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Luiza Brunet: “Os jogadores de futebol têm de se educar, não estuprar”

Saiu no site CORREIO BRAZILIENSE

 

Diante da expectativa da sentença que será dada pela Justiça da Espanha a Daniel Alves, a defensora dos direitos das mulheres espera que a punição seja severa para servir de exemplo a todos. Ela também fala da violência contra brasileiras no exterior

Lisboa — A Justiça espanhola vai divulgar, nos próximos dias, o resultado do julgamento do jogador brasileiro Daniel Alves, acusado de estupro de uma jovem imigrante na Espanha. Para a ex-modelo e ativista em defesa das mulheres Luiza Brunet, a sentença deve ser dura, servindo de exemplo a homens que se acham no direito de violentar quem quer que seja. A punição, acredita ela, mostrará, principalmente, aos jogadores de futebol, que ganham milhões, o quanto eles precisam se educar e ter limites. “Temos os casos do Daniel, do Robinho. Infelizmente, eles recebem cartão verde para fazer o que querem, inclusive, estuprar. Não podem continuar assim. Tudo na vida tem limite”, afirma.

Luiza se diz estarrecida com o aumento da violência contra mulheres e chama a atenção para e enorme desproteção das brasileiras que vivem no exterior. Ela ressalta como exemplo dos abusos aos quais elas vêm sendo submetidas o caso de Grazielle Tavares, que levou um soco na boca e um chute na barriga dentro da Universidade do Minho, em Portugal, simplesmente porque discordou de um português, João Bernardo Mendes, em um trabalho de classe. Até agora, o agressor não recebeu nenhum tipo de punição. “Fiquei horrorizada quando soube disso”, frisa.

A ex-modelo, que foi vítima de violência ao longo da vida, alerta para o machismo entre as próprias mulheres, cobra mais agilidade da Justiça no andamento de processos e defende campanhas educativas diárias sobre respeito e contra abusos, que têm atingindo, inclusive, recém-nascidos, violentados pelos próprios pais. Ela afirma, ainda, ver com muito orgulho a participação da filha Yasmin em um dos programas de maior audiência da tevê, o BBB. “É uma batalhadora, vencedora, que tem muito a contribuir para o fortalecimento das mulheres”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.

As mulheres brasileiras têm sido as principais vítimas de xenofobia em Portugal. Muitas são chamadas de putas, de prostitutas, de ladras de maridos. Como vê isso?
Estou impressionada com essa situação, não sabia que estava nesse nível, a ponto de uma brasileira ser agredida dentro de uma universidade com um soco da boca e um chute na barriga. Que coisa terrível.

Essa situação de xenofobia ocorre no dia a dia. É quase impossível, por exemplo, para uma mulher brasileira alugar um imóvel em Portugal.
Isso é inadmissível. E precisa ser combatido de todas as formas. Agora, não se trata de uma situação exclusiva de Portugal. Tenho viajado muito para falar com as mulheres brasileiras migrantes. Fico muito impressionada com a falta de justiça na Europa, nos Estados Unidos. Na Europa, mais ainda, porque os governos não reconhecem a violência contra as mulheres como um problema a ser enfrentado. Só reagem com mais veemência se houver um feminicídio. Mas é preciso um olhar mais apurado, mais amplo, para se agir com mais rapidez. Infelizmente, o que mais vejo são violações aos direitos humanos e falta de medidas cabíveis que deveriam ser tomadas.

O Brasil está mais avançado no combate à violência contra as mulheres?
Temos, no Brasil, a Lei Maria da Penha, que é recente e beneficia as mulheres. Mas que precisa ser ajustada, porque a violência aumentou demais. Todas as formas de violência. Mas o que eu vejo fora do Brasil seja, talvez, uma falta de conhecimento por parte das mulheres brasileiras. Elas vão para o exterior acreditando que terão uma vida muito melhor do que aqui, que os maridos estrangeiros são melhores. Todos nós sabemos que a violência é democrática, não escolhe raça, cor, ideologia. Ou seja, as mulheres são vítimas de violência no mundo inteiro. O Brasil é o quinto país onde mais se mata mulheres e se infringe a lei de direitos humanos e de respeito ao próximo. Também é o primeiro país que mata mulheres trans. Na Europa, as mulheres trans e travestis são massacradas e acabam caindo na marginalidade sem direito a absolutamente nada. Não têm direito à saúde, à educação, não tem nada.

Há muita ilusão nesse processo migratório?
Com certeza. As mulheres brasileiras, quando saem do Brasil, vão em busca do que elas não têm aqui, uma vida mais digna. Muitas se casam com homens agressores, que as transformam em empregadas domésticas, quase sem direitos, nem de cobrarem respeito. Há, ainda, as que trabalham para dar dinheiro aos maridos. Pior: acabam tendo filhos com esses maridos que, depois, querem tomar delas. Muitas não se atentam para os riscos, porque preferem viver num mundo de magia.

Essa visão de que tudo no chamado Primeiro Mundo é melhor é um erro, certo?
Sim. A violência está disseminada, não tem barreiras. Em todos os lugares do mundo há um longo caminho a ser percorrido para que as mulheres sejam respeitadas. Recebo muitas denúncias de mulheres aqui no Brasil e de fora. A percepção que eu tenho é de que a violência maior decorre do fanatismo e do radicalismo que estão tomando conta das pessoas. Mulheres estão sendo mortas na porta de casa. Há mulher sendo morta amamentando um bebê. É uma situação completamente fora de um contexto de normalidade. Os agressores apostam na impunidade.

Como vê a Justiça no Brasil?
Há, sim, um olhar mais sensível para o combate à violência contra mulheres. O Conselho Nacional do Ministério Público tem feito campanhas pontuais alertando a população para que combata essa violência, porque ninguém está livre dela. Mas eu acredito que essas campanhas precisam ser contínuas, feitas todos os dias. Não acredito muito em campanhas pontuais, pois a violência enfrentada pelas mulheres é diária e é cruel. Na minha opinião, as campanhas devem ser feitas com vítimas reais dessa violência, dando depoimentos das frustrações, das agressões, da falta de apoio. Se não for assim, as pessoas não vão se reconhecer.

Ou seja, é importante que as mulheres não tenham medo de se expor?
Exatamente. Há mulheres que são mais corajosas que as outras, o que é perfeitamente normal. Mas precisamos retratar a realidade. É isso que comove.

Há uma expectativa grande em relação ao resultado do julgamento do jogador brasileiro Daniel Alves, acusado de estupro na Espanha. Como avalia esse caso?
Uma punição exemplar dele será um divisor de águas. O crime foi identificado. Inclusive, ele tentou driblar o estupro com várias versões. Não acompanhei todo o processo, mas posso dizer que todos os estupradores devem ser punidos com rigor, independentemente de quem seja. Não é porque é o Daniel, é porque são homens que cometem esse crime. Eles quase nunca são punidos como deveriam. Por isso, se sentem autorizados a fazer qualquer coisa.

Há muitos jogadores de futebol que ultrapassam a linha vermelha se apegando à fama para não ser punidos.
É preciso parar com isso. Espero que o caso de Daniel Alves seja usado, inclusive, para educar os jogadores de futebol que não têm limite.

 

Temos o caso do Robinho, que foi condenado na Itália, mas está solto no Brasil.
Isso é inaceitável. Ele já deveria ter sido punido. Todos, sem exceção, precisam entender que são referências para os jovens, para as crianças, que se espelham neles. Esses jogadores devem passar o conceito de respeito, de pessoa gentil, de responsabilidade. Eles ganham milhões jogando futebol, e a gente aplaudindo. Mas onde está o respeito? É preciso ter limites.

Recentemente, a senhora fez uma palestra sobre violência contra mulheres no Museu da Fifa. Como foi a reação?
Infelizmente, não pude falar abertamente sobre violência. Esse assunto foi tratado de uma forma generalizada. Evidentemente, desde sempre, os jogadores tiveram um cartão verde para fazer o que eles quiserem. Mas vou insistir com a minha missão. Neste ano, a palestra será na sede da própria Fifa.

Nas viagens que tem feito pelo mundo, como vê o suporte do governo brasileiro às mulheres vítimas de violência?
Acredito que as pessoas que moram fora do Brasil têm um pouco de medo de buscar ajuda nos consulados, nas embaixadas. Contudo, para fazer uma denúncia de um fato grave, tem que constituir provas. O ideal é que as mulheres tenham uma carta na manga. Se elas vêm sofrendo algum tipo de violência dentro de casa, ou no trabalho, ou de algum conhecido, não importa a violência, devem gravar tudo, guardar provas para quando precisarem. Nunca acreditamos que vai acontecer com a gente. Mas temos de estar atentas, porque, infelizmente, a Justiça só atua se houver provas. As mulheres precisam ficar espertas. Em casos de violência, antes de buscar ajuda em um consulado, tem de fazer, primeiro, a denúncia em uma delegacia.

Muitas têm medo de ir a uma delegacia, seja no Brasil, seja no exterior.
Quando fui vítima de violência, fui a uma delegacia. E fui destratada. Não me deram a devida atenção. Mas não desisti….

 

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