HOME

Home

Grupos se mobilizam para conscientizar a população sobre a masculinidade tóxica

Saiu no site A TARDE

 

Veja publicação no site original: Grupos se mobilizam para conscientizar a população sobre a masculinidade tóxica

.

A mãe de T, 36 anos, começou a fazer terapia depois que o filho chegou em casa, aos prantos, recuperando-se de uma tentativa de suicídio no último mês de outubro. Casado durante 14 anos com a mesma mulher, ele ainda não superou a separação ocorrida há nove meses e pensou em “acabar com a dor”.

.

A decisão de pular no trilho do metrô foi tomada na saída de uma sessão de terapia, em que ele chegou à conclusão de que não sabia o que significa “ser um homem, agir como um homem”.

.

“Eu não seria capaz de machucá-la, quem ama não fere”, afirma T, que admite entretanto que se sentia dono da ex-mulher. “Ela era minha e era bom porque ela quis ser minha”, afirma.

.

Socorrido por dois passageiros que estavam na plataforma, ele foi uma exceção. Entre janeiro e novembro deste ano, 78 mulheres baianas foram mortas por ex-companheiros. Quatro a mais do que no ano passado, segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

.

Independentemente do risco de haver ou não agressão física e assassinato, o que se tenta combater na sociedade é a noção de que o homem tem o direito de controlar a existência da mulher,  afastá-la dos amigos, investigar sua rotina, censurar suas roupas e atingir a sua autoestima, por exemplo.

.

Atrair a atenção de homens para o assunto é uma tarefa inglória. Durante a ação-surpresa Respeita as Mina, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), na entrada da Estação Rodoviária do metrô, na última terça-feira, era mais fácil ver pessoas tirando selfies com as personagens Júnior (Thiago Almasy) e Mainha (Sulivã Bispo) do que estendendo a mão para receber panfletos educativos das mãos de mulheres da campanha. “Não é um tema leve, mas o humor ajuda a atingir outros públicos”, avalia o ator Sulivã Bispo, que interpreta Mainha.

.

O operador de call center Anderson Sena, que conhece os atores, elogiou a iniciativa: “Qualquer coisa que se faça para diminuir a violência contra as mulheres é importante”.

.

Grupos de autoajuda anunciando a luta contra a toxicidade masculina estão aparecendo nas redes sociais, mas na maioria das vezes o homem tem que ser surpreendido em seu ambiente escolar ou de trabalho para prestar atenção.

.

Assim tem feito o grupo Mulher por Mulher, formado por 118 mulheres do subúrbio, que mantêm um grupo de WhatsApp e coordenam ações educativas e de protesto contra a violência de gênero. Uma das táticas é maquiar o rosto de mulheres, emulando agressões, e ir para semáforos em diferentes pontos da cidade exibir a imagem de um rosto agredido para motoristas e pedestres.

.

Outra estratégia usada pelo grupo é combinar com diretores de escolas públicas e privadas e chegar a uma sala de aula sem que os alunos saibam para surpreendê-los com o tema da masculinidade tóxica. Recentemente, elas estiveram em uma escola profissionalizante do subúrbio para questionar os alunos homens de um curso de eletricidade sobre piadas e atitudes discriminatórias em relação às alunas.

.

Ontem, as integrantes do Mulher por Mulher participaram, às 15h, no Largo do Pelourinho, de uma ação feminista coletiva criada a partir da canção popular chilena O estuprador é você, que se tornou conhecida em todo o mundo após a performance em Santiago de mulheres com os olhos vendados, apontando a um homem imaginário e afirmando que independentemente de onde a mulher esteja e que roupa ela veste, a culpa da violência é do homem.

.

.

Patriarcado

O Mulher por Mulher surgiu em 2015, por iniciativa de Marizete Pires, ela mesma vítima da masculinidade tóxica desde muito cedo. Com a perda do pai, aos 7 anos, Marizete viu seu irmão de 13 assumir o papel de “homem da casa”, o que ao longo de sua infância e adolescência resultou em agressões, 18 pontos na cabeça e toques de cunho sexual. “Entendo que era preciso mostrar aos homens que eles também são vítimas do patriarcado”, relata Marizete.

.

E esse tal de patriarcado? Estudioso das relações raciais e de gênero, e também da sexualidade, o antropólogo Osmundo Pinho explica que em algumas sociedades tradicionais africanas e em culturas ameríndias, em que a mulher tem um peso relevante nas relações de poder, as tentativas de agressão masculina por subjugação social e sexual se reduzem drasticamente.

.

A necessidade de “colocar a mulher em seu lugar” é o fruto natural de sociedades em que há o rebaixamento social da mulher à segunda divisão.

.

É o caso do cristianismo, judaísmo e islamismo. As chamadas religiões abraâmicas, cultos monoteístas que tomam por referência o profeta Abraão, que moldaram os países da Europa, Oriente Médio e Américas dentro da perspectiva de que ao homem cabe sempre o direito de governar e não ser questionado, mas também os deveres de abastecer a casa e de garantir o prazer da sua mulher.

.

.

Rompimento

Com os homens respondendo por 70% das visitas a seu consultório, a psicóloga e sexóloga Mirna Rosier ouve constantes relatos de pacientes com ansiedade para atingir um desempenho sexual que, muitas vezes, nem é possível,  mas que é alimentado pelas conversas entre amigos e pela indústria da pornografia. O que gera uma pressão para a qual o homem pode não estar preparado. “Há muitas formas de masculinidade, não apenas um padrão”, destaca a sexóloga.

.

A ansiedade desencadeia uma série de consequências para a relação a dois. O homem não tem o desempenho que se espera dele, vai gradualmente deixando de acariciar a companheira, por acreditar que não vai “dar conta do serviço”, e começa a se preocupar se ela não está buscando fora de casa o prazer que ele não proporciona. “ É a questão do empoderamento do falo, de ter a ereção”, define Mirna.

.

A frustração consigo mesmo leva o machão a querer reafirmar, com a violência, o poder que, ele considera, deve estar em suas mãos. E a reafirmação constante do poder começa com críticas à saia “curta demais”, a depreciação do corpo da companheira e avança para a agressão física.

.

“É uma questão difícil, porque, mesmo rompendo a relação, a mulher não escapa da perseguição do ex”, pondera a psicóloga Darlane Andrade, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim).

.

Além dos casos de mulheres de baixa renda que não se afastam do companheiro violento porque não têm como se sustentar sozinhas, há em todas as classes sociais os episódios em que, mesmo com o aumento da violência, a mulher não denuncia o companheiro porque não quer vê-lo preso.

.

“Tem essa coisa cultural da mulher querer cuidar do homem”, destaca Darlane.   Ela alerta que a mulher deve ficar atenta aos sinais de ciúme excessivo e controle e se afastar. Se, mesmo com o rompimento, continuar sendo procurada e seguida, deve mudar de endereço.

.

.

Violência

E, para completar a tragédia, há casos em que a vítima busca se proteger, como determina a lei, e nem assim escapa da violência. Como aconteceu à estudante de serviço social Elitânia Souza, 22, morta a tiros na saída do campus de Cachoeira da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), no dia 27 de novembro, mesmo já tendo medida protetiva contra o ex-namorado Alexandre Passos Silva Góes, que já havia sido acusado de agressão durante o namoro.

.

“A punição não é suficiente para conter o feminicídio”, avalia o antropólogo Osmundo Pinho, professor da UFRB. Ele acredita que as estatísticas  só mudariam no médio prazo com a adoção conjunta de três medidas: a reeducação da sociedade, a promoção da equidade entre os gêneros e a já mencionada punição, que tem que ser rápida.

.

Pinho viu de perto o drama da masculinidade tóxica quando uma mulher que fazia trabalho doméstico em sua residência, em Cachoeira, viu a filha de 19 anos engravidar e ser desprezada pelo namorado, que não quis fazer o exame de DNA; pelo pai, que a culpou pela gravidez; e pela comunidade, que a vilanizou.  “A mãe entrou em um processo de degradação mental e passou a viver na rua”, conta.

.

Ele ressalta que a masculinidade tóxica não se limita aos corpos masculinos e está impregnada na sociedade, podendo se manifestar em relações homoafetivas.

.

O pesquisador vê no aumento dos casos de assassinato de mulheres uma reação conservadora aos avanços emancipatórios conseguidos nas últimas décadas, assim como acontece com os negros e a população LGBTQ+.

.

.

Confronto

Pinho analisa que houve uma aliança entre o que classifica de  “velha rigidez” com a “nova rigidez religiosa”, representada pelo avanço das igrejas neopentecostais: “Há um momento de confrontação de modelos. Há um desejo de retrocesso, mas há resistência”, avalia ele, que se declara otimista quanto ao triunfo do lado emancipatório. “O conservadorismo pode ficar uns 10 anos, mas haverá mudanças”.

.

Para ele, a sociedade “está mais complexa, há alternativas”, mas pensa que para que haja progressos é preciso que as pessoas se engajem na defesa dos direitos. Particularmente, no caso da masculinidade tóxica, que os agressores não tenham respaldo dos amigos. “Chama a atenção que os homens bons acolham os homens maus”, afirma.

.

Na hora de pedir ajuda, a mulher ameaçada pela violência pode procurar diferentes entidades na capital baiana. “Há uma rede de proteção às mulheres que deve ser acionada quando necessário”, afirma a coordenadora da Defensoria Pública do Estado da Bahia, Lívia Silva Almeida.

.

A rede inclui duas delegacias especiais de atendimento à mulher (Deam), a Defensoria Pública, o Centro Maria Felipa, nos Barris, o Centro de Referência de Atenção à Mulher Lorena Valadares, também nos Barris, o Projeto Viver, no Vale dos Barris, além de outros 13 órgãos ligados à Justiça, polícia, governo, hospitais e sociedade civil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME