se torna uma cientista reconhecida internacionalmente, preconceitos implícitos agem contra a probabilidade de que ela seja convidada como palestrante para compartilhar suas descobertas de pesquisa, diminuindo, assim, sua visibilidade no campo e, logo, a possibilidade de que ela seja indicada a prêmios. Nota-se esse desequilíbrio de gênero pela baixa frequência de mulheres especialistas sendo citadas em notícias sobre vários temas.

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As cientistas também são menos respeitadas e reconhecidas do que deveriam por suas conquistas. Pesquisas mostram que é mais comum tratar especialistas homens pelo sobrenome, e mulheres, pelo primeiro nome. Por que isso importa? Porque experimentos mostram que indivíduos citados pelo sobrenome são percebidos como famosos e importantes. Na realidade, um estudo descobriu que cientistas chamados pelo sobrenome são considerados 14% mais merecedores de prêmios da Fundação Nacional de Ciência dos EUA.

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Ambiente masculino

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Trata-se de uma grande conquista de Strickland ganhar o prêmio Nobel como professora associada de Física; chegar a esse patamar como uma mulher que certamente enfrentou mais barreiras do que seus colegas homens é monumental.

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Quando perguntada como ela se sente em ser a terceira mulher laureada pelo Nobel em Física, Strickland ficou surpresa ao se dar conta de que poucas mulheres haviam ganhado o prêmio. Em seguida, ponderou: “Mas, quer dizer, eu vivo em um mundo com a maioria de homens, então, ver principalmente homens, na realidade, não me surpreende”, disse ela.

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A participação principalmente de homens tem traçado a história da ciência. Responder a preconceitos implícitos e estruturais evitará outra espera de meio século para que a próxima mulher seja reconhecida com um Prêmio Nobel por sua contribuição à Física. Aguardo ansiosamente o dia em que a atenção dada à mulher que receber o prêmio de maior prestígio na ciência se reflita apenas por seu trabalho e não pelo seu gênero.

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