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Nós também sofremos abuso: 14 relatos das repórteres do Bolsa de Mulher

Saiu no site VIX:

 

Veja publicação original:  Nós também sofremos abuso: 14 relatos das repórteres do Bolsa de Mulher

 

Acredite: você já foi abusada. Ou, no mínimo, conhece alguma mulher que foi. Pode ser que você não saiba, ou não se dê conta ainda. Mas isso é mais comum do que você imagina. Nós, do Bolsa de Mulher, também não tínhamos noção da dimensão dessa violência contra a mulher, até que um debate na redação nos fez enxergar: de 11 repórteres envolvidas na discussão, 11 já passaram por situações de abuso – sim, 11 de 11, TODAS nós.

Essa reflexão surgiu depois da divulgação do caso da repórter do R7 que foi abusada no metrô de São Paulo. A repercussão se tornou comentário, cada uma passou a contar um caso e, quando percebemos, demos conta de que todas já fomos abusadas. Algumas sequer haviam notado isso antes dessa conversa. Enquanto outras, infelizmente, passaram por mais de uma cena desse tipo.

Por isso, achamos importante compartilhar nossas histórias com você, para te fazer refletir. Quantas vezes você ou alguma mulher da sua família já passou por situações semelhantes? Quantas vezes nós mesmas nos culpamos, ou colocamos a culpa em outra mulher? Quantas vezes nos recusamos a enxergar a verdade? E, o mais importante: por quanto tempo isso ainda vai acontecer?

Violência contra a mulher: histórias reais

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“Ele me puxou pelo braço, me agarrou e começou a beijar meu rosto em direção à minha boca”

Intercâmbio em casa de família: um país estranho, uma menina impotente

Fiz um intercâmbio para o Canadá e fui morar na casa de uma família filipina indicada pela escola de inglês. Meus “parentes” me adicionaram no Facebook e o pai da família sempre puxava papo comigo no inbox. Eu me sentia incomodada, mas achava que era coisa da minha cabeça – talvez ele quisesse me ambientar, afinal, eu morava com eles. Até que um dia, à noite, ele me mandou uma mensagem pedindo para eu ir até a cozinha porque ele queria me dar um presente. Resisti, pensei duas vezes, mas a situação já estava tão estranha que eu precisava ver no que ia dar. Cheguei, ele estendeu a mão e me deu o vale-presente de uma cafeteria. Peguei e agradeci. Ele me puxou pelo braço, me agarrou e começou a beijar meu rosto em direção à minha boca. Empurrei e saí correndo. Voltei para o meu quarto e mandei diversas mensagens dizendo para que ele ficasse longe de mim. No outro dia, fui à escola e contei, mas só acreditaram em mim por causa das conversas registradas. Disseram que ele recebia estudantes há mais de 10 anos e isso nunca tinha acontecido. Será? Quantas meninas passaram por isso antes de mim e não tiveram coragem de contar? Estar sozinha em um país estranho e com pouco domínio do idioma te deixa vulnerável, quase impotente. Ao menos prometeram que nenhuma estudante moraria naquela casa novamente.

Fui abusada dentro de um ônibus, enquanto dormia

Quando a gente começa a problematizar essa questão da violência física e psicológica e dos abusos, percebe que mesmo não querendo, já foi vítima inúmeras vezes. Muitos casos me marcam. Em um deles eu fui tocada por um velho enquanto fazia o trajeto do interior a São Paulo. Eu senti uma vez, mas não acordei. Na segunda vez acordei, vi ele me tocando e falei em tom de voz mais alto. Ele me chamou de louca. Nada foi feito. Dividi a poltrona do ônibus com ele por mais 4 horas de viagem.

Carnaval, folia, diversão, e uma mão por baixo da saia

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“(…) senti uma mão debaixo da minha saia”

Estava em um bloco de Carnaval, quando senti uma mão debaixo da minha saia, seguida de um dedo entrando pela calcinha. Era tão lotado que eu não conseguia me movimentar. Fiquei em choque, mas também não adiantava nem gritar (o som era alto) tampouco olhar para trás, porque era um tumulto, muita gente bêbada, não dava para saber quem era. Saí do meio do povo o mais rápido que pude e, depois, contando o ocorrido a algumas pessoas, muitos tentaram me mostrar que eu estava errada em frequentar “esse tipo de ambiente” se eu não quisesse passar por coisas do tipo. Eu só fui para me divertir e nem minha roupa nem o excesso de bebida dos outros justifica isso!

Se eu não transasse, ele ia terminar comigo

Meu primeiro namorado era uma pessoa muito dominadora, e eu, completamente apaixonada por ele. Eu era virgem, e ainda não me sentia completamente preparada para fazer sexo, até porque eu era muito nova. Ele me dizia que era “natural” do sexo masculino precisar daquilo, da penetração em si, que era uma coisa “animal”, incontrolável. E que, se eu não transasse com ele, ele seria obrigado a procurar outra pessoa, porque ela faria isso com ele sem problemas, e que eu deveria aceitar aquilo – naquela lógica “fui procurar na rua o que você não me deu”. Tinha um medo absurdo de perdê-lo e acabei cedendo, achando que aquilo iria melhorar tudo. O problema era que, se eu não me sentia bem para fazer sexo em um determinado dia, as “ameaças” de término ou de traição voltavam, e eu me sentia frígida, incapaz, ruim de cama e muito feia. Até porque ele fazia questão de tirar sarro de algumas características físicas minhas, como a assimetria do meu rosto – algo que me incomoda profundamente até hoje, mais de uma década depois, e que faço de tudo para disfarçar. Algo que eu nem tinha reparado antes de ele me dizer e ficar fazendo caretas, imitando essa imperfeição. Transava com ele em lugares que me dão calafrios só de pensar, correndo o risco de ser pega pela minha família. Esse risco dá tesão em algumas pessoas, mas, a mim, não. Eu ficava completamente aterrorizada, além de desconfortável com meu próprio corpo. Eu não tinha coragem de falar para ele, porque não queria que ele me deixasse. Acabamos terminando, mas lembro de tudo com muita frequência.

Festa, bebida e um estupro que muita gente assistiu

No círculo de amigos o cara mais descolado da turma me ofereceu uma caipirinha divina. Bebemos a tarde toda em um espaço coletivo. Acordei em um dos quartos da casa sem memória com minha amiga me condenando. Levou muito tempo até que eu parasse de me culpar e me reconhecesse vítima de estupro. Eu fui estuprada pelo amigo mais velho, bacana e inteligente da turma, na frente de todo mundo.

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“Levou muito tempo até que eu parasse de me culpar e me reconhecesse vítima de estupro”

Divulgaram minhas fotos na internet

Tive fotos íntimas divulgadas em um grupo do Facebook. As imagens se alastraram e chegaram a todos os meus círculos sociais. Me senti suja por ter tirado as fotos, burra por não tê-las apagado e por não ter protegido meu computador de uma forma melhor. Me sentia um lixo, um fardo por dar mais esse peso para a minha família, que estava passando já por muitos problemas. A culpa era muito grande. Fiquei muito agressiva com todos à minha volta, voltei a me autoagredir fisicamente de forma constante, perdi amizades e não conseguia confiar em ninguém mais. Descobri quem foram os responsáveis, mas desisti de entrar na Justiça por medo de fazerem mais alguma coisa contra mim e porque queria que a história morresse logo, mas me sinto covarde e fraca por isso.

Uma CRIANÇA passou a mão em mim

Esse caso me assustou ainda mais por se tratar de uma criança de uns nove anos, aparentemente. Eu estava saindo do banco e senti alguém mexendo na minha saia. Achei que era para pedir dinheiro. Mas ele passou a mão na minha bunda, por baixo da saia e, quando virei, estava com o pênis ereto, para fora da bermuda, vindo em minha direção e dizendo “olha o que eu faço com você”. Claro que ele não conseguiria me estuprar, eu conseguiria facilmente segurá-lo. Senti um misto de raiva e pena, porque certamente é alguém que nunca teve educação nem afeto, ou que tenha convivido com isso em casa. No impulso, gritei e chamei o segurança do banco. O garoto correu.

Ele era carinhoso, não sabia que estava se aproveitando de mim

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“Nós éramos próximos, convivíamos diariamente”

Durante meu intercâmbio, trabalhei como garçonete em um restaurante indiano. Tanto o cozinheiro como o assistente de cozinha realizaram abusos. Em uma das vezes, estava com algumas amigas no restaurante, depois do horário de fechamento, bebendo e ouvindo música, e os dois funcionários quiseram ficar lá conosco (nós tínhamos uma relação amigável). Em determinado momento, me afastei para trocar a música e, enquanto eu mexia no aparelho de som, um deles simplesmente veio até mim e colocou a mão na minha bunda. Reagi, e ele recuou.

Já o outro funcionário, que era meu gerente, cometeu abusos repetidas vezes. Sempre que todos iam embora e não havia mais clientes, ele ia até o balcão onde eu ficava, me virava e me abraçava por trás. Eu ficava sem jeito de falar algo, porque não entendia muito bem qual era a intenção dele com aquele movimento e principalmente porque nós éramos próximos, convivíamos diariamente. Muitas vezes eu tentava me soltar e ele me segurava ainda mais forte. Um dia tomei coragem e disse que me sentia desconfortável com aquilo, e ele parou. Me sentia culpada por não reagir, mas depois entendi que era difícil fazer qualquer coisa porque o abuso dele estava mascarado como um tipo de “carinho”, e não uma violência explícita – apesar de ser, sim, violência. Mas a culpa obviamente não era minha: era dele, o agressor.

Violência psicológica: isso também é abuso!

Um abuso não precisa ser sempre físico. Eu sofri uma violência psicológica, mas na época não entendi que isso era, de fato, um abuso. Já faz 7 anos. Estava voltando para casa dirigindo depois do trabalho, ouvindo música e tranquila. Até que fechei um outro motorista que estava no ponto cego do meu retrovisor. Quando percebi, ele já estava transtornado. Estávamos na Marginal Pinheiros, em São Paulo. O outro carro me ultrapassou devolvendo a fechada que dei sem perceber. De repente ele estava na minha frente e brecou bruscamente, parando o carro por completo no meio da marginal para que eu batesse em sua traseira. Por sorte consegui desviar – realmente por sorte, já dirigia a 90 km/h na pista expressa.

Depois disso, ele baixou o vidro e começaram os insultos: “Sua vadia, prostituta, VAGABUNDA”, gritava. Ele enchia a boca para me xingar e falava isso com tanta vontade que essas palavras me humilharam por completo. Não conseguia mais dirigir, só chorar e repetir para mim mesma que não era uma vagabunda. Essa violência no trânsito me marcou tanto que nunca mais esqueci a expressão no rosto desse homem enquanto me insultava. Hoje vejo o tamanho da violência que essas palavras representaram.

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“O estupro acontece dentro de casa “

Meu namorado me estuprou. Ele não tem esse direito!

Se reconhecer vítima de estupro é difícil. Se reconhecer vítima do seu próprio namorado é ainda mais. No meu antigo relacionamento era habitual o sexo acontecer quando eu estava desacordada. Em uma das vezes, só percebi que ele tinha tentando sexo anal quando, no dia seguinte, acordei com dor. O estupro acontece dentro de casa e a gente precisa falar sobre isso.

Eu não sou obrigada a mudar meu caminho!

Ouvir gracinhas na rua é rotineiro para as mulheres. Mas, ao que parece pela reação dos homens, talvez eu mereça ouvir mais palavras abusivas e gemidos no meu ouvido porque me atrevo a sair na rua com a camisa de um time de futebol. É o que acontece sempre que faço isso. Me envolver com esse universo ainda mais machista é visto por muitos homens como uma “permissão” para que digam ou façam gracinhas. Certa vez, passei uniformizada em frente a um bar de universitários que fica ao lado de casa. Um coro tomou conta da rua, todos os caras berravam o nome do time, faziam gritos de guerra e mexiam comigo. Toda a faculdade me olhou. E todos os dias a minha volta para casa é tomada por uma dúvida: mudo de caminho para evitar aquela situação, ou sigo na direção de sempre? Minha escolha é sempre a mesma, decido que não vou mudar meu caminho e passar por um lugar deserto e perigoso só para fugir desses comentários. E essa atitude faz muitos desses homens (e até mulheres que ficam no bar) pensarem a mesma coisa: “se ainda passa por aqui, todos os dias, é porque está gostando e provocando”. Não, eu não gosto. Simplesmente não sou obrigada a mudar meu trajeto, minha roupa ou minha rotina por atitudes machistas e abusivas.

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“Acharam engraçada a ‘brincadeira’ do menino”

Ele “só queria me olhar dormir”

Aos 16 anos resolvi fazer intercâmbio. Recebi o perfil da família que ia me abrigar e vi que teria um “irmão mais velho”, o que não me preocupou. Quando cheguei, a casa era linda e eles pareciam bem legais. Menos o “meu irmão”, que ao menos me deu oi.
No meu quinto dia lá, acordei na madrugada sentindo um cheiro forte de cigarro e bebida, acendi a luz e encontrei ele deitado na minha cama, olhando para mim. Fiquei muito nervosa, sem saber o que fazer. Eu insistia para ele ir embora e ele dizia que não, que queria ficar lá, nem que fosse só para me olhar dormir. Comecei a tremer, sem saber o que fazer. Depois de muita insistência ele saiu do meu quarto, mas eu não dormi mais. Fiquei inconformada, insegura e com medo, como nunca havia sentido antes. Contei aos pais dele. A reação deles foi dar risada. Acharam engraçada a “brincadeira” do menino.

Sempre fui espiada pela janela e tinha medo de reagir

Sou de uma cidade pequena e quando morava com meus pais era constantemente espiada pelo vizinho, que morava em uma casa mais alta e da janela conseguia ver com clareza alguns cômodos da minha casa, incluindo meu quarto. Várias vezes o flagrei me olhando trocar de roupa, sendo que uma vez ele chegou a “interagir” de forma direta comigo. Nessa ocasião eu já era adolescente, e fiquei com receio de contar para o meu pai na hora, com medo de que ele arrumasse alguma confusão e o cara fizesse algo comigo depois. Algum tempo depois, o encontrei em algumas festas na cidade. Em um Carnaval no clube, ele me perseguiu e foi encostando… Minha sorte é que ele se assustou quando eu o empurrei e ele acabou desistindo. Mas passei a fugir dele toda vez que o via para que isso não voltasse a acontecer. Ainda hoje, toda vez que vou visitar meus pais e saio na rua, ele está lá, me olhando de um jeito pervertido e nojento. E eu faço questão de passar apressada, de cabeça baixa.

A gente ficava. Ele queria fazer sexo, mas eu não

Quando eu tinha mais ou menos 20 anos – bem antes dessa movimentação feminista atual que me ajudou a tomar consciência de que algumas atitudes masculinas não são legais – conheci um moço muito bonito, descolado, inteligente, ou seja, o máximo. Ficamos algumas vezes. Em alguns encontros eu não queria transar porque simplesmente não estava afim. Mas mesmo depois dos meus repetidos “nãos”, ele insistia em fazer sexo. Sua persistência era abusiva, seus movimentos brutos e seus toques rudes. A todo momento ele tentava tocar minha vulva sem minha permissão. Na época não me dei conta do que acontecia. Apenas anos mais tarde cheguei à conclusão de aquilo era – sim! – um tipo de estupro.

E você? Já foi vítima de abuso?

Falar sobre as experiências pelas quais passamos é um processo importante para aceitar o que aconteceu e também para superar. Além disso, é muito importante para ajudar outras mulheres a enfrentarem essa situação. Foi isso que pensamos ao decidir expor nossas histórias.

Se você sofreu violência, ligue para a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. O número é 180. Anônimo e gratuito esse serviço cobre todo o Brasil, 24 horas por dia, 7 dias por semana, incluindo finais de semanas e feriados.

Você também pode recorrer a qualquer delegacia para registro de um boletim de ocorrência, ou, caso haja no seu município, a uma Delegacia de Defesa da Mulher. É possível, ainda, ligar para a polícia (190). Caso não se sinta segura para ficar em casa, solicite abrigo na delegacia ou Centro de Referência de Atendimento às Mulheres.

 

 

 

 

 

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