HOME

Home

Artigo: Fui estuprada aos 16 anos e me calei

Saiu no site ESTADÃO

 

Veja publicação original: Artigo: Fui estuprada aos 16 anos e me calei

.

Por Padma Lakshmi

.

Apresentadora e produtora do programa de TV Top Chef, Padma Lakshmi afirma que há muito a perder se for estipulado um limite de tempo para confissões sobre violência sexual

.

Quando tinha 16 anos, comecei a namorar um cara que conheci no Puente Hills Mall, subúrbio de Los Angeles. Eu trabalhava lá depois da aula, no balcão de acessórios da Robinsons-May. Ele, em uma loja de roupas masculinas de luxo. Chegava usando um terno cinza de seda e flertava comigo. Já estava na faculdade e eu o achava charmoso e bonito. Tinha 23 anos.

.

Sempre antes de sairmos, ele estacionava, entrava, se sentava no sofá e conversava com minha mãe. Nunca me levava para casa muito tarde durante a semana. Éramos íntimos até certo ponto, mas ele sabia que eu era virgem e não tinha certeza de quando estaria pronta para fazer sexo. No réveillon, meses depois do começo do namoro, ele me estuprou.

.

.

EUA - Padma Lakshmi Padma Lakshmi, apresentadora e produtora do programa de TV Top Chef  Foto: Diane Bondareff/AP Images for United Nations Foundation

.

Esse incidente voltou a minha cabeça na semana passada, depois que duas mulheres se apresentaram para dar detalhes das acusações contra Brett Kavanaugh, juiz indicado à Suprema Corte. Christine Blasey Ford disse que ele subiu sobre ela e lhe cobriu a boca com a mão durante tentativa de estupro, quando ambos estavam no colégio, e Deborah Ramirez disse que ele se expôs para ela quando estavam na faculdade. No dia 21, Donald Trump afirmou que, se o que Ford dissera era verdade, teria dado queixa na polícia anos atrás. Mas entendo por que as duas mulheres guardaram a informação para si durante tanto tempo. Eu fiz a mesma coisa. Em 21 de setembro, porém, tuitei o que me aconteceu.

.

Vocês podem querer saber se eu estava bebendo na noite em que fui violentada, mas não faz diferença. Eu não estava bêbada. Talvez queiram saber o que estava usando ou se fui ambígua em relação aos meus desejos – continua não tendo importância. Eu estava com um vestido longo de manga comprida preto que deixava só os ombros à mostra.

.

Nós dois tínhamos passado por umas duas ou três festas. Depois, fomos para o apartamento dele. Começamos a conversar, mas estava tão cansada que deitei na cama e caí no sono. Depois disso, só me lembro de acordar com uma dor aguda, como se tivesse uma faca entre as pernas. Ele estava em cima de mim. Perguntei o que estava fazendo e ele respondeu: “Só vai doer um pouquinho”.

.

“Por favor, não!”, gritei. A agonia era insuportável, mas ele continuou. Minhas lágrimas traíam meu pavor. Depois, ele disse: “Achei que fosse doer menos se você estivesse adormecida”. E me levou para casa. Não o denunciei – nem para minha mãe, nem para minhas amigas, muito menos para a polícia. A princípio, fiquei em choque. Naquela noite, ao chegar, ainda dei boa-noite à minha mãe e fui dormir, na esperança de esquecer o que acontecera.

.

Não demorou para eu começar a me sentir culpada. Nos anos 80, não se falava em estupro cometido pelo namorado ou conhecido. Ficava imaginando o que os adultos diriam: “O que você estava fazendo no apartamento dele? Por que estava saindo com alguém mais velho?” Na minha cabeça, nem classificava aquilo como estupro, nem mesmo sexo. Sempre achara que a perda da minha virgindade seria um acontecimento ou, no mínimo, uma decisão consciente. A perda do controle me desorientou. Para mim, quando começasse a fazer sexo, seria para expressar amor, ter prazer ou engravidar – e aquilo não se encaixava em nenhuma das três opções.

.

Depois, vieram outros namorados, no último ano da escola e no início da faculdade, mas menti para todos, dizendo que ainda era virgem. Bom, emocionalmente, ainda era. Hoje, quando penso no que aconteceu, percebo que já tinha aprendido certas lições. Aos 7 anos, por exemplo, um parente do meu padrasto me tocou entre as pernas e pôs minha mão em seu pênis ereto. Logo depois que contei para minha mãe e meu padrasto, eles me mandaram para a Índia, para passar lá um ano com os meus avós. Ou seja: se denunciar, você é expulsa, isolada ou rejeitada.

.

Essas experiências me afetaram muito, comprometeram minha capacidade de confiar nas pessoas. Levei décadas para conseguir falar sobre elas com meus parceiros e um terapeuta. Há quem diga que um homem não deve pagar pelo resto da vida por algo que fez na adolescência. Mas é exatamente isso que acontece com a mulher, e também com aqueles que a amam. Acho que se, na época, tivesse definido o que aconteceu como estupro, talvez tivesse sofrido menos. Olhando para trás, dei ao meu estuprador a chance de se safar.

.

Hoje tenho uma filha. Ela tem 8 anos. Há tempos venho dizendo a ela as palavras mais simples e óbvias, mas que levei uma vida para compreender. “Se qualquer pessoa mexer em suas partes íntimas ou a fizer se sentir incomodada, grite bem alto. Saia de perto e fale para alguém. A ninguém é permitido encostar a mão em você. Seu corpo é seu.”

.

Agora, 32 anos depois do meu estupro, venho a público para contar o que aconteceu. Não ganho nada me expondo, mas todos temos muito a perder se estipularmos um limite de tempo para confissões sobre violência sexual ou continuarmos obedecendo aos códigos de silêncio que há gerações permitem que os homens fiquem impunes.

.

Uma em quatro meninas e um em seis garotos hoje serão molestados sexualmente antes dos 18 anos. Estou me abrindo agora porque quero que lutemos para que nossas filhas nunca tenham esse medo e essa vergonha, que nossos filhos saibam que o corpo feminino não existe para lhes dar prazer e a violência tem consequências gravíssimas. Essa mensagem deve ficar bem clara no momento em que se analisa quem deve fazer parte da mais alta corte dos EUA.

.

É APRESENTADORA E PRODUTORA DO  PROGRAMA DE TV ‘TOP CHEF’

 

 

 

 

 

 

 

 

 

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME