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Representatividade feminina no Brasil: estamos no caminho certo?

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Veja publicação original:  Representatividade feminina no Brasil: estamos no caminho certo?

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Por Juliana Oliveira Domingues e Beatriz Carvalho Nogueira

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O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) destacou em estudo recente (2017/2018) que as brasileiras ocupavam 11,3% das cadeiras do Congresso Nacional. Este índice nos coloca abaixo ao do Níger (17%), país com o pior IDH1 mundial.

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Nesta última eleição tivemos a chance de ver um movimento de mudança. O número de candidatas cresceu 25,4%, sendo que o número de brasileiras que ocuparão assentos na Câmara e nas Assembleias Legislativas aumentou 51% e 35%, respectivamente, em relação a 2014.2

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Sem dúvida, o crescimento do número de mulheres nos causa alento, mas pouco – ou quase nada – se sabe sobre as pautas que algumas candidatas eleitas levarão à discussão em termos de efetivação dos direitos das mulheres. O que se pretende dizer é que, se referidas candidatas não compreenderem o universo desigual no qual se inserem, veremos poucas propostas para mitigar o ambiente desigual que existe em nosso país e que a UNCTAD3, a OCDE4, o Banco Mundial5, o PNUD6 entre outros fóruns internacionais e organizações têm evidenciado.

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Pudemos notar recentes conquistas no âmbito legislativo, obtidas pelos movimentos de mulheres, com a promulgação de leis específicas de proteção, como é o caso da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar, e da Lei nº 13.104/15, que acrescentou o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio7.

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Além disso, leis expressamente discriminatórias foram revogadas ou alteradas como é o caso das normas relativas à capacidade das mulheres no Código Civil, principalmente após a promulgação da Constituição Federal e da adoção de convenções internacionais de proteção aos direitos humanos. No âmbito dos Tribunais Superiores e outras instituições (STF; TSE; STJ; Procuradoria-Geral da República e Advocacia-Geral da União), até o mês de agosto do corrente ano, vimos a presidência ocupada por mulheres.

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São conquistas importantes, inegavelmente, mas não podemos nos esquecer das diversas formas que a discriminação se materializa no âmbito das políticas públicas, do poder judiciário, dos espaços acadêmicos e do mercado de trabalho, relacionadas, muitas vezes, à ausência de representatividade e às inúmeras barreiras impostas às mulheres ao acesso de cargos e de posições de poder. As desigualdades não ocorrem, portanto, apenas na representação política, mas também em outros espaços públicos. No âmbito da participação na esfera pública e de tomada de decisões, a presença das mulheres brasileiras ainda é muito desigual.8

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De acordo com dados do IBGE, também temos muitas barreiras de ordem cultural pela frente.9 Embora trabalhem mais e estudem mais, há uma grande diferença de rendimentos (i.e., salários) entre homens e mulheres. Na academia e, mais especificamente, no ensino jurídico, essas desigualdades refletem na baixa presença de autoras mulheres nos artigos e manuais indicados nas disciplinas e mesmo nas provas de ingresso em programas de pós-graduação de várias instituições.10 Não devemos ignorar a preterição de mulheres na participação como avaliadoras em bancas de ingresso para vagas de docência ou em posições de poder, mesmo em instituições públicas, como na chefia de departamentos e em cargos de diretoria ou reitoria nas universidades.11

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Essa “invisibilização” também ocorre em eventos acadêmicos e institucionais, pois é comum que eles contem com a presença de palestrantes com características homogêneas, prevalecendo homens, brancos, heterossexuais, pertencentes a classes dominantes. Por meio das redes sociais há iniciativas que buscam explicitar essa realidade como, por exemplo, o Tumblr All Male Panels, que documenta os painéis, seminários e outros eventos que são realizados apenas com “especialistas” homens.1213 No Facebook há também a página “Aqui só fala homem branco”, comprometida em denunciar os eventos que, injustificadamente, não apresentem diversidade entre seus palestrantes14.

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É interessante notar o efeito dos mecanismos virtuais. Atenta a essa realidade, a Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público (CDDF/CNMP) instaurou, no dia 13 de agosto deste ano, um procedimento interno para a realização de estudos acerca da representatividade das mulheres como debatedoras, conferencistas e palestrantes em eventos jurídicos promovidos pelo próprio Ministério Público e CNMP.15

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Nesse contexto, é importante destacar a criação de redes femininas16, de profissionais de diversas áreas, que busquem refletir, criticamente, a ausência das mulheres em posições e eventos de destaque, bem como publicizar os trabalhos produzidos e as contribuições dessas profissionais.17

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A importância de maior representatividade das mulheres nos espaços de fala se deve, primeiramente, ao próprio efeito simbólico, permitindo a alteração do estereótipo de que apenas os homens poderiam ocupar referidas posições. Essas iniciativas também incentivam outras mulheres a participarem do espaço público permitindo que outras vozes e experiências sejam evidenciadas nos debates.

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E o que o desenvolvimento econômico tem a ver com isso? Muito se tem dito sobre a necessidade de crescimento econômico no Brasil, mas o que se deveria considerar é se o tal crescimento econômico será acompanhando de um processo de desenvolvimento dentro de uma perspectiva abrangente18 e com o fortalecimento de nossas instituições19. Afinal, queremos crescer a qualquer preço ou estamos compromissados com um desenvolvimento econômico sustentável que nos impulsione a colocar o Brasil em melhores condições nos rankings e índices de desenvolvimento e de representatividade?

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Entendemos que a representatividade deve ser vista de forma abrangente e deve estar pautada em uma visão interseccional, considerando as múltiplas formas de discriminação baseadas não apenas no sexo, mas também na raça, etnia, classe social, deficiências, dentre outras categorias. Assim, é necessário que a representatividade não signifique apenas uma representação “simbólica” ou formal, mas também que as mulheres que ocupem os cargos de poder estejam compromissadas com um projeto de direito que reflita as transformações estruturais e que questionem a suposta neutralidade e universalização dos sujeitos de direito20 e de seus aplicadores.

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Referências

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CNMP, Conselho Nacional do Ministério Público. Comissão do CNMP realiza estudos relacionados à representatividade das mulheres em eventos jurídicos, 14 ago. 2018. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/11410-comissao-do-cnmp-realiza-estudos-relacionados-a-representatividade-das-mulheres-em-eventos-juridicos>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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DOMINGUES, Juliana. De Bertha Lutz a Putin: “silenciar” ou “nomear”? Desigualdade de gênero não é nova e a violência de gênero também não. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/de-bertha-lutz-putin-silenciar-ou-nomear-14022017>. Acesso em: 15 out. 2018.

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DONAGGIO, Angela et al. Machismo na Academia. Folha de São Paulo, coluna Agora é que são elas, São Paulo, 05 jun. 2017.

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GÓIS, Tainã. Rede Feminista de Juristas. O que querem as feministas do Direito?, 20 ago. 2018. Disponível em: <http://azmina.com.br/colunas/o-que-querem-as-feministas-do-direito/>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil, 08 jun. 2018. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf.> Acesso em: 21 ago. 2018.

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LIMA, Juliana Domingos de. Este site ajuda a encontrar mulheres especialistas em áreas das ciências humanas. 27 jun. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/27/Este-site-ajuda-a-encontrar-mulheres-especialistas-em-%C3%A1reas-das-ci%C3%AAncias-humanas>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performanceCambridge University Press, 1990.

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OCDE, 2018. Education at a Glance, apresentado e comentado pelo INEP, como disponível em: <http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/eag/documentos/2018/Panorama_da_Educacao_2018_do_Education_a_glance.pdf>. Acesso em: 15 out. 2018.

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PNUD, 2018. Indicadores e Índices de Desenvolvimento Humano: Atualização Estatística 2018. Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2018/brasil-mantem-tendencia-de-avanco-no-desenvolvimento-humano–mas.html>. Acesso em: 15 out. 2018.

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RIBEIRO, Renato Janine. Presença da mulher em cargos de chefia avança em universidades. Jornal USP, São Paulo, 14 mar. 2018. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/presenca-da-mulher-em-cargos-de-chefia-avanca-em-universidades/>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

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SEN, Amartya. Desenvolvimento com Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.

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UNCTAD, 2017. Trade and Gender ToolboxDisponível em: <https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditc2017d1_en.pdf>. Acesso em: 15 out. 2018.

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WORLD BANK. Relatórios Engendering Development (2001) e Doing Business Report (2017). Disponíveis em: <http://siteresources.worldbank.org/PGLP/Resources/Engendering_Development.pdf> e <http://www.doingbusiness.org/en/reports/global-reports/doing-business-2018>. Acesso em: 15 out. 2018.

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1 PNUD, 2018. Indicadores e Índices de Desenvolvimento Humano: Atualização Estatística 2018. Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2018/brasil-mantem-tendencia-de-avanco-no-desenvolvimento-humano–mas.html>. Acesso em: 15 out. 2018.

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2 Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/08/no-de-mulheres-eleitas-se-mantem-no-senado-mas-aumenta-na-camara-e-nas-assembleias.ghtml>. Acesso em: 15 out. 2018.

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3UNCTAD, 2017. Trade and Gender Toolbox. Disponível em: https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditc2017d1_en.pdf. Acesso em: 15 out. 2018.

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4 Como exemplo, cita-se: OCDE, 2018. Education at a Glance, apresentado e comentado pelo INEP, disponível em: <http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/eag/documentos/2018/Panorama_da_Educacao_2018_do_Education_a_glance.pdf>. Acesso em: 15 out. 2018.

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5 World Bank, Relatórios Engendering Development (2001) e Doing Business Report (2017). Disponíveis em: http://siteresources.worldbank.org/PGLP/Resources/Engendering_Development.pdf e http://www.doingbusiness.org/en/reports/global-reports/doing-business-2018. Acesso em: 15 out. 2018.

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6 PNUD, 2018. Indicadores e Índices de Desenvolvimento Humano: Atualização Estatística 2018. Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2018/brasil-mantem-tendencia-de-avanco-no-desenvolvimento-humano–mas.html>. Acesso em: 15 out. 2018.

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7 Sobre o tema, veja-se: DOMINGUES, Juliana. De Bertha Lutz a Putin: “silenciar” ou “nomear”? Desigualdade de gênero não é nova e a violência de gênero também não. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/de-bertha-lutz-putin-silenciar-ou-nomear-14022017>. Acesso em: 15 out. 2018.

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8 IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil, 08 jun. 2018. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf. Acesso em: 21 ago. 2018.

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9 As mulheres dedicaram cerca de 8 horas semanais a mais que os homens nos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos. Além disso, enquanto 20,7% dos homens brancos e 7% dos homens pretos ou pardos com 25 anos ou mais possuem ensino superior completo, 23,5% das mulheres brancas e 10,4% das mulheres pretas ou pardas encontram-se na mesma situação. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil, 08 jun. 2018. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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10 DONAGGIO, Angela et al. Machismo na Academia. Folha de São Paulo, coluna “Agora é que são elas”, São Paulo, 05 jun. 2017.

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11 Renato Janine Ribeiro destaca as dificuldades no acesso das mulheres a esses cargos. Cf. RIBEIRO, Renato Janine. Presença da mulher em cargos de chefia avança em universidades. Jornal USP, São Paulo, 14 mar. 2018. <Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/presenca-da-mulher-em-cargos-de-chefia-avanca-em-universidades/>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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12 LIMA, Juliana Domingos de. Este site ajuda a encontrar mulheres especialistas em áreas das ciências humanas. 27 jun. 2017. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/27/Este-site-ajuda-a-encontrar-mulheres-especialistas-em-%C3%A1reas-das-ci%C3%AAncias-humanas>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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13 O link para acesso à página: http://allmalepanels.tumblr.com/

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14 Diante dessa situação, foi lançado o site “Mulheres também sabem”, que mantém “um banco de dados acessível de professoras, pesquisadoras e profissionais especialistas em uma variedade de áreas das Ciências Sociais, Sociais Aplicadas e Humanidades”, conforme descrição do próprio sítio eletrônico. O projeto foi inspirado por uma iniciativa pioneira de professoras norte-americanas chamada Women also know stuff.

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15 Conforme informações do CNMP, o procedimento foi instaurado em razão do evento “XXIII Congresso Brasileiro de Magistrados” ocorrido em maio desse ano na cidade de Maceió no qual, dos 28 palestrantes convidados, apenas duas eram mulheres, razão pela qual diversas magistradas se desvincularam da Associação Brasileira de Magistrados, entidade de classe responsável pela organização do evento. Cf. CNMP, Conselho Nacional do Ministério Público. Comissão do CNMP realiza estudos relacionados à representatividade das mulheres em eventos jurídicos, 14 ago. 2018. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/11410-comissao-do-cnmp-realiza-estudos-relacionados-a-representatividade-das-mulheres-em-eventos-juridicos>. Acesso em: 21 ago. 2018.

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16 Nesse sentido, vale mencionar a iniciativa da rede feminina brasileira “Women Inside Trade (WIT)” que por meio de petição pública promoveu maior participação feminina na ANAEX 2018 , Disponível em: < https://womeninsidetrade.com/2018/05/10/peticao-publica-participacao-feminina-no-enaex-2018> Acesso em: 16 de out, 2018. Da mesma forma a iniciativa da rede “Women In Antitrust Latin America (WIA)” que realizou o primeiro evento na área exclusivamente composto por mulheres em maio de 2018 (UNB) e que, por meio da parceria com o IBRAC, sensibilizou a presidência à criação de medidas que diversifiquem a composição dos painéis propostos nos eventos da área.

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17 No âmbito do Comércio Internacional, destaca-se a rede Women Inside Trade, da qual uma das autoras faz parte. Além disso, em relação ao direito antitruste, ressalta-se a rede Women in Antitrust Latin America, da qual uma das autoras faz parte da diretoria.

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18 SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. Veja-se ainda: SEN, Amartya. Desenvolvimento com Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.

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19 NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge University Press, 1990.

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20 GÓIS, Tainã. Rede Feminista de Juristas. O que querem as feministas do Direito? 20 ago. 2018.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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