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Caso de salvadorenha presa por falsa acusação de aborto é consequência de fanatismo moral

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE

 

Veja publicação original:  Caso de salvadorenha presa por falsa acusação de aborto é consequência de fanatismo moral

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Em sua coluna desta semana, Debora Diniz comenta a prisão e absolvição de vítima de abuso sexual em El Salvador

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Por Debora Diniz

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Não conheço Imelda Cortez, mas sua história me provoca uma angústia tão íntima como se ela fosse minha filha. Vivi durante meses a impotência de quem queria protegê-la. Como milhares de outras mulheres, nada pude fazer por ela. Só esperar. De uma menina vítima de violência sexual na casa passou a ser o ícone do horror da perseguição às mulheres pela moral do aborto.

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Em El Salvador, o aborto é crime em todas as situações, inclusive em caso de risco de vida ou de estupro. É uma das legislações mais perversas do mundo, semelhante a que a nova ministra da Família, Mulheres e Direitos Humanos, a pastora Damares Alves, deseja implementar no Brasil: mesmo que seja para salvar a vida de uma mulher ou para cuidar de menina vítima de estupro, o aborto deve ser tratado como tema de prisão. Sem exceções, o aborto seria mais do que um tema criminal, seria uma questão missionária de perseguição às mulheres, como ocorreu em El Salvador.

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A consequência desse fanatismo moral em torno do aborto é que se denunciam mulheres que sequer abortaram, como foi o caso de Imelda. Aos 8 meses de gravidez, Imelda era só uma menina anônima da zona rural de um país pobre. Entrou em trabalho de parto em casa, pois desconhecia a gravidez. Era violentada desde os 12 pelo padrasto de 70 anos, quem a ameaçava de morte caso contasse sobre a violência. Sangrando e com a placenta ainda no útero, buscou socorro médico em um hospital. A médica que a atendeu duvidou de sua história e a denunciou à polícia por suposto crime de aborto. Imelda saiu do hospital para a prisão, onde passou os últimos 18 meses.

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A sentença prometida à Imelda era de 20 anos de prisão. Ignorava-se a infância violada, só se vivia a fantasia criada pela médica de que aquela menina havia tentado um aborto. Essa é a consequência legal e moral de quem toma o aborto como uma questão religiosa e não de direitos humanos – ignora-se a mulher e inicia-se uma corrida missionária em que médicos se fazem de polícia e juízes são os porta-vozes da lei religiosa. Não havia evidências contra Imelda, por isso ontem, 17 de dezembro, um juiz concedeu a liberdade à Imelda.

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A vida de Imelda não será mais a mesma. Seu trauma do estupro não foi cuidado, é mãe de uma criança sobre a qual desconhecia a gravidez e quem nunca a convocou como mãe. Imelda voltará para uma casa que a violentava, se encontrará com uma filha que a acusaram de não desejar, terá que aprender a ser mãe, estando ainda em uma idade em que deveria ser cuidada. É uma ex-presidiária de um crime que não cometeu, mas para o qual se acusam as mulheres antes mesmo de conhecerem suas histórias. Se seu drama nos provoca algum sentido que seja para demonstrar o quanto a criminalização do aborto abre espaço para o fanatismo moral de perseguição às mulheres. Mesmo as tão inocentes quanto Imelda.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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