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O feminismo precisa pensar nos problemas dos homens?

Saiu no site UNIVERSA:

 

Veja publicação original: O feminismo precisa pensar nos problemas dos homens?

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Por Luiza Sahd

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Essa pergunta é, para mim, completamente retórica. Quanto mais descubro sobre o universo feminino, mais confusa me parece a resposta.

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Nos últimos cinco anos, com o crescimento do debate público sobre direitos das mulheres, me dediquei a investigar o que poderia definir a feminilidade — largando o anticoncepcional após 13 anos de uso contínuo para sacar meus hormônios, desistindo das dietas insalubres que prometiam me tornar a pessoa “mignon” que nunca fui, experimentando terapias alternativas  ou simplesmente observando mulheres que me cercam. De uma forma ou de outra, cada nova descoberta chegava com alguma revolta em relação à autonomia que os homens recebiam desde pequenos e que não me chegou na mesma medida. Somos seres tão livres quanto eles em teoria, mas, na prática, é melhor não usufruir de certas liberdades.

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Se alguma mulher duvidar disso, eu sugiro que comece a exercitar seu total livre-arbítrio ficando careca ou barriguda ou peluda. Se for tudo ao mesmo tempo e você for mais velha, melhor. Porque daí você fica mais parecida com boa parte dos homens que mandam no mundo atual e, bom, é partir pro abraço e chegar nos mesmos lugares que eles. Importante também é não reagir caso você sofra retaliações graças à sua aparência meio destoante à da Barbie: te dirão que você tem inveja dos homens e que, eventualmente, o que falta na sua vida é, ó! [gesto simulando um pênis bem grandão]. Mas, viu, não se iluda. Se você resolver exercer a liberdade de transar com geral, vai escutar poucas e boas também.

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A ciência já provou por todos os meios possíveis que temos a mesma capacidade intelectual dos nossos pares. Se nada disso for argumento suficiente para que já tivéssemos a mesma representatividade, aceito explicações melhores do que “machismo” na caixa de comentários, aqui abaixo.

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Por outro lado, ando cansada de odiar homens e andei consumindo aí uma droga chamada “estudos sobre masculinidade tóxica”. Olhando bem, todo homem é ferido pelo machismo em alguma medida porque, apesar das liberdades todas, os caras não usufruem de uma das que mais aprecio na vida: sentir.

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A um menino, não é muito permitido se emocionar. Ele pode sentir tudo o que estiver relacionado à testosterona (agressividade, tesão, vigor) e pouco mais. Desde pequeno, o homem tem que parecer, acima de tudo, inabalável. E não existe homem inabalável simplesmente porque não existe pessoa inabalável. Faça essa matemática direitinho e adivinhe com quem fica a missão inteira de ter sensibilidade nas relações? Com você, minha amiga dona de casa! Felicidades e meus parabéns.

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Se alguém perguntar se sinto pena dos homens por isso, a resposta é um redondo “não”. Já tive pena, levei pra casa e percebi que eles estão em posição mais confortável do que eu para lamber as próprias feridas, mas algo me diz que não vão fazê-lo porque o imaginário coletivo de masculinidade inclui a insensibilidade. Assim, o ciclo se fecha e, quando a gente se dá conta, tá reproduzindo o discurso do Jardim II de meninas versus meninos porque realmente não tem condições de aguentar o sujeito que se dirige a você como se tivesse comprado um direito vitalício de opinar sobre seu corpo via boleto bancário.

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Muitas feministas que respeito têm afirmado que não podemos nos ater muito nas questões de masculinidade tóxica como se não tivéssemos mais o que fazer — ou como se não precisássemos correr atrás de séculos de atraso em direitos civis. É um ponto. Meu ponto, no momento é: até quando a gente vai só gritar e ser chamada de doida por estar gritando? A gente quer mesmo reproduzir o modelo masculino de poder agressivo?

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Duvido um pouco que seja o melhor caminho. Olhar para as feridas que a masculinidade tem produzido e sinalizá-las tem me parecido uma alternativa sempre menos desgastante do que bater boca. Isso não faz parte de um cuidado com eles. Isso é, na verdade, um cuidado pessoal com a minha voz, que não pretendo gastar à toa, berrando para um abismo vazio cujo eco é “você está louca”. Como em tudo na vida, o plano é jogar um tempero de afeto e ver se o gosto fica menos pior.

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Suspeito que fique mais palatável para todos os envolvidos, ainda que não esteja escrito em lugar nenhum que as mudanças importantes do mundo possam ter algum gosto que não seja o amargo.

 

 

 

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