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Buscam impulsionar projeto de lei para categorizar o crime de terricídio enquanto megamineração avança de norte a sul
Grupos de mulheres indígenas na Argentina empreendem uma caminhada desde o dia 14 de março em direção à cidade de Buenos Aires. Elas chegarão no dia 22 de maio na capital federal, dia da plurinacionalidade dos territórios.
Para o bloco sul, a caminhada total será de cerca de 1.900km, e, para o bloco norte, 1.200km, segundo estimativas recentes das ativistas. Também partiram grupos do leste e oeste do país, reunindo mulheres de diferentes nações indígenas. “Caminhamos para propor que o terricídio seja considerado um crime de lesa humanidade e lesa natureza“, afirmam, em comunicado. “Sabemos que não é o melhor momento para sair dos territórios. No entanto, se ficamos em casa, continuam nos matando.”
O conceito de terricídio foi criado pelo movimento de mulheres indígenas para englobar as diversas formas de assassinato das formas de vida. Trata-se de feminicídio, ecocídio, epistemicídio: este último refere-se à eliminação sistemática de outros modos de habitar o mundo.
::Mulheres indígenas trilham 1200 km da Patagônia a Buenos Aires denunciando terricídio::
O projeto de lei que os movimentos de mulheres apresentam pretende punir governos e empresas por práticas que atentam contra a natureza. “A cultura ocidental não se vê como uma extensão da terra, mas somos parte da territorialidade”, explica a representante mapuche Moira Millán, que também participa da caminhada. Seguindo essa cosmovisão, faz tanto sentido lutar contra a devastação florestal quanto contra o racismo.
“Temos uma grande diversidade de preocupações nos territórios. Por um lado, o extrativismo em todas as suas formas. Por outro, as práticas coloniais como o “chineo”, que é o estupro de crianças indígenas. Infelizmente, essas ações não são castigadas, julgadas e condenadas como deveriam”, pontua.
Os avanços da megamineração na Argentina
Hoje, o investimento de multinacionais é na mineração a céu aberto, a chamada megamineração. A mineração tradicional, realizada por túneis subterrâneos, não se mostra rentável, uma vez que os minérios de interesse, como ouro, prata e zinco, agora são encontrados em pequenas porções espalhadas, e não em grandes concentrações.
A megamineração consiste no uso de explosivos em grandes extensões de territórios previamente estudados e, com processos químicos, na extração de partículas minerais de valor econômico. Segundo um manual preparado pela União de Assembleias de Comunidades Chubutenses sobre a atividade, a pulverização decorrente das explosões cria uma textura tão fina do material que é impossível ser detida.
O alto uso de água e substâncias tóxicas no processo deixam danos irreversíveis nos territórios, algo já experimentado pela cidade de Iglesia, em San Juan, por exemplo.
Entre as características da exploração extrativista estão o impacto ambiental e cultural e a militarização dos territórios. Este último ponto revela-se especialmente preocupante, considerando o racismo contra comunidades indígenas e a repressão violenta às manifestações populares.
::Mobilização popular barra mais uma vez o avanço da mineração na Patagônia argentina::
A população dos territórios de grande interesse extrativista resiste há décadas ao avanço da exploração mineradora. O projeto mineiro Navidad, na Patagônia, da mineradora Pan American Silver, está parado desde 2003, quando a população de Chubut se expressou com 83% de rejeição à exploração, em uma consulta popular.
Ao norte do país, na província de Catamarca, o mesmo acontece com a resistência popular de mais de uma década ao projeto Água Rica, da mineradora canadense Yamana Gold. Em dezembro do ano passado, a Corte de Justiça da província declarou inconstitucional o decreto 029/2016, que protege a zona de nascentes de água, habilitando a atividade mineradora no local.
Desde o início das atividades da mineradora, moradores têm saído às ruas e fechado estradas. Em abril, o fotojornalista Walter Mansilla foi um dos perseguidos na cidade de Andalgalá, detido em sua casa, após ser golpeado várias vezes na cabeça por policiais catamarquenhos. “Nos interrogaram, mostrando vídeos e fotos dos protestos, pedindo nomes de pessoas que estavam aí”, contou Mansilla. Após duas semanas de protestos nas ruas em repúdio à prisão arbitrária, os presos políticos foram soltos.