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Doentes de amor: histórias de homens que amam demais

Saiu no site MARIE CLAIRE

 

Beto* emagreceu dez quilos em 15 dias e precisou largar o trabalho. Felipe* passou dois meses sem dormir e se afastou dos amigos. Fernando* virou alcoólatra e perdeu seis apartamentos. Assim como Caio, personagem de Rodrigo Lombardi na novela de Glória Perez, todos eles lutam contra um vício na mais delicada das drogas: a paixão.

Pensei várias vezes em me matar. Queria morrer rápido, me jogar da plataforma do metrô ou do alto de um prédio. Não via saída para o vazio que sentia sem minha mulher.” Depois de dois anos e um filho, o casamento do publicitário Fernando*, hoje com 52 anos, acabou contra a vontade dele. Ele perdeu o chão, começou a beber e demorou a recuperar a autoestima. Viveu outros cinco relacionamentos problemáticos, nos quais era abusado emocional e financeiramente pelas mulheres. Há seis meses, faz um tratamento psiquiátrico exclusivo para dependentes emocionais, pessoas que adoecem de paixão. Lá, descobriu que sua história não é única. É, na verdade, o típico roteiro de homens que sofrem de amor patológico, um problema que pode arruinar vidas. Para jogar luz sobre o tema, a novelista Glória Perez construiu o enredo do personagem Caio, vivido pelo ator Rodrigo Lombardi em A Força do Querer, baseado em histórias como a de Fernando. Na trama das 9 da TV Globo, Caio não conseguirá esquecer seu grande amor, Bibi, interpretada por Juliana Paes. Mesmo após 15 anos do término do namoro, ele segue solteiro enquanto Bibi está casada com outro. “Não são só as mulheres que padecem desse mal”, diz a autora. “Quero mostrar que os homens também ultrapassam os próprios limites e são desafiados pelo desejo. Na maior parte das vezes, nem se dão conta de que precisam de tratamento. São apenas vistos como ciumentos e possessivos, mas o problema vai muito além disso.” Viver exclusivamente para o outro, prestar cuidados e atenção ao parceiro de maneira repetitiva e descontrolada e deixar de fazer atividades que dão prazer são alguns dos sintomas da doença, segundo Cintia Sanches, psicóloga do grupo PRO-AMITI, que trata de amor patológico e ciúme excessivo no Hospital das Clínicas, em São Paulo. A psicanalista Taty Ades, autora de Hades – Homens que Amam Demais (Editora Isis, 184 págs., R$ 32), aponta outro ponto do comportamento típico de quem sofre do mal. “São obsessivos e nada mais importa, somente a pessoa desejada.” A história familiar, muitas vezes, é a raiz do problema. “Esse perfil geralmente vem de um lar desajustado”, explica Taty. Para tratar a doença, o mais indicado é terapia e, em alguns casos, medicação. “Os grupos de apoio são fundamentais. A técnica do ‘espelho’ é muito eficiente: ver o outro com o mesmo problema e apoiá-lo”, diz Cintia.

Doentes de amor (Foto: Divulgação)

“Pensei em me jogar da plataforma do metrô”
Fernando*, 52 anos, publicitário

“Sempre achei as mulheres que fogem um pouco do padrão interessantes, inteligentes e sedutoras. Minha vida foi um eterno casa e descasa até o final do ano passado, quando decidi me tratar. Sofria de amor patológico. No total, foram cinco esposas, um namoro com uma companheira de AA (Alcoólicos Anônimos) – também viciada em cocaína – e um caso rápido com uma psicóloga diagnosticada borderline, com transtorno de personalidade, que se mutilava na minha frente. Vivi incontáveis situações de humilhação verbal e física. Cheguei a levar uma facada na perna durante uma discussão com uma delas.

 

 

  • Podia ter dinheiro, carreira estável, mas, se não estivesse com alguém, não me sentia feliz. Essa sequência de erros começou já no meu primeiro casamento, aos 18 anos, quando saí da casa da minha mãe, porque não me dava bem com meu padrasto. Logo oficializei a união com Sabrina*, namorada na época. Com ela tive meu primeiro filho, Rafael* (hoje com 33 anos), mas nos separamos em dois anos.

A ausência dela e do meu filho me levou a um segundo problema: o alcoolismo. Preenchia o vazio com uísque, meia garrafa por dia, mas depois parti para a cachaça. A vida profissional, claro, começou a degringolar. Atrasos nas reuniões, falta de concentração, ressacas terríveis. Pensei várias vezes em me matar pulando da plataforma do metrô ou de um prédio. Queria morrer rápido. Durante esses pensamentos suicidas, liguei para minha mãe e pedi ajuda. Ela me levou ao AA (Alcoólicos Anônimos). No dia 19 de setembro de 1991, data em que cheguei lá, renasci.

Comecei a me recuperar de um vício mas o outro só piorava: envolvimentos afetivos disfuncionais. Em uma viagem a Vitória (ES), conheci Carmem*. Ela, dez anos mais jovem, mudou-se para minha casa, em São Paulo, na mesma semana. Em poucos meses, casei novamente e tive meu segundo filho, Marcelo* (hoje com 21 anos). Carmem era fria, agressiva. Durante uma discussão, me esfaqueou na perna esquerda. Ela queria sempre mais: compras em marcas de luxo, viagens internacionais. Foi um relacionamento de sete anos que custou todos os meus bens (seis apartamentos de 200 a 400 metros quadrados cada, no bairro dos Jardins, em São Paulo).

Menos de um ano depois, conheci minha terceira mulher, em frente a um carrinho de cachorro-quente. Após um mês, já vivíamos juntos. Na época, Sandra* era booker e 14 anos mais nova. Éramos parceiros e nos dávamos bem. Mas dependia muito dela emocionalmente, e um dia Sandra decidiu se separar justamente por isso: eu era como um filho dela. Meu mundo desabou. Foi um inferno. Fiquei muito deprimido. Para piorar, tive um melanoma grave (câncer de pele). Fiz quimioterapia e desenvolvi várias alergias que até hoje não curaram. Nada me consolava. Desta vez, me reergui pelo meu filho. Sempre fiz tudo pelos outros, nunca por mim.

Quando me senti melhor, voltei a sentir a necessidade de alguém ao meu lado. E fui para o Facebook procurar ex-namoradas até que encontrei uma da juventude, que viria ser a quarta esposa. A história, claro, se repetiu, e meses depois pedi o divórcio. Pouco depois, conheci a quinta, uma mulher diagnosticada bipolar, na fila do pão de um mercado. Ela quase me enlouqueceu, suas crises de humor eram muito frequentes. Quando finalmente foi embora, no final do ano passado, decidi que não poderia mais viver daquele jeito. Uma amiga me indicou o Coda (Grupo de Codependentes Anônimos). No total, já são sete meses em abstinência emocional. Venci o álcool e espero vencer os relacionamentos destrutivos.”

  • Doentes de amor (Foto: Divulgação)

“Levei dez anos para esquecê-la”
Beto*, 49 anos, antropólogo

 

“Minha vida mudou completamente após conhecer Carla*, aluna do meu curso de linguística e professora de português. Me entreguei rapidamente à paixão por ela e em um ano estávamos casados. Mas, da mesma maneira que o amor por ela me trouxe as melhores lembranças da vida, também quase me matou. O martírio começou numa noite, depois de dois anos morando juntos, em que decidi buscá-la na escola onde dava aulas sem avisá-la. Quando cheguei ao estacionamento, Carla estava dentro de um carro aos amassos com outro professor. Entrei em pânico. Corri para casa e a esperei aos prantos. Quando finalmente chegou, contei o que vi, desesperado. Pega de surpresa, tentou negar, mas logo assumiu e disse que não queria mais ficar casada comigo. Pegou a bolsa e partiu. Naquele momento, achei que não iria sobreviver. A vida sem ela não fazia o menor sentido. Implorei para que não fosse embora, mas ela foi firme. Voltei para a casa dos meus pais.

 

 

Por causa da fixação por ela, depois que terminamos perdi 10 quilos em duas semanas, a imunidade foi para o chão, tive pedras nos rins e uma forte crise de bronquite. Precisei pedir uma licença no trabalho, pois não tinha condições físicas nem emocionais de seguir com as tarefas diárias. A obsessão tomou conta de mim. Não dormia, não comia, só pensava nela. Até me passei por outra pessoa na internet para tentar reconquistá-la, em vão. Demorei dez anos para me ‘curar’ desse amor. No fundo, sempre achava que um dia voltaria para mim. Mesmo longe, folheava todos os dias um álbum com 200 fotos dela para me sentir mais perto. Tenho guardado até hoje, mas não olho mais.

 

 

Como não conseguia me relacionar com ninguém, criei um plano maluco: montei um perfil falso no Facebook. Eu ‘era’ um homem de família árabe, rico, dono de uma empresa de tecidos. Curtia e comentava algumas publicações dela. Um mês após a interação diária, ela me enviou um pedido de amizade. Fui longe nessa ficção: criei um personagem problemático, que tomava antidepressivos, que havia se separado após um acidente de carro matar sua única filha. Carla se compadeceu e começou a apoiá-lo por causa do drama pessoal.

Quando consegui a confiança dela, entrei com a segunda fase do plano: convencê-la a falar do ex (no caso, eu). Queria confissões. Ela disse que nunca me amou, me achava uma pessoa carente. Fiquei arrasado, mas continuei com a farsa. Eu a aconselhava a voltar a falar comigo. E foi o que fez. Me chamou no chat do Facebook, mas apenas para saber se estava bem.

 

 

Com o tempo, comecei a sentir ciúme e raiva do meu próprio personagem. Ele era tudo o que quis ser e não consegui. Criei a pessoa perfeita para ela. Minha inveja era tanta que comecei a sabotá-lo. Queria ‘matá-lo’. Deixei-o offline por uma semana. Preocupada, sem notícias do dono da loja de tecidos, ela comentou comigo que iria rastrear as últimas mensagens dele para descobrir a localização real, pois já se sentia enganada. Na hora eu gelei. Ela saberia que o dono do perfil era eu! Não sei se isso foi um chamariz para eu confessar algo, mas fiquei calado. No outro dia, me chamou no chat e falou: ‘Você está se passando por outra pessoa, não está?’. E me bloqueou em todas as redes. Senti tanta dor como na vez em que ela saiu de casa mas, agora, com muita vergonha junto. Foi por causa dela que finalmente busquei terapia e grupos de ajuda. Foram mais dois anos até conseguir esquecê-la. Hoje tenho uma namorada, que sabe da minha história com a Carla. Fiz questão de contar a verdade: aceitar o problema para mim mesmo e para os outros foi o primeiro passo para me curar. Aprendi que a vida só recomeça depois que você decide viver.”

Doentes de amor (Foto: Divulgação)

“Emagreci 20 quilos em dois meses”
Felipe*, 49 anos, administrador

“Sou de família italiana, tive uma educação rígida, pouco carinho e muita porrada. Por causa disso, sempre fui muito carente e busquei excesso de amor nos relacionamentos. O ciúme doentio que sentia acabou com meu casamento de 25 anos.

 

 

Conheci Estela* em uma boate em São Paulo, durante a juventude. Foi paixão à primeira vista. Era linda, muito atraente. Cabelos longos, ondulados, corpo esguio. Morávamos perto, o que facilitou a aproximação.

 

 

Com pouco tempo de namoro, nos casamos. Só que era dependente de mim para tudo – e eu adorava aquilo. Para mim, ciumento, era o tipo de relação ideal. Tinha total controle sobre o que ela fazia. Até que, um dia, decidi dar um carro para ela. Logo me arrependi: ficava fantasiando sozinho, achando que saía para me trair. O ciúme tomou conta de mim. Como era esteticista, a fantasia ia longe, a imaginava tocando outros corpos masculinos, transando com eles durante as sessões. Eventualmente, ela também trabalhava nos fins de semana, e eu achava aquilo um absurdo. Pensava: ‘Quem faz massagem aos domingos? Só pode ser um caso!’. Com baixa autoestima, me sentia inferior a ela. Era grudento, queria seguir todos os seus passos. Também era muito agressivo verbalmente. Estela ficava triste, chorava muito. Eu mexia direto no celular dela caçando alguma prova de traição ou flerte com outro homem, mas nunca achava nada. Por incrível que pareça, isso me deixava ainda mais desconfiado. Na minha cabeça, ela escondia os vestígios em outro lugar.

 

 

enquanto ela preparava o jantar, cheguei estressado do trabalho e descontei nela. Inventei alguma história de ciúme e, num ato louco, a expulsei de casa. Estava cego de raiva e achei que ela fosse voltar, mas não. Ela decidiu me abandonar. Foram cinco meses de pânico. Me fechava no quarto na hora em que chegava do trabalho, não dormia, não comia, chorava que nem criança. Emagreci 20 quilos em dois meses. Meus filhos, Marcio*, de 25, e Marcelo*, de 19, continuaram morando comigo pois estavam preocupados com minha saúde e estado emocional. Nunca se intrometeram nas nossas brigas de casal, sempre foram obedientes a mim. Tudo passava pela minha cabeça, vontade de me matar, de sumir. Não tinha força para nada. Não perdi o emprego mas ia às lágrimas na frente de pessoas que não conhecia, e do meu chefe.

Do outro lado, ela começou a curtir a vida, a frequentar bares. Estava finalmente vivendo o que nunca a deixei fazer. Fiquei ainda mais arrasado pois não sabia o que ela estava fazendo, se estava com outra pessoa. Numa noite de desespero, achei na internet o livro Hades – Homens que Amam Demais. Entendi que precisava de ajuda. Entrei para a terapia em grupo e comecei a tomar antidepressivos. Depois de dois anos de separação, hoje temos uma convivência pacífica. Quero muito voltar com ela, mas sei que ela só vai me aceitar quando eu ficar bem. Ela ainda tem medo de ser xingada, humilhada. Espero não tê-la perdido para sempre.”

Fotos: divulgação / Thinkstock
* Os nomes dos personagens foram trocados a pedido dos entrevistados

 

 

 

 

Veja publicação original: Doentes de amor: histórias de homens que amam demais

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