O futebol é o esporte mais popular do Brasil e é unanimidade em todas as regiões do país. Mas no Amazonas, até pouco tempo atrás, essa paixão atraía muito mais olhos para a televisão do que pessoas para o estádio. Isso porque o Flamengo (clube do Rio de Janeiro) é o time mais popular do estado, e os jogos de equipes locais — que figuram nas divisões mais baixas —  nunca atraíram muito público. Quer dizer, no futebol masculino. Porque no feminino a história é outra.

Fundado em 2011 em Manaus, o Iranduba tem tido o apoio da prefeitura para reacender a chama do futebol nos manauaras. A capital agora abriga um estádio “padrão Fifa”, construído para a Copa do Mundo e com capacidade para 44 mil pessoas, e não conseguia preenchê-lo por nada nesse mundo apenas com os jogos locais das equipes masculinas — o Nacional, um dos principais times da cidade, raramente colocava um público que chegasse na casa do milhar na arena.

Somente quando o Flamengo viajava até Manaus para fazer um jogo lá, a Arena da Amazônia conseguia lembrar seus tempos áureos de arquibancadas cheias. Mas isso até o Iranduba se firmar. Hoje é ele —  e, mais do que tudo, são elas — que fazem o estádio pulsar no ritmo da torcida.

No ano passado, quando foi classificado para o mata-mata do Campeonato Brasileiro, o Iranduba já chegou a levar públicos altos para a Arena, comparado com os padrões amazonenses — mais de 8 mil pessoas foram ver Iranduba x Corinthians lá. Depois, no fim do ano, a final da Liga Feminina de Futebol Sub-20 teve mais de 17 mil pessoas para prestigiar as meninas do Hulk, como o clube é carinhosamente apelidado.

Mas foi neste ano que elas caíram de vez nas graças do público manauara. Somando o jogo das quartas-de-final e da semi realizados na Arena da Amazônia, mais de 40 mil pessoas foram ao estádio torcer pelas mulheres do Iranduba.

Foram 15.107 no jogo contra o Flamengo (quando os torcedores da casa abriram mão do clube carioca de coração e foram torcer pelo time da cidade) e mais 25.371 na partida contra o Santos. Números que colocam o Iranduba na história do futebol feminino no Brasil — o público da partida contra o Santos foi o maior da história da modalidade em competições entre clubes.

 

Números que comprovam que a cidade de Manaus abraçou o Iranduba com gosto de quem ansiava há muito tempo por um time para quem torcer…EM CASA. As mulheres reacenderam a paixão dos manauaras pelo futebol local e estão transformando a relação deles com o esporte desde que chegaram para valer — especialmente no projeto que começou há dois anos.

História

O Iranduba passou a ganhar projeção nacional a partir do ano passado, quando um novo projeto — bastante ambicioso — foi implementado no clube. O presidente, Amarildo Dutra, resolveu investir forte no futebol feminino e trouxe um diretor de futebol experiente para coordenar o planejamento. Lauro Tentardini, que era do tradicional Kindermann (Santa Catarina), aceitou o desafio de ir para Manaus e conseguiu trazer consigo 15 jogadoras daquelas que tinham atuado com ele na equipe catarinense.

A partir daí havia dois planos principais: o primeiro era tornar o futebol feminino no Iranduba algo profissional, com treino em dois períodos e toda a estrutura que as atletas precisassem; o segundo era (e é) ousado.

“O projeto do Iranduba não é conquistar o título em cinco anos, é ser o maior clube de futebol feminino em cinco anos“, afirmou Tentardini em entrevista ao podcast das ~dibradoras.

“O título a gente pode conquistar esse ano, no próximo…mas a ideia é fazer um clube estruturado. Então espero que, ao fim de 2020, o Iranduba esteja entre os 3 primeiros do ranking da CBF.”

O planejamento tem dado certo. No ano passado, pela primeira vez o Iranduba conseguiu se classificar para a fase de mata-mata do Brasileiro e, neste ano, chegou ainda mais longe — na semifinal. O público abraçou de vez o time, o que faz com que o clube consiga ainda arrecadar dinheiro da bilheteria dos jogos — que têm preço médio de ingresso a R$10 ou R$ 20.

A prefeitura também tem dado seu apoio, liberando o uso da Arena da Amazônia para o Iranduba de graça e deixando que todo o valor arrecadado com os jogos fique com o clube. “É a nossa forma de ajudar a fomentar o futebol feminino por aqui. Elas estão resgatando a paixão do amazonense pelo futebol e sempre terão nosso apoio”, disse Fabrício Lima, secretário de esportes do Amazonas.

Com o sucesso dentro de campo, o Iranduba ganhou o apelido de “Incrível Hulk da Amazônia, com direito à presença do super-herói verde nos telões do estádio para anunciar a escalação nos jogos. Além disso, hoje as atletas já têm uma comemoração característica: a famosa flechada. Ela surgiu num misto de preconceito e brincadeira em um jogo contra a Ferroviária em Araraquara em 2016.

“Chegamos lá e o pessoal estava falando: olha aí, é o time das índias, o time das índias. Aí combinamos que se a gente fizesse o gol, iria comemorar dessa maneira. E fizemos”, contou a zagueira Ingrid Sorriso.

Ela e suas companheiras de clube, inclusive, têm se impressionado com a forma como o povo amazonense vem recebendo tão bem o futebol feminino.

“Acho que eles têm gostado do futebol que a gente vem mostrando e têm comparecido. Estão acreditando e nos apoiando bastante. Onde a gente vai, as pessoas reconhecem”, afirmou Sorriso.

“Eu já joguei em outros estados. Acredito que somos o único time que consegue fazer isso no país. É difícil para outras equipes colocar 500, 1000 pessoas”, afirmou a meio-campista Djenifer ao jornal El País.

Diante de tudo isso, as atletas do Iranduba, independentemente de título, já deixaram um grande legado para o futebol amazonense. Elas resgataram o orgulho do torcedor e fizeram o povo manauara ter prazer de novo em sair de casa para ir ao estádio ver um time da região jogar e honrar a camisa de verdade.

O “Incrível Hulk” é a grande resposta àqueles que dizem que “futebol feminino não atrai público”. A realidade é que futebol é futebol, qualquer que seja o gênero, e que quando é bem feito e bem planejado, pode atrair multidões aonde estiver — até mesmo “no meio da floresta”.