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Em 2019, ainda há falta de igualdade de gênero no meio jurídico

Saiu no site JOTA INFO

 

Veja publicação original: Em 2019, ainda há falta de igualdade de gênero no meio jurídico

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Se o meio jurídico é desigual, o que cabe a nós, advogadas e advogados, fazermos para mudar isso?

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Nós, mulheres, representamos pouco mais de 48% dos inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Em alguns estados, como é o caso do Rio de Janeiro, nós já ultrapassamos, em quantidade, os nossos colegas homens. Com base em um recorte etário, percebe-se que o futuro da advocacia é predominantemente feminino: não há um estado da federação sequer com mais homens do que mulheres advogadas até os 25 anos de idade. Na faixa dos 26 aos 40 anos, apenas no Piauí e Maranhão há mais advogados do que advogadas inscritas[1].

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Entretanto, nem por isso podemos dizer que, hoje, no meio jurídico há uma igualdade de gênero plena. Pelo contrário. Basta analisarmos, por exemplo, que embora o número de mulheres inscritas seja praticamente paritário em relação aos homens, o número de mulheres sócias de escritórios é absolutamente inferior. No caso do estado do Paraná, as mulheres representam apenas 37% dos sócios de escritórios.

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Para os que ainda desacreditam que o meio jurídico é desigual, a recentíssima história nos responde. Apenas em 2007, uma Ministra do Supremo Tribunal Federal ousou usar calça comprida para trabalhar. Até os anos 2000, o traje era proibido para mulheres na nossa corte constitucional[2].

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No ano passado, em 2018, chamou a atenção da comunidade jurídica o caso da advogada que foi impedida de fazer uma sustentação oral, no TRT de Goiás, porque, no entendimento de um dos desembargadores, ela estava usando uma blusa de alça. No entanto, a mulher usava um vestido cumprido e sem mangas para facilitar a amamentação do seu filho. A advogada só conseguiu subir a tribuna e realizar o seu ofício quando um colega lhe emprestou um blazer[3].

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No que tange à vestimenta, são diversos os constrangimentos e dificuldades impostos às mulheres advogadas ao redor de todo o país[4]. Em 2018, o Tribunal Superior do Trabalho chegou a editar o Ato n.º 353/2018, revogado dias depois, dispondo sobre o uso de vestimenta para acesso e permanência no tribunal, somente para pessoas que se apresentarem com “decoro e asseio”. Referido ato vedava expressamente a entrada de pessoas do sexo feminino trajando shorts e suas variações, bermuda, miniblusa, blusas decotadas, minissaia, roupas com transparências, calças colantes e calças jeans rasgadas. A questão não é que mulheres queiram trabalhar vestindo qualquer traje, mas sim que ainda se acham no direito de regular a presença feminina nesses espaços, em razão de exames casuísticos acerca da sua adequação.

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Um caso de discriminação de gênero ainda mais notório ocorreu com a advogada negra Valéria Santos. Ela foi algemada durante uma audiência, na comarca de Duque de Caxias (RJ), pelo simples fato de requerer vistas da contestação do réu, após uma infrutífera tentativa de acordo. A juíza leiga negou o seu direito e encerrou a audiência. Quando Valéria se recusou a deixar a mesa de audiência, a “magistrada” chamou os seguranças, que a algemaram. Não obstante o inquestionável racismo que permeia o episódio ocorrido com Valéria, não se pode negar o componente de gênero presente no que ocorreu[5]. Poderíamos imaginar um advogado homem passando pelo mesmo?

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Entretanto, se o meio jurídico é desigual, o que cabe a nós, advogadas e advogados, fazermos para mudar isso? Cabe muita coisa. Talvez, a mais importante delas seja a união da classe, também através da Ordem dos Advogados, para dar luz a causa, ao invés de simplesmente ignorarmos as questões que particularmente atingem a mulher advogada. É urgente a necessidade de debatermos entre homens e mulheres o assédio moral e sexual e a violação específica das prerrogativas das advogadas.

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É verdade que a questão não está totalmente encoberta e, paulatinamente, tem ganhado notoriedade. Em 2015, a Ordem aprovou o Provimento 164, que trata do Plano de Valorização da Mulher Advogada. Dentre as inúmeras medidas do plano, há a previsão de uma conferência nacional da mulher advogada, a cada mandato e a determinação de cotas de ao menos 30% para um dos gêneros nas comissões da OAB. Ademais, o plano igualmente coloca que, a critério de cada seccional, poderá ser previsto um valor diferenciado, para menor, ou isenção “na cobrança da anuidade da mãe no ano do parto ou da adoção, ou no caso da gestação não levada a termo”. No Rio de Janeiro e no Paraná esse benefício já existe, como um programa da CAARJ e da CAAPR.

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Em 2016, tivemos a aprovação da Lei Julia Matos (Lei 13.363/2016), que positiva direitos básicos a advogadas gestantes, lactantes e adotantes. Cita-se a expressa previsão de reserva de vaga de garagem nos fóruns e tribunais para as advogadas gestantes, o acesso a creche ou a local adequado ao atendimento das necessidades do bebê, e a suspensão dos prazos processuais, por 30 dias, quando a advogada mãe for a única patrona da causa e a preferência na ordem de sustentação oral.

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Julia Matos, quem dá o nome a lei, é filha da advogada Daniele Teixeira. A advogada teve o seu direito de preferência para sustentar oralmente no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) negadopelo então Presidente do órgão e, após uma manhã inteira e metade da tarde esperando o momento da sua fala, começou a ter contrações que culminaram no nascimento de sua filha. Julia nasceu prematura e ficou 61 dias internadas na UTI. A lei é uma verdadeira conquista da mulher advogada, mas falta ser efetivamente cumprida. No capital paranaense, a primeira unidade judiciária a demarcar a vaga exclusiva para advogada gestante, por exemplo,o fez apenas em julho deste ano[6].

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Ainda, deve ser citado o grande avanço na luta das advogadas que foi a implementação, a partir das eleições de 2021, de cota de 30% para mulheres nas chapas da OAB. No triênio atual, nenhuma mulher foi eleita presidente de seccional da OAB, sendo que no último triênio, a única mulher eleita foi Fernanda Marinela, no Alagoas. Atualmente nenhuma mulher compõe a diretoria da OAB Nacional e o Conselho Federal nunca foi presidido por uma mulher.

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Representatividade importa e não é falácia. Ao ascender aos postos mais altos da OAB, as mulheres conseguem dar luz, com maior amplitude, as questões da mulher advogada. Ainda, através do exemplo, a participação de mais mulheres nos espaços de decisão da OAB faz com que aumente o número de mulheres que se interessem em ocupar esses espaços pelo simples fato de acharem possível.

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Sendo assim, fica a reflexão de que não podemos negligenciar a significativa desigualdade de gênero que ainda permeia o nosso meio. A luta pela igualdade entre advogadas e advogados existe e avanços foram alcançados, mas ainda há muito pela frente. Só assim atingiremos a verdadeira paridade, não apenas em número de inscritos, passando a existir uma Ordem dos Advogados e Advogadas do Brasil.

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[1] Dados disponíveis em: https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados. Acesso em 30.08.2019.

[2] “Ministra faz história no STF usando calça comprida”. Link: https://extra.globo.com/noticias/brasil/ministra-faz-historia-no-stf-usando-calcas-compridas-737094.html. Acesso em 22.08.2019

[3] “Advogada diz que ficou ‘extremamente constrangida’ após desembargador questionar sua roupa, em Goiânia”. Link: https://g1.globo.com/goias/noticia/advogada-diz-que-ficou-extremamente-constrangida-apos-desembargador-questionar-sua-roupa-em-goiania.ghtml. Acesso em 22.08.2019

[4]Maiores detalhes: https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI301492,91041-Com+tudo+pra+fora+Servidores+tentam+impedir+entrada+de+advogada+no Acesso em 23/08/2019
https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI271206,91041advogada+e+advertida+em+forum+por+uso+de+decote Acesso em 23/08/2019

[5] Advogada que foi presa dentro de sala de audiência no RJ notou ‘certo desdém’ de juiza leiga”. Link: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/09/11/advogada-que-foi-presa-dentro-de-sala-de-audiencia-no-rj-notou-certo-desdem-de-juiza-leiga.ghtml. Acesso em 22.08.2019

[6]https://www.oabpr.org.br/sede-da-maua-e-a-primeira-unidade-judiciaria-da-capital-a-demarcar-vaga-exclusiva-para-advogada-gestante/ Acesso em 22/08/2019.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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