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A relação entre feminismo e proteção da infância e juventude

Saiu no site EMAIS

 

Veja publicação original:  A relação entre feminismo e proteção da infância e juventude

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Na semana passada, fiquei muito impactada com o filme Nanette, disponível no Netflix. É um ato de comédia stand-up, escrito e interpretado pela comediante australiana Hannah Gadsby. A artista faz uma reflexão sobre seus dez anos de carreira, abordando questões sociais, que saltam da comédia para o drama em um piscar de olhos.

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Ela explica que para uma piada funcionar é preciso haver um momento de tensão e depois um desfecho surpreendente, que proporcione alívio para o público. Para isso acontecer, na maioria de suas piadas, a comediante compartilha histórias homofóbicas e machistas baseadas em situações que sofreu durante a vida.

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O problema é que para arrancar o riso do público, é preciso mudar o final. A verdade é muito dolorosa para ser engraçada. Spoiler: Em uma das histórias, por exemplo, ela conta que estava paquerando uma mulher no ponto de ônibus, quando o namorado dela chegou. Durante o show, Hannah conta que o rapaz partiu para cima, mas desistiu de bater quando percebeu que ela era “sapatão”.

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No decorrer do espetáculo, a artista explica que esse não foi bem o final da história. Na vida real, ela apanhou de verdade. E a partir daí, compartilhou graves violações que sofreu ao longo da vida, desde criança, por ser mulher e por ser homossexual. Em algum momento do show, Hannah diz algo do tipo: “O patriarcado não sabe o que fazer com as crianças e com as mulheres.”

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Essa frase ficou ecoando na minha cabeça.  É preciso refletir sobre a questão de gênero nos direitos de crianças e adolescentes. Nós sofremos muito simplesmente por sermos meninas… E cada vez mais acredito que o movimento feminista precisa encampar a pauta da infância e da juventude.

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Precisamos meter a colher, sim – até porque muitas vezes os filhos da mulher que sofre violência doméstica também a sofre e as dificuldades enfrentadas por muitas das mães solo abandonadas pelo machismo refletem diretamente na vida de crianças e adolescentes, trazendo muitas consequências.

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Reconhecimento geracional da desigualdade

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Neste contexto, o reconhecimento geracional da desigualdade é essencial. Falamos muito na desigualdade de gênero e no empoderamento de mulheres, mas para empoderarmos as mulheres, precisamos empoderar também as meninas.

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Em agosto do ano passado, lancei a Série Especial A Criança e o Adolescente nos ODS, em parceria com a Fundação Abrinq. Vou resgatar aqui algumas reflexões da administradora executiva Heloisa Oliveira e da líder de Políticas Públicas Maitê Gauto.

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A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, não abordou a questão das meninas de maneira direta, mas essa desigualdade começa a se manifestar desde a infância. Já os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram um avanço.

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Para quem não conhece, os ODS fazem parte da Agenda 2030, um plano global composto por 17 objetivos e 169 metas a serem alcançados até 2030, pelos 193 países membros da Organização das Nações Unidas. O ODS 5 é a respeito da Igualdade de Gênero e contempla o recorte geracional.

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Segundo Heloisa e Maitê, a meta 5.1 trata de acabar com todas as formas de discriminação contra as mulheres e meninas. A meta 5.2 pretende eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e outros tipos de violências.

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Práticas nocivas, como casamentos prematuros forçados de crianças e mutilações genitais femininas aparecem na meta 5.3. Já a meta 5.6 assegura o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos.

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Além disso, há uma meta de implementação que prevê adotar e fortalecer políticas sólidas e uma legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis.

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Exploração e abuso sexual

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O silêncio em relação a violações como exploração e abuso sexual chega a ser ensurdecedor. Muitas vezes a exploração sexual ocorre após o abuso sexual, até mesmo intrafamiliar. De acordo com dados do Disque Direitos Humanos (Disque 100), entre a distribuição de denúncias de violência contra crianças e adolescentes do sexo feminino no Brasil, em 2015, 68,4% foram de abuso sexual.

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Outros 68,9% se referiam à exploração sexual. No caso de violência física a porcentagem é de 44,2% e de negligência, 43,8%. A questão se agrava quando o que temos como dados disponíveis são apenas dos casos denunciados – isso significa que muitos outros ficam desconhecidos. A subnotificação de violências sexuais ainda é muito grande, pois as pessoas têm medo ou vergonha de denunciar.

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No meio de tantos outros problemas sociais, muitas vezes todas essas feridas não são percebidas como sendo um grande problema social, mas elas são. É um aspecto muito forte da nossa cultura e isso precisa ser tratado. De acordo com o Ministério da Saúde, 57% das vítimas de violência sexual que chegam a hospitais têm de 0 a 14 anos.

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Casamento infantil

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O Brasil lidera o número de casamentos infantis na América Latina e é o quarto país com maior incidência no mundo. Aqui a idade núbil prevista na nossa legislação é de 16 anos, mas previa exceção para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. Em 13 de março deste ano, foi aprovada a Lei 13.811/2019, que altera o artigo 1.520 do Código Civil buscando impossibilitar, em qualquer caso, o casamento de menores de 16 anos.

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Quando a lei dizia que o casamento poderia evitar o cumprimento de pena criminal, ela promovia 0 casamento entre agressor e vítima, aplicado inclusive a menores de 14 anos, quando o estupro é considerado estupro de vulnerável, o que agrava ainda mais a situação.

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Nas palavras de Heloisa Oliveira, a autorização para casamento em razão da gravidez também dizia respeito a uma proteção totalmente retrógrada na linha dos “bons costumes” e legalizava um perigo aos adolescentes, que numa fase singular de desenvolvimento físico e psicológico, não se encontram plenamente prontos para assumir um compromisso como o matrimônio.

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Além disso, o casamento precoce é um dos fatores que levam ao afastamento da escola e à evasão escolar, comprometendo o processo de formação e a preparação para a vida adulta e o futuro desses adolescentes. Por isso a aprovação da lei é considerada um avanço, mas ainda é preciso implementar políticas públicas que ofereçam oportunidades para as meninas.

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Com base nos dados de Censo de 2010, foram 1,385 milhão de meninos e meninas casados informalmente entre 10 e 19 anos, contra 121 mil uniões formais nesse mesmo grupo etário.

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Em 2015, tivemos 287 casamentos formais no Brasil de pessoas com menos de 15 anos. Só na Região Sul, foram 126 casamentos, o que pode ser atribuído a aspectos culturais. É importante termos esse avanço legal, com a alteração da lei, embora ainda não seja suficiente, para resolvermos a questão da união precoce.

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Questão cultural

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Em 2013, a Plan International realizou uma pesquisa chamada Por ser Menina no Brasil. A diferença fica evidente, quando você olha a distribuição de tarefas em casa, por exemplo. Nas famílias, 81,4% das meninas arrumam a cama, enquanto 11,6% dos meninos realizam as mesmas tarefas. Do total, 41% das meninas cozinham e apenas 11,4% dos meninos cozinham. Lavar a louça é outra atividade atribuída mais a meninas que meninos, 76,8% são meninas e 12,5% são meninos, apurou a pesquisa.

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As tarefas domésticas são entendidas como tarefas femininas desde cedo. As meninas são educadas para cuidar dessas tarefas, da casa e da família e esse aprendizado é considerado essencial para que ela desempenhe o que é considerado como seu “papel de mulher”.

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É importante abordar o lado masculino dessa questão, pois o prejuízo não é apenas para a mulher, mas para o homem também, que perde em autonomia e acaba tendo de adotar uma postura machista, numa sociedade em que se entende que mulher tem papel de mulher e homem tem papel de homem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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