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‘Me senti um lixo impotente’, diz uma das 22 milhões de brasileiras vítimas de assédio em 2018

Saiu no site CIRCUITO MT

 

Veja publicação original:   ‘Me senti um lixo impotente’, diz uma das 22 milhões de brasileiras vítimas de assédio em 2018

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Quatro mulheres contaram como é ser mulher em Cuiabá e o sentimento que carregam ao lidar com assobio, palavras e palpações que homens as dirigem

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Por Juliana Alves

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Pelo menos 22 milhões de mulheres brasileiras, com 16 anos ou mais, relatam ter sofrido algum tipo de assédio no último ano, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019. São comentários desrespeitosos, cantadas no ambiente de trabalho, palpações, abordagens agressivas ou beijos sem consentimento que trazem um sentimento de desconforto e medo nas mulheres.

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De janeiro a junho de 2019 foram registradas 112 ocorrências, com vítimas maiores de 18 anos, de assédio sexual em Mato Grosso, conforme os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado (Sesp/MT). Todavia, muitas mulheres não denunciam por conta do medo de não levar a nada, de sentirem que não faz qualquer diferença e por serem responsabilizadas pelo ato do outro.

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A convite do Circuito Mato Grosso, quatro mulheres compartilharam momentos em que foram assediadas e como se sentem por serem mulheres em Cuiabá, cidade em que foram registradas 29 ocorrências de assédio sexual este ano.

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No ambiente de trabalho

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Maria do Carmo* tem 42 anos e trabalhava como operadora de caixa de uma rede atacadista da Capital. No dia a dia de seu trabalho já sofreu muitas humilhações por parte dos clientes, mas uma em especial fez com que ela desmoronasse e chorasse.

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Um cliente foi extremamente grosseiro, passou a ofendê-la e com todas as palavras disse que o problema da funcionária era falta de relações sexuais, com palavras de baixo calão. Quando o gerente do mercado foi conversar com o homem após o ocorrido, ele simplesmente se defendeu e disse que ela não havia entendido o que ele quis dizer.

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Ela compartilha que se sentiu “um lixo impotente”.

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Em outro caso no ambiente de trabalho, temos Catarina*, 23 anos, que trabalha no marketing de um mercado de Cuiabá. Ela conta que certa vez o entregador do estabelecimento a chamou e ela foi cumprimenta-lo.

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“Eu estendi a mão, só que ele meio que me puxou e eu achei que ele ia dar um beijo no meu rosto, mas a cabeça dele veio em direção a minha boca. Eu desviei o rosto e ele beijou o meu cabelo, ficou uma coisa muito estranha. Ai chegaram mais algumas pessoas, ele ficou meio assustado e me soltou. Eu fiquei meio em choque e não estava entendo o que tinha acontecido”, relata.

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Catarina conta que ficou assustada e confusa. A mulher ficou com medo de que alguém ficasse sabendo e de que aquilo pudesse, inclusive, prejudica-la. “Fiquei apreensiva! Onde eu trabalho é um ambiente um pouco machista e se eu fosse no R.H (Recursos Humanos) poderia virar algo contra mim”.

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Na universidade

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Joana* tem 19 anos e estuda jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Na saída da instituição de ensino, a caminho do ponto de ônibus na Avenida Fernando Corrêa da Costa, ela mal se lembra como, a universitária foi atacada.

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“Eu ouvi alguns gritos como se um homem chamasse outra pessoa, mas não disse o meu nome então eu não me virei para ver. Ainda nesse caminho entre a rua e o IL (Instituto de Linguagens), o homem segurou o meu pescoço como se fosse um amigo com muita intimidade fazendo alguma brincadeira. Quando eu ouvi ‘Você não vai falar comigo não? ’ foi que eu percebi que não era ninguém que eu já tivesse visto antes”.

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Joana só conseguia implorar para ele parar repetidas vezes, com os olhos fechados ela sentia a mão dele em seu pescoço e outra na parte de trás da sua coxa. Ela não gritou, nem acelerou o passo, Joana só tentava ficar parada e ele a empurrava para dentro do Instituto. O homem simplesmente a soltou e foi embora com pressa.

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“Eu fiquei bem surpresa de não conseguir fazer nada, sempre achei que se algo acontecesse comigo eu ia gritar e dar um soco no cara. Logo depois que aconteceu eu não sabia bem o que sentir, nem falar e nem fazer. Nos primeiros minutos eu cheguei a me perguntar se era por causa do meu short curto, mas aí eu percebi que não era minha culpa. Até hoje acho que a única coisa que eu sinto é raiva, muita raiva”.

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Também da UFMT, Carina* de 20 anos conta que ali perto do Instituto de Linguagens tem um homem que aparentemente é uma pessoa em situação de rua. Certo dia ela estava no ponto de ônibus e ele estava bêbado, brigando com outra mulher.

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“Eu estava meio longe e ai esse cara começou a vir na minha direção e falou ‘olha que menina bonita’ e ai passou a mão no meu peito”, narra a estudante.

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Outras pessoas que estavam por perto foram defendê-la e o homem saiu correndo. “Só que acho que esse cara me vê como um rosto conhecido e sempre me pede cigarro. Eu não dou, mas tenho medo dele fazer alguma coisa. Fico com muito medo sempre que vejo ele e sempre que ele está ali no IL eu meio que tento me esconder e não olhar”.

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Na rua e no dia a dia

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Joana conta que já chegou a ser encurralada em supermercado para responder seu nome e telefone a homens. “Já insistiram em dar em cima de mim e pedir meu número mesmo após eu dizer que só tinha 11 anos”, conta se lembrando da infância.

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Carina relata que certa vez dentro do transporte coletivo, indo para a UFMT, um homem se sentou ao seu lado e começou a passar a mão na perna dela. “Eu só levantei e sai, não consegui falar nada”.

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Catarina, assim como Joana e Carina, relata que andar nas ruas não e nada fácil. Ela mora próximo a Avenida Fernando Corrêa da Costa e sempre tem que atravessar a via para poder pegar o transporte coletivo.

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“Nesse tempo passa carros e motos assobiando e falando coisas desagradáveis. Não é algo que aconteceu mês passado ou semana passada. Acontece todos os dias. Eu acordo cedo, vou pegar ônibus para trabalhar ou estudar e tenho que ficar aguentando cara fazendo ‘psiu’ e falando coisa desrespeitosa para mim”.

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Uma vez, enquanto a jovem andava pelo centro, um homem que aparentava estar sóbrio, entrou em sua frente, bloqueando a sua passagem e começou a falar “Você é gostosa”. Foram poucos segundos naquela situação, mas o suficiente para deixar a mulher com medo.

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“Todo dia tem que ficar lidando com cara sem noção, mexendo com você, falando coisas como se tivesse elogiando ou fazendo um favor. Eles passam buzinando, fazendo um escândalo e é desconfortável”.

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Joana aponta que ser mulher em qualquer lugar do mundo é uma luta diária e que há quem ache formas de justificar o assédio culpabilizando a vítima.  “Para superar o assédio diário tem que ter uma força descomunal, para seguir correndo os mesmos riscos tem que ter muita coragem e para viver na nossa pele tem que ser muita mulher mesmo”. O que ela defende que um homem cisgênero não seria capaz.

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Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019

(*Foram usados nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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