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Como se ensina um rapaz a ser feminista?

Saiu no site CM JORNAL – PORTUGAL

 

Veja publicação original:  Como se ensina um rapaz a ser feminista?

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Todos os dias, antes de irem para a escola, e mesmo ao fim-de-semana, Rodrigo, 15 anos, e Tiago, de 11, fazem a cama e arrumam o pijama. E quando chegam a casa, depois de fazerem os trabalhos, não são poupados às tarefas domésticas só por serem rapazes. “Pomos a loiça na máquina, arrumamos os quartos, damos comida e água ao cão e às gatas e às vezes também estendemos roupa”, diz o mais velho. Feminismo ou igualdade de género não são termos que estes irmãos ouçam em casa e Rodrigo admite mesmo não ter a certeza do que se trata, mas arrisca um significado: “Acho que é defender as mulheres e as raparigas.”

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Tânia Camilo, mãe de Rodrigo e Tiago, garante que não saberia educar os filhos de outra maneira. Para ela, a igualdade entre os géneros é uma coisa natural, até porque Tânia cresceu com esse exemplo. “Fui educada por uma mãe que se tornou mãe e pai ao mesmo tempo. Quando era necessário, usávamos o berbequim, o serrote, e o martelo e fazíamos ligações eléctricas. Tudo, sem um homem em casa.” E mesmo agora, tendo um homem em casa (o marido e pai dos filhos), a realidade não se alterou: “As coisas cá em casa são feitas pelos dois sem distinção. Posso estar a cortar a relva e ele a cozinhar ou a estender a roupa.”

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Educar pelo exemplo pode ser mais eficaz do que pelas palavras, no entanto, Tânia também não descarta o valor das conversas. “O exemplo contribui muito para a formação deles, mas é também importante que saibam que os homens e as mulheres têm, ou deviam ter, as mesmas oportunidades, incluindo no trabalho, com acesso igual e salário igual para a mesma função.”

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Mas na escola, os filhos encontram realidades distintas. “O Rodrigo nunca jogou futebol, não gosta, e o Tiago, embora jogue em grupo na escola, não liga muito. No entanto, percebem que os rapazes são maluquinhos por futebol e as raparigas não e acham estranho. Sabe o que lhes dizemos? Que é como gostar de queijo. Uns gostam e outros não.”

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Também Ana Coelho, mãe de três, educa os filhos segundo os valores da igualdade de género, mas sem longos discursos. “Tenho dois rapazes, de 22 e 16 anos, e uma rapariga, de 28, e o que sempre fiz foi distribuir as tarefas domésticas por todos.” Significa que, independentemente de ser rapaz ou rapariga, “qualquer um pega no aspirador, na vassoura, lava a loiça e estende a roupa, porque sabem que os trabalhos da casa não são só para a mãe, para o pai.”

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E se no dia-a-dia os filhos de Ana não estão familiarizados com a imagem da mãe na cozinha a cozinhar e o pai no sofá a ver televisão, o mesmo acontece nas horas de lazer. “Os nossos serões e tardes de fins-de-semana são preenchidos com jogos não sexistas. A Patrícia sempre jogou à bola com os irmãos e fez BTT e os rapazes sempre brincaram com a irmã.”

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Há muitas formas enviesadas de manter os estereótipos de género. Isso é visível não só na atribuição das tarefas domésticas como nos brinquedos, nos jogos, na roupa, nos livros. Mas, como defende a psicóloga clínica e terapeuta sexual Gabriela Moita, citando o pai do planeamento familiar em Portugal, o médico Albino Aroso, “se todas as mães educassem os filhos rapazes para a igualdade de género, metade dos problemas do mundo desapareciam”. Isto, porque, “efectivamente, as grandes educadoras ainda são as mães”. Por isso, para Gabriela Moita, tão importante como educar os rapazes para a igualdade de género é educar as raparigas. De contrário, “elas continuarão a reproduzir os papéis que lhes foram (estão) impostos por uma sociedade patriarcal e machista”.

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A mesma opinião é partilhada pela jurista, ex-secretária de Estado para a Igualdade e formadora no domínio da Igualdade de Género, Maria do Céu da Cunha Rêgo, que entende que, “se não temos igualdade entre homens e mulheres é porque, apesar das leis, a educação que tivemos e que reproduzimos foi e é para a desigualdade”. Como exemplifica, “são desiguais os brinquedos e a roupa, que apelam a liberdade de movimentos [no caso dos rapazes] e a confinamento e a contenção [no caso das raparigas], são desiguais as tarefas que se ensinam, é desigual o reconhecimento e a recompensa, são desiguais as expectativas quanto a capacidades, possibilidades e futuro, são desiguais os encorajamentos à competição e à paciência, porque ainda se insiste em entender que a vida das mulheres e dos homens tem de ser desigual.”

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Passar a ferro é que não
Se as crianças gostam ou não das tarefas domésticas, para as mães que entrevistámos isso parece ser o menos importante. Importante é que os filhos saibam que todos têm de contribuir para o bom funcionamento da casa. Com 16 anos, António, o filho mais novo de Ana, não se importava nada se pudesse fugir a algumas tarefas, como tirar a loiça da máquina e arrumá-la, mas sabe que não vale a pena alimentar esperanças nem questionar a ordem natural das coisas. “Os trabalhos têm de ser feitos e eu faço-os. Já sei cozinhar. Faço panquecas, bolos, feijoada, ervilhas com ovos escalfados, strogonoff de frango… e gostava de aprender a fazer mais pratos. Passar a ferro não, acho que não tenho jeito nenhum para isso. Há coisas para as quais as raparigas têm mais jeito do que os rapazes.”

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A crença de que os homens têm mais jeito para realizarem certos trabalhos e as mulheres estão mais aptas para concretizarem outros é, na opinião de Gabriela Moita e de Maria do Céu da Cunha Rêgo, “um mito que ainda sustenta muitas desigualdades de género, quer no seio da família, quer no trabalho”. E se não for desconstruído desde a infância, combatê-lo será mais difícil na idade adulta.

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Essa tem sido a dificuldade de Mariele Leite Almeida em relação ao único filho, Lucas, de 18 anos. Apesar dos esforços, Lucas resiste a aceitar “certas igualdades”. Não que defenda que os homens devem ter mais direitos do que as mulheres, mas ninguém o demove da convicção de que “o futebol não é um desporto para mulheres” e de que “o jantar deve ser pago pelo homem”.

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O caso de Lucas poderia indicar que a educação que as crianças têm em casa nem sempre determina os seus comportamentos e ideais. Mas, a verdade é que, embora Mariele lhe fale do respeito que deve ter para com as raparigas e as mulheres e o envolva em quase todas as tarefas domésticas – como limpar o quarto, aspirar ou guardar as compras do supermercado –, Lucas cresceu a ver o avô e o pai a reproduzirem os tradicionais papéis de género. Diz Mariele: “Os meus pais eram o típico casal onde os papéis são muito claros: ele sustentava a família, ela ficava em casa a tratar das três filhas.” Mas o complicado foi quando Mariele soube que o pai traiu a mãe e teve uma filha de outra mulher. E a mãe desculpou o pai.

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Quando foi viver com o namorado e pai do filho, acabou por ver os mesmos padrões de comportamento repetidos. “Fazia tudo, ele não mexia uma palha.” Hoje, a viver com outro homem com quem casou, Mariele, mostra a Lucas uma realidade diferente daquela em que ela própria foi criada.

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