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COMO IR EMBORA SE EU TINHA TRÊS CRIANÇAS

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Veja publicação original: COMO IR EMBORA SE EU TINHA TRÊS CRIANÇAS

 

 

 

LUCIMAR ROMAN SE DESDOBRAVA PARA CUIDAR DA LAVOURA, DOS ANIMAIS E DA FAMÍLIA. APESAR DISSO, QUANDO QUESTIONAVA O MARIDO SOBRE A DIVISÃO DAS TAREFAS, ELE A ESCORRAÇAVA

Lucimar Roman, 53 anos, mora em Lajeado Grande, comunidade de São José do Cedro, cidade que fica a 60 quilômetros de Bernardo de Irigoyen, na fronteira do Brasil com a Argentina. É exemplo raro de libertação num território marcado pela dominação masculina. Casada por 30 anos e com três filhos, levou décadas para romper os dissabores impostos por um casamento em que era escorraçada e mandada embora. Mesmo que fosse ela quem cuidasse da lavoura, dos animais, da família.

Humilhada para pegar uma herança a que não teve direito, já que no meio rural prevalece o ditado popular: quem casa, quer casa. Logo, quando a filha sai para casar, ela não recebe os bens dos pais. Diferentemente do que ocorre com os homens, que têm direito a um pedaço de terra. Às vezes, na mesma propriedade.

— Como eu iria embora com três crianças? Uma mãe sempre pensa nos filhos, por isso fui arrastando, aguentando até quando deu.

A questão financeira pesou muito na hora de tomar a decisão. Contra Lucimar existiam duas situações. Uma, a oportunidade de emprego, escassa no meio rural. Outra, a falta de creche para deixar as crianças enquanto estivesse trabalhando. Por isso, esperou os meninos crescerem para assumir o risco de mandar o hoje ex-marido, alcoólatra que era, embora. Finalmente despiu-se do medo e encarou a vergonha. Precisou ir contra o vento. E puxar a brisa para o seu lado. Não foi um rompimento simples, mas hoje a situação está equilibrada. Os filhos se formaram na universidade e ela continua na propriedade, onde a terra já está sendo dividida com a família.

Lucimar faz parte do Movimento de Mulheres Camponesas e reconhece o quanto a discriminação permanece forte. Infelizmente, observa ela, há casos de agricultoras que sofrem violência, mas não conseguem se libertar por não terem para onde ir. Não sabem a quem pedir ajuda. Não encontram saídas para além das cercas de arame farpado.

A agricultora usa a produção do leite para falar dessa dependência financeira. Trata-se de uma atividade diária. Há trabalho a fazer, independentemente se é feriado ou não ou das condições do clima. Com frio, geada, calor ou abaixo de chuva, a ordenha das vacas começa de madrugada. Esse trabalho tradicionalmente foi das mulheres por haver uma compreensão de que se trata de “coisa pequena”.

Foi assim até o momento em que começou a gerar renda, quando cooperativas ou empresas passaram a recolher o produto em caminhões. A partir de então, muitos homens quiseram também assumir o serviço:

— Mas mesmo quando as mulheres continuam com a atividade, o cheque sai no nome do homem. Isso é uma forma de discriminação. Neste ano, uma moradora do município foi morta a facadas pelo marido. O crime chocou a comunidade, também pelo fato de que, na sequência – não se sabe se em fuga ou suicídio — o homem morreu em um acidente de trânsito.

Lucimar recorda que, dias antes, estava em uma atividade da Igreja e percebeu que a mulher a olhava muito, como se quisesse dizer algo. Como não tinham laços de amizade, a conversa acabou não acontecendo.

— Talvez ela estivesse encorajada a me contar algo que estava se passando, quem sabe com base na minha experiência. Pena que não deu tempo.

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