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O dia internacional das damas de ferro

Saiu no site JOTA INFO

 

Veja publicação original: O dia internacional das damas de ferro

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Como a intelectual Simone de Beauvoir reagiria à existência de tal dia, já que ela era uma estudiosa do existencialismo feminino?

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Oito de março é o dia internacional da mulher. Não existe o dia internacional do homem, logo, a data é reveladora, motivo para reflexões. Como a intelectual Simone de Beauvoir reagiria a existência de tal dia, já que ela era uma estudiosa do existencialismo feminino?

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Há uma indagação controversa, embora recorrente, referente ao fato de que se há discriminação de gênero: seja no mercado de trabalho, nos afazeres do lar ou na relação a dois. Muitos dizem não haver. Outros, como a escritora Simone, argumentam que há, embora um terceiro grupo advogue que há, mas que a prática está cada vez menor. Como a reforma da previdência brasileira contempla diferenças na idade na aposentadoria entre gêneros para uma mesma categoria, para a sociedade brasileira, dessa forma, parece que, sim, há discriminação.

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Anedoticamente, pode-se dizer que há centenas de casos não alvissareiros apontando que a discriminação contra a mulher sempre ocorreu e que segue em marcha. Mileva Maric, por exemplo, gênia da física de sua época (1900), digna de prêmio Nobel, passou despercebida pela história, conquanto não tenha ocorrido o mesmo feito com seu marido, o famoso e ilustre Albert Einstein, que a deixava em casa com os filhos para que ele pudesse “pensar e produzir”. A cantora Madonna, outro exemplo, ao produzir o álbum Erótica, em 1992, foi escorraçada por importantes meios de comunicação, enquanto de Prince, tão excêntrico quanto ela, nada falaram.

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Por fim, exemplo mais recente concerne à engenheira do IME (Instituto Militar de Engenharia)Nadia Ayad, que, em 2016, ganhou em primeiro lugar o desafio mundial da Sandvik sobre a utilização do grafeno, mas parece não ter havido qualquer repercussão ou reconhecimento em nível nacional. Se um homem tivesse obtido dita permeação, provavelmente a divulgação teria sido distinta. Por fim, o reduzido número de mulheres participando em cargos de chefia nas 3 esferas de governo (legislativo, judiciário e executivo) e nos 3 âmbitos (nacional, estadual e municipal), assim como a sua limitada presença como CEO ou como conselheira em empresas, releva uma desproporcional preferência pelo gênero masculino.

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Neste sentido, até mesmo o presidente da república, Jair Bolsonaro, em homenagem as duas únicas mulheres ministras (de um total de 22 ministros), afirmou que elas valiam, cada uma, por 10 homens, em resposta ao fato de haver desbalanceamento de gênero em seu governo. A declaração, ainda que tenha sido feita em tom aparentemente elogioso, evidencia uma costumeira reclamação entre as mulheres: de que elas precisam trabalhar 10 vezes mais do que eles para serem igualmente reconhecidas e respeitadas. Se a equipolência entre os gêneros no mercado de trabalho pode ser questionável, esta paridade nas funções do lar e no cuido dos filhos é bem menos discutível, ao menos entre os latinos. Fato incontestável é: difícil ver um “homem do lar” no Brasil ou mais mulheres do que homens em cargos de chefia em qualquer instituição que se imagine.

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Segundo estatísticas do IBGE (estudo sobre diferenças no rendimento do trabalho), mesmo tendo mais anos de educação formal do que os homens, eles ganham 26% mais do que elas, além delas terem mais dificuldade de serem contratadas, especialmente se estiverem em idade reprodutiva. Além disso, quanto mais filhos ela tiver, mais complicada fica a sua situação profissional, devido à cultura de que cabe à mulher, e não ao casal, cuidar dos filhos e do lar, diferentemente do que ocorre com o homem, que segue firmemente no crescimento da sua carreira profissional.

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Diz dito estudo que, em 2018, o rendimento médio das mulheres com idade entre 25 e 49 anos foi de R$2 mil contra R$2,6 mil dos homens; mas há profissões, como a de engenharia de minas ou metalurgia, que a diferença é mais do que o dobro. Mais ainda: mesmo em atividades em que elas são maioria, como a de lecionar, a média salarial do homem é maior, pois eles exercem os cargos de chefia.

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Pior de tudo é observar a insistente violência contra a mulher, sobretudo por familiares e companheiros. O feminicídio, deveras, é uma realidade inegável e a Lei Maria da Penha tem se mostrado um instrumento importante de proteção feminina. É mais um exemplo de como o law and economics afeta o cotidiano do cidadão comum, uma vez que leis alteram os incentivos dos agentes econômicos. Ainda que esse documento legal não evite o mal maior, dito marco normativo inibe e constrange a ação criminosa, pois pune o algoz.

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É verdade, porém, que a temática tem apresentado certa evolução na história. Basta observar a transformação no tempo da Barbie, que completou 60 anos, lembrando que ela é produzida por profissionais influenciados pela cultura de seu tempo. Se quando foi lançada, em 1959, a boneca era branca, meiga, alienada, usava salto alto e saias ou vestidos; depois, nos anos 2010, ela teve a versão negra de jeans; e, em 2018, as versões Frida Kahlo, polêmica, e Maya Gabeira, surfista. Que mal tem a mulher fazer esporte, ter sua própria opinião ou usar calça e um par de tênis? Ao que parece, no passado estas eram práticas discutíveis, conquanto hoje já não seja. Um avanço, de certo.

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Diante destes fatos, espera-se que neste mês em que se comemora o dia internacional da mulher, a ‘comemoração’ não se resuma apenas em um momento de dar flores e proclamar palavras doces e belas às damas, mas que sirva, sobretudo, para alertar de que existe ainda discriminação de diversas formas contra a mulher, que convive, infelizmente, com oportunidades e tratamentos desiguais. Uma sociedade consciente, respeitosa e igualitária, entretanto, é o que deveríamos perquirir.

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É possível, portanto, que Simone de Beauvoir, incansável pensadora sobre o assunto, diga: viva a persistência e dedicação feminina! De fato, parabéns a todas as damas de ferro, pois não há outro tipo de dama que não seja de ferro! Completaria a escritora, aí com suas próprias palavras: “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”.

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