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Manual básico de segurança financeira para mulheres

Saiu no site AZ MINAS

 

Saiba se proteger da violência patrimonial que tem dois agravantes: não falamos sobre finanças e não aprendemos a lidar com o dinheiro

 

Se já é difícil falar de dinheiro nos espaços comuns e nas nossas relações em geral, falar de violência patrimonial é quase impensável. Essa questão ocorre num lugar de intimidade muito delicado onde – assim como as demais formas de violência – as vítimas se sentem culpadas. É também o caso da violência física, da violência psicológica, do assédio e de tantas outras baseadas em gênero.

Se você está sob controle financeiro pelo seu companheiro ou marido, primeiro de tudo, saiba que isso é violência patrimonial e você tem direito a proteção pela Lei Maria da Penha. A violência patrimonial ainda tem um fator que complexifica tudo: o fato de a gente não aprender como lidar com o dinheiro.

FEMINISMO E DIREITOS HUMANOS SEM INTERMEDIÁRIOS

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Você deve conhecer a história de alguma mulher que perdeu tudo durante a separação conjugal. Precisamos te dizer que a construção da sua segurança financeira deve vir antes de qualquer relacionamento.

Nós, mulheres, somos estruturalmente vulneráveis dentro do modo de produção capitalista. Ora pelo trabalho reprodutivo e não remunerado que realizamos (o cuidado), ora por ganhar sistematicamente menos do que os homens, tendo a mesma qualificação e experiência profissional. Quando se é uma mulher negra, então, todas essas dificuldades são mais amplificadas pela atuação do racismo.

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O QUE É VIOLÊNCIA PATRIMONIAL:
O controle excessivo sobre cada dinheiro gasto, a privação de acesso às finanças do casal, a guarda e posse de bens e documentos da mulher, são alguns exemplos de violência patrimonial. Quebrar bens, inclusive celular, é uma maneira de impedir que a mulher obtenha ajuda. Da mesma forma, tirar o acesso ao patrimônio e documentos pessoais é uma forma de prender a mulher na relação abusiva.

Neste mês que marca a luta pelos direitos das mulheres, trazemos algumas dicas e reflexões importantes na inauguração desta coluna, que será um espaço seguro para falarmos sobre finanças:

Tenha uma reserva de emergência
Muitos casais costumam guardar dinheiro juntos, como uma perspectiva de realizar sonhos, e isso é muito bem-vindo. Mas é fundamental que toda mulher tenha uma reserva no seu nome, em conta própria. Ninguém precisa saber que você tem esse dinheiro guardado. É a sua segurança diante de imprevistos. Ninguém planeja se separar ou ter uma emergência. Mas essas situações acontecem e é importante que você tenha uma reserva para manter sua dignidade e da sua família.

Vai morar junto? Entenda a união estável
A união estável é caracterizada por uma relação de casal, mesmo que sem papel assinado, com o objetivo de constituir uma família. Assim, quando você decide morar junto com o seu namorado (ou sua namorada), e o casal começa a se organizar com objetivos de vida em conjunto, isso já é, em si, uma união estável. E, como consequência, já tem um regime de bens vinculado a ela, mesmo que você não tenha expressamente autorizado isso.

Uma vez que é constatada a união estável (verificado que o casal vive junto, comprou bens, divide contas e tarefas domésticas, planeja futuro juntos), aquele casal passa a ter um regime de comunhão parcial de bens, que determina que tudo que foi adquirido durante o relacionamento deve ser partilhado entre os dois, no caso de separação (exceto por doações ou herança). Assim, se durante um relacionamento em que você mora com o seu namorado/a, você comprou um carro apenas com o seu dinheiro, abriu uma empresa e começou um investimento, sua parceria teria direito a metade de todas essas conquistas.

E se você concorda que deve dividir tudo, perfeito. Mas o importante é que você tenha agência nessa escolha de maneira consciente. Então, se vai morar junto, procure uma advogada de confiança e conheça seus direitos – se for o caso, registrem a união estável com separação de bens. Quem quer o seu bem de verdade, te quer informada, não controlada.

Não pare de trabalhar em função do relacionamento
Essa dica foi obtida perguntando para mulheres mais velhas sobre seus aprendizados de vida nessa questão da relação patrimonial. Sim, a sociedade é extremamente cruel com a maternidade e muitas mulheres precisam sair do mercado de trabalho para cuidar dos filhos. Essa é uma questão que precisa ser endereçada via políticas públicas, mas se você puder escolher, não pare de trabalhar. Quando você sai do mercado de trabalho por muito tempo, a dificuldade de realocação é muito grande. Mas saiba que se você parou de trabalhar durante um relacionamento, por qualquer motivo, existem proteções jurídicas.

Se você abdicou da sua vida profissional em prol de uma família e agora está se separando, você tem direito a pensão alimentícia, não só para os filhos, mas para você também. Se ainda tiver saúde para trabalhar, essa pensão será provisória. Mas se, por idade, dificuldade de realocação ou falta de saúde, você não conseguir mais trabalhar, essa pensão pode ser vitalícia.

Você também tem direito ao que chamamos de “alimentos compensatórios”, ou seja, um valor em dinheiro por indenização pelo fato de você ter abdicado de sua carreira, reconhecendo que você trabalhou e muito, em casa e em prol da família. Ainda que tenha casado com regime de separação total de bens, você tem direito a essas pensões e valores.

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Continue estudando sempre
O conhecimento é uma coisa que ninguém nunca pode tirar de nós. Por isso, é muito importante a gente nunca parar de estudar. Qualificar nossa força de trabalho é fundamental para garantir autonomia.

Conta conjunta somente para gastos conjuntos
Muitos casais utilizam as contas conjuntas para fazer a divisão dos gastos domésticos. É importante ter ciência que, numa conta conjunta, as duas pessoas titulares da conta têm direitos sobre o recurso que está ali. A conta conjunta pode ser uma ferramenta muito bacana para dividir gastos da casa. Ao mesmo tempo, você nunca deve depositar todo o seu salário em uma conta conjunta, porque isso faz com que você perca a autonomia sobre a gestão do seu dinheiro.

Se decidir fazer uma conta conjunta para deixar o dinheiro do casal, peça para o banco exigir autorização de ambos para a liberação de movimentação financeira. É muito recorrente homens sacarem toda a reserva do casal no momento da separação (por exemplo, esvaziar a poupança destinada à festa de casamento).

Tenha propriedades no seu nome
É fundamental que as mulheres tenham casa própria. A despeito de todo o discurso neoliberal, que vai dizer que alugar compensa mais do que comprar, acreditamos que possuir uma casa própria é uma questão de dignidade e segurança no caso das mulheres. É muito comum ver histórias de mulheres que foram expulsas de suas casas após um divórcio conturbado. Ou quando, dentro de um relacionamento, você ganha um “presente”, como um carro, que permanece no nome da outra pessoa. Isso te coloca numa vulnerabilidade muito grande. Por isso, sempre que for comprar algo, faça questão que esteja no seu nome.

Fique na casa
A não ser que você esteja em perigo, procure não sair da casa onde mora o casal, mesmo que ela esteja no nome do seu ex-marido, sobretudo se tiverem filhos. É muito mais fácil conseguir que o lar seja considerado uma parte da pensão daquele homem, do que comprar outro imóvel e pedir para ele ajudar no pagamento.

Quando há crianças no meio da história, o judiciário dificilmente irá tirar a mulher e os filhos do lar. Neste caso, os ex-maridos costumam alegar que você deve pagar aluguel a eles por permanecer na casa conjugal. Mas os tribunais já entendem que, tendo filhos, não se trata de aluguel, mas de um pai pagando pensão alimentícia aos filhos por meio da moradia.

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Auxílio-aluguel e Cartões-presente
Sabemos que estamos protegidas pela Lei Maria da Penha, mas o Direito nem sempre responde com a rapidez que os casos práticos demandam. Às vezes, a mulher que sofre violência patrimonial precisa de alguma fonte urgente de renda.

No Município de São Paulo, já existe a concessão de auxílio-aluguel para vítimas de violência doméstica, no valor de R$ 400. Esse direito veio de uma alteração na Lei Maria da Penha e os Municípios e Estados devem se organizar para assegurar a concessão às suas cidadãs. Vale conferir junto ao seu território.

Além disso, se seu marido controla tudo que você gasta no cartão, uma estratégia pode ser comprar cartões de presente de supermercados junto às compras do mês ou da semana. Esses cartões, geralmente, ficam carregados com um valor para ser usado no futuro, na mesma rede. Na fatura do cartão de crédito, apenas constará a compra no mercado X, o que não levantará suspeitas ao controlador que conferir faturas. Isso pode te dar um respiro para conseguir sair da situação.

Medidas protetivas
A legislação prevê medidas protetivas destinadas a impedir prejuízos maiores. Exemplos delas são: a proibição de venda ou de realização de negócios com bens do casal, congelamento de conta bancária, afastamento do lar para que a mulher possa ficar na casa com a família, suspensão do porte de armas etc. Procure a Justiça (Defensoria Pública ou Ministério Público, que costumam ter núcleos específicos de violência doméstica), além das delegacias especializadas para requisitar a proteção.

Os Estados e Municípios possuem equipamentos públicos para acolhimento de vítimas e direcionamento de denúncias, como, por exemplo, as Delegacias de Defesa da Mulher, Grupos de Apoio a Vítimas de Violência, Casas ou Centros de Referência da Mulher, Centros de Cidadania e Centros de Cidadania da Mulher.

ACESSE O MANUAL DE FUGA DO APLICATIVO PENHAS
Peça ajuda
A Lei Maria da Penha inclui a violência patrimonial como forma de violência doméstica. Se você identificar algum comportamento violento, procure ajuda imediatamente. Caso não localize os serviços especializados em atender mulheres vítimas de violência, toda Delegacia de Polícia é obrigada a registrar Boletim de Ocorrência (BO) de violência doméstica, com pedido de medida protetiva. Não aceite negativas da polícia, insista! O BO é seu direito.

Sempre que possível, esteja acompanhada. Se puder, contrate uma advogada feminista, inclusive para te proteger da revitimização e culpabilização dos próprios Órgãos Públicos. Há coletivos que trabalham com assistência jurídica gratuita (alguns exemplos são: Tamo Juntas, Mapa do Acolhimento e Defemde). Se não der para contratar advogada, chame uma pessoa de confiança e não desista. É uma jornada dolorosa, mas necessária. Você não está sozinha! O fim da violência contra a mulher é uma luta de todas, todos e todes!

*Esse texto foi escrito por Gabriela Chaves, responsável por essa coluna sobre finanças que estreia n’AzMina em 11 de março de 2024, em parceria com Mariana Serrano, que é advogada e mestre em Direito pela PUC/SP, já atendeu a mais de 700 vítimas de violências decorrentes do gênero e é professora da primeira pós-graduação de Direito Antidiscriminatório do Brasil. –

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