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A mulher por trás da máquina, por Rafael Tourinho Raymundo

Saiu no site JORNAL PANORAMA

 

Veja publicação original:  A mulher por trás da máquina, por Rafael Tourinho Raymundo

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Leia a coluna do jornalista Rafael Tourinho Raymundo no site do Jornal Panorama.

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Alexa, Cortana, Siri, Aura, Bia e Joice. Todos elas possuem duas características em comum. 1) São inteligências artificiais desenvolvidas para automatizar tarefas. 2) Têm nome de mulher.

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Há uma tendência de que assistentes virtuais recebam personalidades femininas. Por um lado, as empresas defendem que se trata de mera estratégia mercadológica, pois uma voz maternal e acolhedora soa mais amigável ao cliente. Na outra ponta, estudo recente da Unesco destaca um viés mais perturbador: a tecnologia reproduz o papel de subserviência que as mulheres sempre desempenharam.

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Softwares dessa categoria são feitos para obedecer a um comando. Quando digo “Siri, toque uma música”, a servente invisível do Iphone executa a incumbência, tal como uma criada obediente faria.

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Talvez você pense que comparar um sistema algorítmico a uma empregada de carne e osso seja exagero. No entanto, o levantamento da Unesco indica que a problemática é mais grave do que parece. Frequentemente, as inteligências artificiais com voz feminina são alvo de xingamentos e comentários de cunho sexual. É de se pensar se os usuários não estariam tratando as interfaces tecnológicas da mesma maneira que tratam suas funcionárias, colegas de trabalho ou mesmo namoradas.

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Vivemos numa sociedade acostumada a inferiorizar o gênero feminino. Poucas são as mulheres que conquistaram espaços de liderança na ciência, na política ou no meio corporativo. Não que elas sejam incapazes. É que, historicamente, às damas coube papéis secundários: a secretária, a babá, a faxineira. Elas são as figuras que arrumam o escritório e cuidam das crianças enquanto os homens tomam as decisões importantes. Aí, quando movimentos feministas começam a debater essas questões, as participantes são tachadas de histéricas, lamurientas, mal amadas e outros termos pejorativos. Pior ainda, sofrem agressões verbais e físicas pelo seu comportamento desviante.

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Recentemente, uma tentativa de feminicídio comoveu a comunidade taquarense. Um grupo de amigas da vítima chegou a caminhar pelas ruas da cidade, entoando palavras de ordem contra a violência doméstica. O ato simbólico, obviamente, repercutiu na mídia local.

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Eis que um leitor do Jornal Panorama comentou, no Facebook, que o fato havia sido um caso isolado. Não merecia tanto estardalhaço, segundo ele. Dias depois, outra senhora moradora de Taquara foi assassinada, na própria casa, por um membro da família. Mais um caso isolado?

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Os machos alfa, ao se sentirem acuados pelo protagonismo ou pela independência do “sexo frágil”, geralmente apelam para um suposto dom natural: a força. E essa se manifesta de diversas formas, das sutis às mais explícitas.

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Os municípios do Vale do Paranhana registraram 681 ocorrências de violência contra a mulher entre janeiro e agosto deste ano, somando ameaças, lesões corporais e estupros. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul. O feminicídio nada mais é que a consequência máxima desse tipo de comportamento. Os abusos começam com insultos, depois evoluem para humilhações, tapas, socos e pontapés. Infelizmente, muitos episódios chegam ao desfecho fatídico. Quantas esposas e mães terão que morrer para pararmos de considerar esses fenômenos como “casos isolados”?

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Lembremos que o método de subjugar a parceira pela força, tanto física quanto psicológica, independe de estrato econômico ou esfera social. “Sou teu protetor, mas te espanco se não andares na linha”. “É melhor não contrariar o patrão, senão ele faz tua caveira e ninguém mais te contrata”. “Tenho este revólver para te defender dos bandidos, mas posso usá-lo para te matar”.

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O machismo continua encalacrado em nossa cultura. Afeta o jornalismo esportivo e os bastidores de Hollywood, mas também respinga em nossa vizinhança. É possível percebê-lo até no GPS do celular. Ou você nunca se estressou com a moça que sugere, com voz inexpressiva, para virar à direita na próxima esquina? Basta a máquina apontar um caminho esquisito para o motorista chamá-la de burra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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