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O que acontece quando homens falam sobre o abuso sexual que cometeram

Saiu no site HUFFPOST

 

Veja publicação original:   O que acontece quando homens falam sobre o abuso sexual que cometeram

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HuffPost US pediu para que leitores compartilhassem experiência com violência contra a mulher (e como eles vivenciaram isso no passado — e também no presente).

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Por Nick Wing

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Quantos homens testemunharam ou estiveram envolvidos em casos de comportamento sexual impróprio e preferem não falar do assunto? E, dada a oportunidade de refletir sobre esses incidentes, o que eles diriam hoje? Para examinar o assunto com profundidade, pedimos na redes sociais, para que vários homens falassem de suas experiências. Recebemos centenas de respostas. Quase todas foram anônimas e quase metade delas eram de trolls – o que não chega a ser uma surpresa.

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Ao oferecer anonimato, nossa expectativa era ter acesso aos pensamentos íntimos dos homens sobre esse assunto, mesmo que isso significasse que os relatos fossem virtualmente impossíveis de corroborar.

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O The New York Times publicou um artigo recentemente, com uma proposta semelhante, incluindo apenas depoimentos de homens mais velhos e que estavam dispostos a se identificar. Havia muitos insights, mas o conteúdo era relativamente reservado e girava essencialmente em torno do arrependimento que eles sentiam. Talvez seja de esperar. Quando identidades estão associadas às histórias, há muito mais em jogo.

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As respostas que estamos publicando são um pouco diferentes. Recebemos histórias de revirar o estômago e que mostraram a profundidade do problema. Alguns homens refletiram de forma franca sobre comportamentos menos tóxicos – e sobre dinâmicas de gênero como um todo –, sem medo de serem isolados pelos seus pares ou terem sua masculinidade questionada.

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Mas seríamos relapsos se não reconhecêssemos a resistência a esse exercício. Algumas pessoas argumentaram que, ao tocar nesse assunto, estaríamos denunciando um comportamento natural ou demonizando todos os homens injustamente. Outros afirmaram que mulheres fazem denúncias falsas de estupro, o que é verdade, mas estatisticamente raro, e que os homens também são vítimas de comportamento impróprio por parte de mulheres e de outros homens.

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As narrativas abaixo foram escolhidas entre dezenas de respostas que recebemos de homens que pareciam arrependidos ou, pelo menos, conscientes de seu comportamento no passado ou de incidentes específicos envolvendo mulheres. Algumas histórias podem ser perturbadoras.

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Richard

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Estava no meu bar predileto com amigos, numa noite movimentada. Uma mulher que eu conhecia da escola foi ao banheiro, e fui atrás dela. O bar era pequeno e só tinha um banheiro. Antes que ela conseguisse fechar a porta, também entrei. Ela ficou encostada na parede, com cara de susto. Já se passaram 15 anos, mas ainda me lembro. Tentei beijá-la, mas ela me segurou e disse que não, que estava namorando. Naquele instante, percebi que o que eu estava fazendo era errado, soltei uma desculpa e fui embora.

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Não sei bem o que me fez agir daquela maneira. Pensamentos como “correr atrás do que você quer” e “ser assertivo é um traço desejável em homens” passaram pela minha cabeça. Nunca pensei no que ela poderia sentir naquela situação, acuada por mim, um cara muito maior que ela. Estar bêbado com certeza influiu, mas eu já tinha ficado bêbado antes e nunca tinha feito nada parecido. Sei que estava sexual e emocionalmente frustrado porque estava solteiro fazia um tempo.

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Não pensei no contexto de que isso é uma coisa comum e que deixa as mulheres com medo.Richard

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No dia seguinte, mandei uma mensagem para ela e pedi desculpas de novo. Ela foi gentil e disse que não tinha nada de mais, que estava tudo bem. Até o movimento Me Too, não tinha pensado muito sobre a respeito, mas agora isso mudou. Nunca pensei em mim mesmo como parte do problema – a maioria dos homens deve ter pensado o mesmo, imagino.

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Hoje me arrependo de não ter sido uma pessoa melhor naquele momento, pois sei que muitas mulheres passam por isso sempre, às vezes pior, às vezes de forma mais sutil. O que eu fiz pode ser um entre vários casos que levam aquela mulher ter medo de ir a certos lugares ou a não confiar em homens que ela conhece.

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Sendo sincero, depois de pedir desculpas, nunca mais tinha pensado no ocorrido. Na época, não achei que fosse um problema. Um erro de bêbado, nada mais que isso. Não pensei no contexto de que isso é uma coisa comum e que deixa as mulheres com medo.

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Morpheo

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Não sei se testemunhei ou fui responsável por comportamento sexual impróprio com mulheres. E isso, imagino, é uma declaração tão importante quanto qualquer outra; porque nós (homens, a despeito de preferência sexual) somos mais ou menos programados com certos comportamentos considerados “OK”, “corretos”, “masculinos” ou “corriqueiros” – e por essa razão muitos de nós simplesmente não sabemos.

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Chico Partyer

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Na época da faculdade, fui a uma festa com amigos. Era uma festa qualquer de que um amigo tinha ouvido falar. Não sabia de quem era a casa. Estávamos bebendo e passando por várias festas. Aquela já estava rolando fazia tempo, mais de 30 pessoas, música alta, gente dançando etc.

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A certa altura fui para a parte de trás da casa procurar um banheiro. Tinha uma fila de caras na frente da porta de um quarto. Um deles me perguntou se eu queria trepar. Não respondi e entrei no banheiro. Quando saí, o cara que tinha me perguntado se eu queria trepar me chama. Ele abre a porta do quarto e me empurra pra dentro.

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Faz 43 anos, e nunca esqueci.Chico Partyer

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Um cara estava comendo uma mulher na cama. Ele sai de cima dela, levanta as calças e diz: “Toda sua”. E sai do quarto. Uma mulher nua em cima da cama, inconsciente, com as pernas abertas. Fiquei chocado. Tentei acordá-la, mas ela não respondia. A cobri com um lençol e fiquei lá por uns cinco minutos, pros caras acharem que eu também estava fazendo alguma coisa com ela. Fiquei fisicamente abalado. Achei meus amigos e fomos embora. Nunca falei disso para ninguém, nem mesmo pros caras que estavam comigo na festa.

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Faz 43 anos, e nunca esqueci.

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Me arrependo de não ter conseguido acordá-la e tirá-la dali.

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Nunca contei para ninguém. Por quê? Foi uma das coisas mais nojentas que já testemunhei.

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Emmanuel Mauleon

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Como homem que foi adolescente, e foi menino, não tenho dúvidas de que as coisas das quais me arrependo, daqueles tempos em que queria ter agido de maneira melhor, não são as mesmas coisas de que os outros se lembram, as suas memórias indeléveis.

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Recentemente, me pediram desculpas por algo que aconteceu há 15 anos atrás, ou mais, e era algo de que eu mal me lembrava. Então suponho que a culpa que eu sinto não está focada no mesmo sujeito que a dor que alguém sente por causa dos meus atos.

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Para os homens, acredito, isso é um abismo, porque na maioria das vezes não somos forçados a olhar para trás, a assumir nossas responsabilidades, a pedir desculpas ou até mesmo a imaginar que nossos atos podem ter machucado alguém. Aprendemos que, se alguém se machucou por causa dos nossos atos, a culpa foi deles.

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É muito mais fácil colocar a culpa dessa cultura patriarcal nas costas dos outros homens.Emmanuel Mauleon

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Sei que fiz coisas das quais não me orgulho. Mas tenho medo de que o efeito de viver numa “cultura do estupro” signifique que esqueci a maioria das coisas que mais me envergonham – acreditando que elas foram inocentes, ou simplesmente nem sequer pensando nelas. Além da vergonha, esqueci as coisas que, se fosse capaz de guardar na memória, me permitiram começar a reparar os erros que cometi. E, por sua vez, me curar.

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Nas últimas semanas, vi vários outros homens (muitos meus amigos, muitos raivosos) apontarem um dedo improdutivo para “Eles! Esses misóginos”. Percebi que seria muito mais responsável virar as lentes para dentro. “Nós, misóginos”. É muito mais fácil colocar a culpa dessa cultura patriarcal nas costas dos outros homens – homens ruidosos, bradando descaradamente em comissões do Senado, ou fazendo bullying contra sobreviventes de ataques sexuais em manifestações públicas. Quando estamos no trânsito e ficamos nervosos com os outros motoristas esquecemos que nós também fazemos parte do trânsito.

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Misoginia e patriarcado, em seus vários matizes e consequências – essa é a composição da água na qual nadamos. Alguns nadam com a corrente. Muitos nadam contra. Mas os homens têm de perceber que todos nos beneficiamos dela, e temos de virar e nadar contra as ondas.

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Um jovem adulto

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Fiz faculdade no começo dos anos 2000, em uma universidade estadual. A cultura do álcool era enorme. Conheci pelo menos dois ou três caras cujos planos para o fim de semana eram embebedar meninas na esperança de levá-las para a cama. Eu era um loser e não tinha confiança para fazer o mesmo, então só via acontecer, mas na época não parecia nada de mais. Havia uma atitude de que os caras que “tinham que usar cerveja ou drogas para pegar mulher” também eram losers, porque do contrário não conseguiriam. Mesmo olhando para trás com a consciência que temos hoje, os caras não pareciam predadores, e acho que, se eles tivessem 18 anos hoje, estariam fazendo o que quer que hoje em dia signifique passar do limite do consentimento, ainda que esse limite tenha mudado (somente no entendimento geral, é claro, pois esse tipo de comportamento sempre foi errado).

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Acho que esse é um dos maiores desafios para que tenhamos esse novo entendimento do que é consentir: muitos dos jovens estavam vivos nas décadas de 1990-2000, antes de as atitudes começarem a mudar e lembram de histórias parecidas. Quando as pessoas que se comportavam mal ainda estão entre nós, não é o mesmo que dizer “[o poeta] Ezra Pound era racista” ou “Thomas Jefferson tinha escravos”. Nunca vamos conhecer Pound ou Jefferson, mas os caras que conhecemos que dependiam de álcool para transar ainda aparecem nas nossas timelines do Twitter ou nos deixam mensagens de feliz aniversário no Facebook. É fácil dizer no abstrato que “nada de ruim aconteceu com você ou com eles, então tirá-los de sua vida não é um preço tão alto a pagar”, mas na prática pode ser difícil.

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Meu maior arrependimento não é ter levado minhas amigas a sério.

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Uma das partes mais fáceis de mina transição para essa nova compreensão do consentimento é saber que perdi contato naturalmente com os caras que não se adequavam aos padrões de hoje. Não sei o que estaria achando se ainda fôssemos próximos. Espero que pudesse cortar relações mesmo assim, mas não tenho essa certeza.

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Meu maior arrependimento é não ter levado minhas amigas a sério. Um ou dois anos depois de entrar na faculdade, umas meninas do nosso grupo de amigos começaram a dizer que um cara do grupo era estuprador. O modus operandi dele era puxar papo com uma menina na área comum do alojamento e convidá-la para ir beber no quarto dele. Isso normalmente levava a algo mais. Ele tinha ficado com várias de nossas amigas, e todo mundo achava que ele era simplesmente um pegador.

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Mas quando a primeira amiga usou a palavra “estuprador” e outra concordou com ela, mais meninas deram crédito à acusação. Eu deveria ter feito o mesmo. Acho que todo mundo concordava que ele estava fazendo algo errado, mas ninguém pensou que uma palavra tão forte quando “estupro” deveria ter sido usada. Ele pareceu sentido com as implicações. Nunca o defendi ou tomei parte na história, mas deveria. Deveria ter dado ouvido a elas e acreditado na experiência que elas tiveram com aquele cara.

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Evan, de New England

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Segue aqui só um exemplo de vários do ensino médio em um subúrbio rico da Nova Inglaterra, em meados dos anos 1990. Quando eu tinha 17 anos, estava numa festa animada na casa de um cara chamado Paul. Estávamos em cinco ou seis num quarto, fumando um baseado, quando ouvimos um grito vindo do andar de cima. Uma menina que a gente conhecia estava dizendo: “Para com isso, Paul”. No começo era meio de brincadeira, mas depois ela começou a falar mais alto e parecia com medo. Ouvimos o que parecia barulho de uma briga e depois tudo ficou em silêncio. Nos entreolhamos, mas ninguém fez nada.

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Penso nisso o tempo todo. Ficamos ali, um olhando para a cara do outro, pensando: “Alguém devia subir pra ver o que está acontecendo”. Mas ninguém fez nada. Se alguém tivesse tido a coragem de dar o primeiro passo, todo mundo iria junto. Mas ninguém se mexeu. Não sei bem o que aconteceu, mas temo que nossa inação tenha permitido que ele a atacasse.

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É a primeira vez que conto essa história. Acho que todo mundo pensou em fazer alguma coisa, mas estávamos todos com medo de ser o primeiro a falar, por causa do potencial custo social.

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Michael

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Cresci na costa de Nova Jersey, nos anos 1980. Hoje tenho 50 anos, mas quando aconteceu esse incidente eu tinha uns 16. Era uma noite de verão, e eu estava andando pela orla. Um conhecido veio correndo da praia, meio esbaforido, e me disse: “Mano, ela está capotada lá embaixo, vai lá” (ou algo parecido). Acho que ele tinha minha idade. Fiquei chocado. Ele foi embora.

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Fiquei ali parado uns 10 ou 15 minutos olhando para o mar, pensando no que deveria fazer. Não se deveria “ir lá”, como ele tinha sugerido (não tinha certeza do que tinha acabado de acontecer, mas “estupro” não era uma palavra que eu entendia), mas se seria bom checar como estava a mulher. Enquanto eu estava lá parado uma mulher toda desarrumada e obviamente bêbada apareceu tropeçando na praia. O cabelo dela estava todo despenteado e o zíper da calça dela estava aberto (lembro de ver a calcinha). Eu a conhecia, mas não sabia de onde. Ela passou por mim e me olhou de um jeito esquisito. Não era medo nem raiva. Era quase resignação – como se ela aceitasse que aquilo era coisa de meninos e homens. Como se não tivesse sido a primeira vez.

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Eu estava mais preocupado com minha imagem entre meus amigos homens do que com ela.Michael

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Não lembrava dessa história fazia muito tempo. Estou surpreso como a lembrança ainda é viva. Não consigo imaginar o que ela lembra daquela noite.

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Me arrependo de não ter oferecido ajuda, mas no fim das contas não tenho certeza de que ela quisesse ser ajudada. Não tenho certeza o que eu poderia ou deveria ter feito diferente.

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Nunca contei essa história para ninguém. Não estou 100% certo do porquê. Acho que pensei que não era da minha conta. Ou talvez eu tivesse medo que outros caras me chamassem de dedo-duro, ou covarde, por não ter participado. Os caras que eu conhecia naquela época eram assim. Hoje fico muito decepcionado comigo mesmo, porque estava mais preocupado com minha imagem entre meus amigos homens do que com ela! Espero que ela tenha tido uma vida feliz e saudável.

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David

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Quando eu fazia estágio, tinha uma menina que eu achava muito bonitinha e interessada em coisas legais, então a convidei para sair. Ela recusou, mas disse que a gente poderia ser amigo, o que para mim significava que ainda “havia uma chance”.

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Nunca fui agressivo (do meu ponto de vista), mas sempre arrumava uma desculpa para chegar na mesa dela, apesar de a gente trabalhar em departamentos diferentes. Conversava com ela enquanto ela trabalhava, ou então me convidava para almoçar com ela e os colegas. Ela sempre foi educada, e eu achava que estava progredindo.

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No último dia do meu estágio, a convidei de novo para sair, e ela de novo disse não. Perguntei se seria tão ruim assim sair comigo, e ela decidiu parar de ser amigável e disse que sim, seria ruim. Fiquei com a impressão de ter ultrapassado algum limite, mas ainda assim não percebi quanto. Me despedi, e achei que estivesse tudo bem. Um ano depois, em outro estágio, mandei uma mensagem para ela, perguntando se estava tudo bem. Trocamos algumas mensagens, mas ela parou de responder. Decidi esquecer a história.

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Não tinha como saber ao certo como fiz aquela menina se sentir, mas a possibilidade que eu a tenha colocado numa situação dessas me deixou nauseado.

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Três anos depois, no mestrado, uma colega estava contando uma experiência com um cara do trabalho. Enquanto ela descrevia as interações, alguns dos homens diziam coisas do tipo “Ele parece inofensivo” e “não parece nada de mais”. Apesar de ela admitir que a situação não parecia perigosa, ela insistia que ela não estava à vontade e que aquilo estava afetando o trabalho dela.

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Fiquei com um nó no estômago. A descrição do cara parecia um Xerox do meu comportamento anterior. A gota d’água foi quando minha amiga disse que o cara continuava falando com ela porque ela era simpática e agia como se eles fossem amigos. Mas ela estava preocupada com a reação dele se ela fosse mais direta e assertiva.

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Não tinha como saber ao certo como fiz aquela menina se sentir, mas a possibilidade que eu a tenha colocado numa situação dessas me deixou nauseado. Porque eu nunca senti nada negativo a respeito dela, mesmo depois de ter sido rejeitado. Só gostava dela. Não vejo como meu comportamento possa ter sido inadequado. Agora está claro que eu estava muito errado.

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Não me arrependo de tê-la convidado para sair pela primeira vez, mas agora sei que talvez o certo fosse conhecê-la melhor antes, em vez de partir direto para um convite. Não acho que mostrar interesse seja errado, desde que você seja maduro e respeitoso. Por outro lado, sei que chamar um colega de trabalho para sair é delicado por causa da questão do assédio sexual.

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Mas me arrependo de não ter aceitado o “não” original e ter criado a fantasia de que ela toparia sair comigo. E definitivamente me arrependo de desperdiçar tanto tempo – o meu e o dela – ENQUANTO ESTÁVAMOS TRABALHANDO. E me arrependo de ter insistido tanto na segunda vez a ponto de ela não conseguir mais segurar a frustração.

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Por fim, me arrependo de nunca ter tido a coragem de mandar uma mensagem para ela contando a história da minha amiga e pedindo desculpas. Digitei tudo no Messenger do Facebook, mas dei para trás, porque imagino que ela tenha esquecido a história toda, e provavelmente é só meu ego me dizendo que ela ainda pensa em mim.

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Jake

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Lembrando do ensino médio, acho que eu era bastante tóxico. Não tinha muita consideração pelas mulheres. Achava que as namoradas eram mais amigas que dormiam comigo. Me gabava de pegar as mulheres. Mostrava fotos delas nuas para amigos como se fosse piada, mais material para punheta que para humilhá-las. Nos meus dias de adolescente hiperexcitado, a integridade era rara ou não-existente. Eu basicamente fazia uma contagem das mulheres que pegava.

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O que me chocou, na verdade, e só descobri recentemente, é como eu era manipulador. Como eu fazia jogos com as meninas para que elas dormissem comigo. Como eu tinha de provocá-las. Não era violento, mas eu as enganava. “Sabe que eu sempre pensei em você”, eu dizia sempre. Eu estava interessado nela, e só nela. É claro, algumas juntavam lé com cré e não caíam na minha conversa. Mas era raro, o que só alimentava essa minha atitude para com as mulheres.

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Logo comecei a ter uma reputação. Eu era o “vadio”, o idiota. Isso limitou minhas possibilidades de relacionamentos. Minha fama me acompanhava por toda parte. Até onde eu sei, muitos caras me odiavam porque peguei meninas de quem eles gostavam. Isso era motivo de orgulho: as pessoas me odiavam porque eu tinha sucesso, e eles eram fracassados. Deixei subir à minha cabeça.

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Olhando para trás, preferiria ter ganhado outro tipo de fama.

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Naquela época, nunca me considerei pró-feminismo, mas mais tarde me dei conta de que isso era necessário. Sou homem branco, tenho privilégios e deveria usá-los para alavancar a igualdade. A moralidade. Em nome da humanidade.

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Se minha história for compartilhada, gostaria de pedir desculpas para as pessoas que afetei no passado. Sei que um pedido de desculpas anônimo não significa muita coisa, mas é um começo. Um começo para o fim de um problema que infecta os níveis mais altos do nosso governo.

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Anônimo

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Uns 15 anos atrás, quando eu tinha 20 e poucos anos, minha fraternidade deu uma festa, e eu estava bebendo no porão da casa. Tinha umas 200 pessoas na festa, mais ou menos.

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Estava chegando a hora de eu ficar na porta, e uma das meninas subiu para um dos quartos com um dos caras da fraternidade. Acho que talvez tivesse mais gente no quarto.

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Tinha visto ela bebendo, mas não sabia o quanto ela estava bêbada. O cara que a levou para o quarto era conhecido por assediar as mulheres e por ser um idiota, o que eu decidi ignorar na época, porque ele também era divertido. Aquele tipo de comportamento com as meninas não me incomodava tanto naqueles tempos.

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Ele também fazia muita bobagem quando bebia demais, incluindo dar um soco numa janela e tomar pontos na mão por ter sido rejeitado por uma mulher.

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Enquanto estava na porta da festa, uma das amigas da menina saiu para a rua para procurá-la. Não disse onde ela estava. Uns 45 minutos depois de ela ir para o quarto, vi a menina indo embora com as amigas. Ela estava chorando. Acho que nunca mais vi ela ou as amigas depois daquele dia.

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Mais tarde, vim a saber que havia um dos caras antigos da fraternidade obrigou o sujeito a apagar. Embora os detalhes não tenham sido divulgados, tenho certeza que o cara se meteu numa confusão enorme e ele e os outros envolvidos não podiam revelar nada para ninguém.

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Até hoje não sei exatamente o que aconteceu, mas acho que qualquer coisa PODE ter ocorrido dentro daquelas quatro paredes.

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Me arrependo muito de não ter feito nada. Provavelmente deveria ter suspeitado quando a amiga foi procurá-la. Mas eu não disse nada, embora fosse muito simples contar onde ela estava.

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Também me arrependo, nos dias depois da festa, não ter feito rigorosamente nada. Eu não era um cara muito legal, e havia muita pressão para não dizer nada. Não sabia detalhes suficientes para ir à polícia, por exemplo, e seu eu tocasse no assunto dentro da fraternidade tenho quase certeza de que meus colegas ficariam do lado daquele cara. Lavei minhas mãos, considerando que outras pessoas estavam cuidando do problema.

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Hoje, me arrependo de tudo isso – do que deixei de fazer e do fato de que mantive a amizade com o cara. Até hoje sinto a necessidade de racionalizar meu comportamento. Estou seguro de que o que ele fez estava errado, o que eu fiz estava errado e o que todo mundo que sabia da história fez (ou não fez) também estava errado.

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Essa é a primeira vez que falo desse incidente além de um superficial “o que aconteceu naquela festa”, quando basicamente me mandaram calar a boca e cuidar da minha vida.

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Tom L

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No começo dos anos 1980, eu tinha 19 anos e ia acontecer uma festa da firma. Todo mundo estava bebendo, e uma engenheira estava ficando bem bêbada. A certa altura ela entrou no prédio, e um cara voltou do banheiro dizendo que ela estava meio desnorteada. Fomos ver como ela estava, mas a preocupação acabou virando meio um flerte, que virou pegação, que virou sexo grupal. Três dos caras transaram com ela. Ela estava consciente, mas não acho que tenha sido consensual.

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Não participei, mas estava lá o tempo todo com os outros caras, e ficamos fazendo piada. Sabia que aquilo era errado, mas não fiz nada.

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Vi a mulher sentada no carro dela quando fui embora. Nunca vou esquecer a cara dela, com o carro ligado, cabisbaixa.

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Alguns dos caras mencionaram a história na semana seguinte, mas me afastei. Estava com vergonha e não sabia o que fazer.

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“Sim” nem sempre é consentimento.

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Passei boa parte dos meus 20 anos pressionando minhas namoradas a fazer coisas na cama que elas não queriam fazer. Na época, não tinha ouvido falar do termo “estupro coercivo”. Lembro somente de intimidar e gritar: “Não entendo porque você não quer!” Eu insistia e insistia até elas dizerem OK. Não importava que eu fosse um imbecil imaturo para ouvir aquele sim, desde que ele viesse. Fazia bico, gritava, ficava mudo, o que fosse necessário. Desde que elas aceitassem e dissessem sim.

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De repente, a ficha caiu e passei a me odiar

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Depois, eu sempre me sentia culpado. Porque, no fundo, eu sabia que aquilo era errado.

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Lembro de ler uma história anos depois sobre uma mulher cujo marido a pressionava a fazer coisas que ela não queria e como ele se recusava a aceitar que aquilo era estupro. E alguém disse: “Que nome você daria para isso se um estranho fizesse o mesmo com ela?” De repente, a ficha caiu, e passei a me odiar. Ainda sofro com isso, mesmo depois de procurar algumas das mulheres e pedir desculpas. Nunca serei capaz de superar o fato de que fiz esse tipo de coisa.

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A única pessoa para quem contei isso foi meu terapeuta.

 

 

 

 

 

 

 

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