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Sem ‘masculinidade tóxica’: homens fazem até curso para abandonar machismo

Saiu no site O GLOBO

 

Veja publicação original:  Sem ‘masculinidade tóxica’: homens fazem até curso para abandonar machismo

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Em meio ao avanço global das pautas de igualdade de gênero, eles aprendem a se reinventar. ‘Estamos em um período de transição’, diz psicanalista

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Por Clarissa Pains

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RIO – No último século, asmulheres se transformaram. E muito: do direito de votar e usar calças até o fim da tolerância com a violência doméstica. Agora, chegou a vez dos homens, incluídos de forma crescente na luta porigualdade de gênero. Um ponto de virada dos últimos anos foi o entendimento de que o padrão tradicional que define o que é ser homem, a tal “masculinidade tóxica”, é prejudicial não apenas para as mulheres, mas para eles próprios. Não à toa, multiplicam-se ao redor do mundo cursos que reúnem homens interessados em aprender a deixar o machismo para trás. Desde o ano passado, surgiram no Brasil iniciativas do tipo, como o minicurso “Entendendo as masculinidades” e as rodas de conversa “Memoh” (homem, ao contrário), ambos no Rio.

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A ideia é quebrar estereótipos que não estão relacionados ao sexo biológico, mas a uma construção social: homem não pode chorar, tem que ser forte, tem que ser “pegador”, tem que gostar de esportes, não pode usar rosa, não pode brincar de boneca, não pode mostrar fragilidade.

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Um dos participantes desses cursos, o analista de TI Felipe Bessa, só se deu conta do fardo que carregava há três anos, quando passou a morar com a atual mulher.

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— Cresci numa família tradicional, com todos os conceitos tradicionais que você pode imaginar. O que era “de menino” e “de menina” era bem separado. Tanto o ambiente familiar quanto o de amigos era muito machista. E eu só fui perceber isso quando comecei meu relacionamento com minha atual companheira. Foi um choque de realidade — lembra ele. — A partir daí, entrei numa jornada de desconstruir meu machismo. Desde coisas pequenas, como fazer curso de tricô. Eu fiz um sapatinho para o meu filho, Ben, de 2 anos. Só isso já quebrou um monte de barreira para mim.

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A Associação Americana de Psicólogos chegou a divulgar, há um ano, um documento alertando sobre os problemas provocados pela masculinidade tóxica. “A socialização de meninos para corresponder à ideologia tradicional de masculinidade limita o desenvolvimento psicológico de homens e seu comportamento, resultando em pressões e conflitos relacionados ao papel de gênero e influencia negativamente a saúde física e mental”, diz o texto.

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São muitos os efeitos colaterais dessa masculinidade tóxica. Os dois principais, segundo o sociólogo americano Michael Kimmel, fundador do Centro de Estudos dos Homens e das Masculinidades da Universidade Stony Brook, nos EUA, são a dificuldade de os homens falarem sobre sentimentos e o fato de eles se suicidarem muito mais do que as mulheres. De acordo com o Mapa da Violência Flacso Brasil, a taxa de suicídio entre eles no país é quatro vezes maior do que entre elas.

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— Corresponder a um ideal de masculinidade deixa os homens exaustos — afirma a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. — É como precisar provar o tempo todo que é homem.

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A especialista identifica uma crise de identidade na população masculina, como resultado direto das demandas feministas:

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— Muitos homens não sabem bem o que é ser homem hoje. Eles foram condicionados de um jeito a vida toda, mas o homem “machão” está perdendo prestígio frente ao avanço do feminismo, então ele fica sem saber como agir. Antes, por exemplo, o homem tinha que convidar a mulher, ela tinha que dizer “não” e ele tinha que insistir. Era esse o script. Mas elas revolucionaram isso, e hoje o “não” é não mesmo. Nesse sentido, eles ficam sem saber onde estão pisando, porque as mulheres mudaram muito.

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Para Regina, vivemos hoje um período de transição: uma parcela significativa de homens já deixou as noções patriarcais para trás, uma segunda parcela está tentando fazer isso e uma terceira resiste.

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— A mudança de mentalidade não acontece para todos ao mesmo tempo — diz a psicanalista. — Mas sou otimista. Os papéis de gênero foram criados para aprisionar tanto mulheres quanto homens, e a grande virada é perceber isso, o que já acontece com frequência especialmente entre os jovens.

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Paternidade ativa

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Muito da discussão sobre novas masculinidades passa pela noção de paternidade ativa. Um dos expoentes dessa reflexão, o catarinense Marcos Piangers, autor do livro “O papai é pop”, considera que o homem vive hoje um “despertar”.

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— Os movimentos que as mulheres fizeram para ter mais autonomia, entrando no mercado de trabalho, questionando o romantismo da maternidade e exigindo respeito nos contatos sociais, obrigaram o homem a mudar. Isso pode despertar um homem mais sensível e feliz ou um homem ressentido — avalia ele. — Eu adoraria que isso não fosse uma crise, mas para alguns é.

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O escritor ressalta que a essência daquilo que os homens foram levados a acreditar que era uma masculinidade bem-sucedida acabou se mostrando um problema.

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— Somos a maioria do sistema penal, morremos mais cedo, cometemos mais suicídio, matamos uns aos outros de forma violenta. Não acho que um homem é menos homem se ele cuida dos filhos, busca ser mais sensível, respeita as mulheres, faz terapia e conversa com os amigos sobre sentimentos. Acho que ele é mais homem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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