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Porta dos Fundos e seu racismo recreativo

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE

 

Veja publicação original:  Porta dos Fundos e seu racismo recreativo

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Em sua nova coluna, Stephanie Ribeiro aborda o racismo recreativo no novo vídeo do canal do Youtube Porta dos Fundos, no qual Iemanjá representada por uma atriz negra, se oferece para fazer sexo oral em um homem

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Por Stephanie Ribeiro

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Racismo recreativo, segundo uma entrevista concedida a Carta Capital feita por Adilson Moreira, professor Doutor pela Universidade de Harvard em Direito Antidiscriminatório e autor do livro “O que é Racismo Recreativo?”, é:

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“(…) uma política cultural que utiliza o humor para expressar hostilidade em relação a minorias raciais. O humor racista opera como um mecanismo cultural que propaga o racismo, mas que ao mesmo tempo permite que pessoas brancas possam manter uma imagem positiva de si mesmas. Elas conseguem então propagar a ideia de que o racismo não tem relevância social. Não podemos esquecer que o humor é uma forma de discurso que expressa valores sociais presentes em uma dada sociedade.

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Para mim, racismo recreativo se aplica totalmente ao novo vídeo do canal Porta dos Fundos, no qual Iemanjá, representada por uma atriz negra, se oferece para fazer sexo oral em um homem. Ao fazer isso, os roteiristas do Porta dos Fundos, um grupo composto por maioria de homens brancos que são alçados como representantes do campo progressista brasileiro, conseguiram sem dúvidas ofender pessoas negras e não-negras pertencentes às religiões de matrizes africanas. E aparentemente isso não importa para eles, tampouco o seu público que argumenta que o programa também zomba de santos católicos.

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Veja bem: existem diferenças em uma religião socialmente imposta e seus símbolos, conhecidos por grande parte dos brasileiros. Práticas religiosas que sofrem racismo religioso são perseguidas, tratadas como profanas e são desconhecidas de grande parte dos brasileiros, que não detém as ferramentas para compreender o que representa um orixá e reproduz práticas (especialmente no final do ano) ligadas a religiões de matrizes africanas, tendem em sua maioria a condenar e satanizar nossas práticas e cultura. É necessário explicar ponto por ponto de como não é plausível comparar religiões que culturalmente e socialmente ocupam espaços tão distintos, pois se tratando de questões raciais, a falsa simetria é recorrente nos discursos que visam justificar os atos.

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Sendo assim, o vídeo por si só é desrespeitoso. Diversas pessoas negras ligadas às religiões de matrizes africanas estão desconfortáveis e ofendidas. Por mais que um orixá não possa ser entendido como um santo casto e divino, colocar Iemanjá se oferecendo para fazer um “boquete” é totalmente diferente do que se prega em terreiros, nos ensinamentos e nas práticas historicamente mantidas nesses espaços pelos que são do candomblé ou umbanda. Mesmo considerando que orixás tenham comportamento não púdico, e comportamentos amplos que não são compreendidos na ótica binária de bem e mal. Por isso, não só é desrespeitoso como se mostra totalmente ignorante.

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O problema ainda maior é que o Porta dos Fundos escolheu uma atriz negra . Não vou colocar o nome dela aqui, pois considero a exposição desnecessária e nada disso é sobre ela e sim sobre um canal mantido por homens e brancos. Porém é importante entender que uma atriz negra sendo usada nesse contexto reforça uma prática já criticada do canal: a tokenização de pessoas negras. A atriz foi escolhida para estar ali, não por um respeito a identidade dos orixás, mas pelo uso da identidade racial dela como forma de blindagem as críticas. Tema que já foi inclusive abordado pelo canal, o uso de “único negro” por perto, para que brancos não se sintam racistas.

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O vídeo intitulado “Amiguinho” já foi alvo de críticas por essa prática de tokenização, e para entender mais sobre o tema existe esse artigo: “Onde você esconde seu racismo? Porta dos Fundos e o token nosso de cada dia”, da feminista negra e arquiteta Joice Berth.  Somando esse fato do viés de token, que parece estar presente no atual vídeo, quando a atores negros são chamados para participações pontuais e não integram a grade fixa, tampouco ascendem midiaticamente como os homens brancos que foram do Porta dos Fundos para novelas ou se tornarem apresentadores de programas em grandes canais de TV.

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Além disso, o uso da sexualidade associada a uma mulher negra fecha esse ciclo com chave de ouro, o canal que não tem uma participação ampla de negros como atores, menos ainda como roteiristas, usa uma mulher negra associada a uma conduta sexual. Isso é o humor do século XXI? Não acredito que mulheres negras não podem ser associadas ao sexo, nós gostamos, fazemos e sentimos prazer sexual, porém recorrentemente se tratando de pessoas brancas, em especial homens brancos, mulheres negras têm sua sexualidade e corpos sendo entendidos como sua “utilidade” única para sociedade. Estruturalmente somos associadas ao sexo de uma forma que retiram a nossa humanidade e impõe uma compreensão unilateral do “sexo” como sendo nosso único lugar. Para pessoas negras esse olhar racista é desumanizador e reforçado numa série de representações midiáticas feitas por atores negros.

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Finalizo dizendo que o meu maior problema com esse vídeo é que atrizes negras não aparecem em outras produções. Já faz certo tempo que nós ativistas negros falamos  da importância de negros na representação em frente às câmeras, mas também no backstage. Contudo, na atual conjuntura política desse país, algumas pessoas vão entender que em nome de defender um canal “progressista” é necessário minimizar as críticas, já que existe um “mal maior”. Eu, particularmente,  acho que nessa de “mal maior”, “não bata no parceiro de luta”… práticas racistas e coloniais da elite branca “progressista” vão ser amenizadas, como se já não fossem o bastante há anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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