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Isso não é amor. É tentativa de feminicídio

SAIU NO SITE CORREIO BRAZILIENSE

 

A violência contra a mulher é um problema social e estrutural que começa na desigualdade, se perpetua no silêncio e só termina com transformação

 

Paula Belmonte — deputada distrital, segunda vice-presidente e procuradora especial da Mulher da Câmara Legislativa

As imagens da mulher brutalmente agredida dentro de um elevador em Natal (RN) chocaram o Brasil. Mas mais alarmante que a violência explícita é o fato de que aquele espancamento não foi um ato isolado. Foi o desfecho de um ciclo que se repete todos os dias, em silêncio, nos lares, nos relacionamentos e nos bastidores da vida cotidiana de muitas mulheres.

Aquela mulher sobreviveu. Mas ficou com o rosto desfigurado, com múltiplas fraturas e terá de conviver com as marcas físicas e emocionais de uma violência covarde, praticada por quem dizia amá-la. Um homem que não teve qualquer receio de cometer tamanha agressão diante das câmeras de um condomínio, certo de que nada lhe aconteceria. Como se a impunidade fosse garantida.

Casos assim não são exceção. São parte de uma rotina perversa que o Brasil insiste em naturalizar. A cada sete horas, uma mulher é vítima de feminicídio no país. E, para cada caso que ganha manchetes, há centenas abafados pela vergonha, pela dependência emocional, pelo medo e pela falta de apoio.

 

Como procuradora Especial da Mulher da Câmara Legislativa do Distrito Federal, não posso me calar. Indignar-se é necessário, mas não é suficiente. Precisamos agir. Punir com rigor. Proteger com urgência. Prevenir com inteligência. E prevenir significa atuar antes do grito, antes da denúncia, antes do socorro.

É por isso que, entre os dias 11 e 15 de agosto, a Câmara Legislativa realizará a Semana de Combate ao Feminicídio, com foco na prevenção da violência. As atividades serão voltadas a estudantes do ensino médio, meninos e meninas, porque é nessa fase que muitos padrões de comportamento se formam. E é também quando podemos desconstruir ideias equivocadas sobre amor, posse, ciúme e controle. A formação de uma nova cultura começa ainda na primeira infância.

A violência que vimos no vídeo é só a face mais visível de uma lógica que se instala de forma sutil. No controle disfarçado de cuidado, na manipulação emocional, no ciúme apresentado como prova de amor, na tentativa de isolar, calar, dominar. Quando a mulher percebe, já está mergulhada em um relacionamento abusivo, sem forças para sair.

Como parlamentar, tenho defendido leis mais firmes, estruturas mais eficazes, legislações que tenham aplicabilidade e políticas públicas que funcionem de verdade. Como cidadã, mãe e mulher, acredito que educar para o respeito é tão urgente quanto punir o agressor.

O caso de Natal expõe a fragilidade do sistema, que não conseguiu proteger a vítima a tempo, apesar dos sinais. Expõe também o quanto ainda precisamos evoluir como sociedade. Porque, quando uma mulher é espancada por quem dizia amá-la, todos falhamos. E, quando esse crime é tratado como “briga de casal” ou “erro pontual”, a violência se perpetua.

A resposta da Justiça precisa ser exemplar. Um crime gravado, com provas irrefutáveis, não pode ser tratado com relativizações ou saídas negociadas. Precisamos mostrar, com clareza, que esse tipo de conduta não será tolerado.

E também precisamos acolher as mulheres que sobrevivem. Oferecer apoio real, rede de proteção, meios para recomeçar. E garantir que elas saibam que não estão sozinhas.

Promover a autonomia financeira das mulheres é outra frente fundamental nessa luta. Em muitos casos, a dependência econômica é o que mantém a mulher no ciclo de violência. Por isso, investir no empreendedorismo feminino é investir em liberdade, pois esse pode ser o ponto de virada para que tantas mulheres reconstruam suas vidas com dignidade e segurança.

A violência contra a mulher é um problema social e estrutural que começa na desigualdade, perpetua-se no silêncio e só termina com transformação. Não basta punir o agressor depois do crime consumado. É preciso criar um ambiente de prevenção, que começa na infância, segue pela escola e chega à política. Precisamos ensinar nossas crianças que amor não machuca, que respeito é a base de qualquer vínculo e que ninguém tem o direito de controlar, calar ou ferir outra pessoa.

Por fim, deixo um alerta: a violência doméstica raramente começa com um soco. Ela começa devagar, com pequenas agressões emocionais que vão ganhando espaço. Se você vir os sinais, não ignore. Se você convive com alguém em situação de risco, estenda a mão. O silêncio pode custar uma vida.

Que esse caso sirva como ponto de inflexão. Como chamado à consciência coletiva. Para que nenhuma mulher precise ser espancada diante de câmeras para que sua dor seja levada a sério.

 

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