HOME

Home

Eleições ainda são desafio para pessoas trans, inclusive dentro de partidos

Saiu no site huffpostbrasil

‘Quem imaginaria, uma transexual, uma travesti, prefeita?’, questiona Helena Vieira, que foi a primeira pré-candidata trans à prefeitura de Fortaleza.

“Eu sempre peço para que as pessoas fechem os olhos e imaginem um político”, diz Helena Vieira, escritora, especialista em Gestão de Políticas Públicas pela USP (Universidade de São Paulo) e mulher trans, ao HuffPost. “A imagem que sempre vem é um homem, branco, mais velho, talvez aquele político da ‘Praça é Nossa’, não é?”.

Neste ano, a própria Helena contribuiu para tentar mudar esse imaginário. Ela foi a primeira trans a se candidatar à disputa pela prefeitura de Fortaleza (CE). No entanto, nas primárias do PSol, ela perdeu para Renato Roseno, advogado e servidor público, escolhido pelo partido para disputar o pleito municipal.

Assim como na capital cearense, em São Paulo, a pré-candidatura de Alexya Salvador à vice-prefeitura pelo PSol também chamou atenção. Educadora, ela é religiosa e em janeiro foi ordenada como a primeira reverenda trans de uma igreja cristã na América Latina. A chapa de Alexya, com a deputada Sâmia Bomfim liderando, também não foi escolhida. No lugar, venceu a chapa de Guilherme Boulos e Luíza Erundina como vice.

Helena diz acreditar que, apesar da dificuldade existente de pessoas trans em transitarem na política institucional, as duas candidaturas apresentaram para a sociedade outros sujeitos que “não estavam tradicionalmente na política” em um contexto em que “novas vozes são necessárias”.

“O que acontece é que o imaginário sobre a política é dominado por um conjunto de figuras que, historicamente, foram os grandes atores da falência”, diz Helena, ao se referir a governos anteriores, como o do PT (Partido dos Trabalhadores), que se envolveu em escândalos de corrupção, e a crise política em curso no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

“Elas [candidaturas trans] abriram uma fissura no imaginário político. Quem imaginaria, uma transexual, uma travesti, prefeita?”, questiona. “Trata-se de produzir sobre o imaginário social a respeito da política outras imagens. Imagens essas que irão nos provocar, que irão provocar as discussões.”

Alexya concorre atualmente ao pleito como pré-candidata a vereadora pelo PSOL em São Paulo. Nas eleições de 2018, ela concorreu como candidata a deputada estadual pelo mesmo partido e teve cerca de 11 mil votos.

“O fato dela ser pastora evangélica, mãe que adotou crianças… ela tem uma entrada no movimento e discute a questão da LGBTfobia dentro da religião, da família”, diz Evorah Cardoso, doutora em sociologia política pela USP (Universidade de São Paulo), co-diretora do grupo #MeRepresenta e integrante do #VoteLGBT.

Mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, o pleito de 2020 deve ter um recorde no número de candidatos que se declaram como LGBTs, além de um aumento de candidaturas de aliados à causa. 

Segundo levantamento da ONG Aliança Nacional LGBTI+ com dados até 30 de julho, de 456 pré-candidaturas de LGBTs registradas até então, 69 eram de pessoas trans.

A organização continuará monitorando as pré-candidaturas até o próximo dia 26 de setembro. Até lá, este número pode aumentar ou diminuir. Neste ano, com a crise sanitária, as eleições municipais foram adiadas para 15 e 29 de novembro – primeiro e segundo turnos.

Nas eleições municipais de 2016, a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), contabilizou cerca de 85 candidatos, em um universo de 496.895 candidaturas registradas, mas apenas oito conseguiram se eleger.

Apesar de os números de candidaturas de 2020 de trans serem, até agora, mais baixos do que no pleito anterior, o contexto ainda pode trazer avanços não só em números, segundo especialistas ouvidos pelo HuffPost.

“Trazer essas mulheres trans para essas chapas é uma forma de dar visibilidade a elas dentro desse processo de disputa – não só interna, dentro do partido, mas também apresentá-las para um público maior de possíveis eleitores”, diz Cardoso.

A especialista avalia, porém, que a forma como os partidos – que ainda têm comando majoritariamente masculino – tratam candidaturas trans, precisa ser repensada. No geral, estas candidaturas não ganham apoio integral das legendas e têm poucos recursos disponibilizados.

“A contribuição que esses corpos trazem para a política e a disputa eleitoral é clara. Mas qual é a real visibilidade e o apoio que essas candidaturas vão receber desses partidos políticos? Muitos partidos têm setoriais de mulheres, mas nem todos os partidos possuem setoriais LGBTs, por exemplo.”

Para Cardoso, o País ainda está traçando um caminho para ter mais representação na política. “Quando determinados corpos chegam na política institucional, eles vão puxando outros. Esses pioneiros ainda estão chegando.”

Evolução das candidaturas de pessoas trans no Brasil

Kátia Tapety foi a primeira travesti eleita um cargo político no Brasil, em 1992. Na época, ela ocupou o cargo de vereadora no município de Oeiras, no interior do Piauí. De lá para cá, Keila Simpson, presidente da Antra, avalia positiva a eleição de deputadas como Erica Malunguinho, em São Paulo, de Erika Hilton, também na capital paulista e de Robeyoncé, em Pernambuco – ambas por mandato coletivo –, mas pontua que ainda há desafios.

“A gente sai de uma pessoa só, no interior do Piauí, e começa a ganhar uma dimensão quase que nacional. Isso já é muito potente. Mesmo a política ainda sendo um ambiente nocivo para as pessoas trans, quando uma candidatura como essas [de Helena Vieira e Alexya Salvador] têm a possibilidade de disputar um pleito eleitoral, já é algo a ser comemorado.”

Para Simpson, apenas o fato de as candidaturas ganharem espaço e certa visibilidade dentro dos partidos no atual momento, já é significativo e marca um território. ”É importante porque eleva muito a autoestima coletiva e faz com que pessoas trans que não pensavam em chegar nesse lugar olhem e vejam que é possível. Isso tem uma função que é maior, é de incentivo.”

No dia 1º de março de 2018, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que o termo “sexo” usado na Lei das Eleições de 1997 deveria ser lido como gênero. Isso abriu caminho para que pessoas trans se registrassem de acordo com o gênero que adotam, e não de acordo com seu sexo biológico. O HuffPost pediu ao TSE um levantamento de registros de pessoas trans nas eleições em 2020, mas até a publicação deste texto, não obteve resposta.

Dessa forma, a cota de 30% destinada a candidaturas femininas também passa a beneficiar travestis e mulheres trans. A corte também decidiu que o nome social de trans deve ser reconhecido, mesmo sem alteração do registro civil, presente no registro geral. Horas depois, e também em 1º de março, o Supremo Tribunal Federal decidiu que trans poderão alterar em cartório o nome e o registro de sexo presente no registro civil.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME