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Identidade e gênero pautam espetáculos do MID

Saiu no site CORREIO BRAZILIENSE

 

Veja publicação original:   Identidade e gênero pautam espetáculos do MID

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Coreografias da Quasar Cia. de Dança e da francesa Maguy Marin encerram festival

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Por Nahima Maciel

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Identidades, empatia, papéis sociais e convenções estabelecidas são algumas das questões propostas em dois espetáculos que encerram a programação da quinta edição do Movimento Internacional de Teatro (MID). Em Estou sem silêncio, a Quasar leva para o palco um elenco inteiramente feminino que se equilibra entre a dança e a dramaturgia para falar de personalidades e individualidades. Pensando na diversidade humana e no tempo, a francesa Maguy Marin propõe em Singspiele que se olhe com mais cuidado para o outro.

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Maguy é uma das maiores referências da dança contemporânea europeia. Em seu RAMDAM, um centro de arte nos arredores de Lyon (França), desenvolve pesquisa que resulta em criações nas quais olhar para o mundo, observar, absorver e traduzir são algumas das diretrizes. Ex-integrante da companhia de Maurice Béjart, Maguy enxerga na dança um universo vasto de expressão, sem limites e em constante diálogo com outras artes. Não há fronteiras para a criação.

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Dos anos 1980, quando criou May B e atraiu a atenção de toda a cena internacional com um espetáculo inspirado em Samuel Beckett, Singspiele, criado há cinco anos e cujo título é inspirado em termo alemão usado para os diálogos falados típicos das óperas. A coreógrafa leva para o palco um repertório no qual a dança é o instrumento para pensar o mundo.

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“O espetáculo nasceu mesmo de um desejo de fazer um trabalho com David”, avisa Maguy. Filho da coreógrafa e diretor de cinema, autor do documentário Maguy Marin, l’’urgence d’agir, David Mambouch é quem sobe ao palco para dar vida a mais de 60 rostos impressos em papel que servem de acessórios enquanto o bailarino troca de roupa ao som de uma trilha com barulhos de rua e carros.

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A individualidade escondida por trás de cada rosto, a rapidez com a qual olhamos para o outro, os papéis sociais atribuídos a cada um e a impaciência do cotidiano são alguns dos temas que perpassam Singspiele. A dança, para Maguy, não é um fim em si, mas um instrumento para falar do mundo contemporâneo. Questões como governos opressivos, consumismo e liberdade, mas também o lugar do corpo na sociedade e sua capacidade de carregar e expressar questões políticas e poéticas estão no cerne das criações da coreógrafa. “Acho que o engajamento do artista sempre existiu”, explica Maguy, em entrevista exclusiva ao Correio. “O artista é alguém que está sempre na esfera da urgência, e isso não se deve apenas ao contexto, mas porque ele tem urgência de expressar algo, seja em relação ao que sente, seja em relação ao que quer comunicar para as pessoas. Eu acredito que a urgência é sempre algo primário”, afirma.

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Experimentalismo

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Boa parte do trabalho de Maguy está ligada à experimentação, seja com dançarinos amadores, com os quais costuma trabalhar, seja com as residências com jovens artistas e companhias, atividade que dá sentido ao RAMDAM e que sempre esteve presente na trajetória da coreógrafa. “Foi uma salvação para mim encontrar a dança, e eu fico sempre pensando que uma criança, um adolescente, um idoso, pouco importa, fico pensando que essa atividade pode realmente liberar coisas, abrir perspectivas que nunca havíamos imaginado antes”, diz a coreógrafa.

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Durante os anos 1980, à frente do Centre Choréographique National (CCN), Maguy colocou em prática uma pesquisa que ajudou a quebrar os códigos tradicionais da dança e levou essa arte para um patamar contemporâneo e de contestação, mas sempre amparada por enorme rigor técnico.

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Os rostos encontrados em livros de retratos e na internet guiaram Maguy e David na criação de Singspiele. Ela se sentiu inspirada pelos textos do filósofo Emmanuel Levinas sobre a totalidade e o infinito contidos nos rostos, e ele quis refletir sobre o que há por trás de cada expressão facial. “Levinas diz que o rosto é algo que impede que se mate: ter o rosto de alguém diante de si nos chama para uma abertura. Raramente enxergamos os rostos das pessoas. Nós os percebemos, os vemos, mas não enxergamos. Nós ficamos muito tempo olhando para esses rostos, e eles nos disseram coisas”, avisa.

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Mas Singspiele também é sobre o tempo. Maguy atribui à pressa e à impaciência do cotidiano o fato de não enxergamos as pessoas. “Chegamos a esse ponto porque estamos tomados por 10 mil coisas ao mesmo tempo, não temos mais a capacidade de contemplação, o tempo e a paciência de olhar para as micromudanças das coisas, das pessoas, das flores, dos seres vivos, da natureza. Tudo passa muito rápido, e ver é uma capacidade, como um músculo que não temos mais. Ficamos impacientes com uma velocidade muito grande hoje em dia”, lamenta.

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Questões femininas

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De olho nas discussões feministas contemporâneas, o coreógrafo Henrique Rodovalho atendeu a um pedido de um grupo de bailarinas da Quasar Cia. de Dança e criou Estou sem silêncio, espetáculo que integra a programação de hoje do MID e fala sobre e para as mulheres. Em cena, quatro dançarinas desenvolvem uma dinâmica na qual o lugar da mulher na sociedade é um dos temas. “Eu estava com muita intenção de tratar desse tema, que é tão delicado mas, ao mesmo tempo, atual. O espetáculo parte desse universo feminino, dessa mulher atual, de como ela lida com questões que sempre existiram, mas que, hoje, ela consegue se posicionar mais, questionar, até se unindo. Eu queria tratar disso”, conta o coreógrafo.

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Esta é a primeira vez que Rodovalho cria uma peça para uma quantidade tão pequena de bailarinos. É, também, uma experiência para a Quasar, que encerrou as atividades como companhia permanente em 2016 e agora tenta tocar projetos isolados. Estou sem silêncio foi realizado por conta própria, às custas do próprio coreógrafo e das bailarinas na expectativa de receber convites no futuro para conseguir algum tipo de rendimento. “É um momento inusitado, muito novo da companhia”, diz Rodovalho, que, durante os 28 anos de existência da Quasar, trabalhava com patrocínios que permitiam pagar salários aos bailarinos e às equipes de criação. “Esse espetáculo partiu de custo zero para tentar que, depois, as pessoas recebessem. É a primeira vez que a gente está fazendo isso, e já temos vários convites. É um espetáculo diferente do estilo Quasar”, garante.

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Ao longo do processo de criação de Estou sem silêncio, o coreógrafo procurou, sobretudo, ouvir a opinião das bailarinas. Não queria que o espetáculo fosse mais um dirigido e criado por um homem para falar das mulheres. Em cena, Isabel Mamede, Gabriela Leite, Marcella Lambeiro e Thaís Kuwae encenam situações que remetem às mais variadas questões, da violência à diversidade de personalidades.

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Três perguntas / Maguy Marin

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Quais são os limites e possibilidades da dança enquanto forma de expressão contemporânea?
Eu acredito que não há limites. Isso depende do artista que cria e compõe com o espaço, o tempo, os ritmos. Não há limite algum. E não sou a única a pensar assim. Cada vez mais a dança é uma arte que não tem limites. Os artistas que vêm da dança acolhem com frequência as outras artes, como a música, o teatro e as artes plásticas. Há ainda pessoas que continuam a trabalhar a dança a partir do movimento puro e isso é incrível, mas eu penso que há um movimento forte de apagamento das fronteiras. Houve outros momentos em que a dança passou por isso, mas eram situações isoladas em algumas colaborações. Nos últimos 20 anos, as influências de uma área em outra acabou por fazer os artistas trabalharem essa mistura das artes.

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Quais são suas motivações hoje para criar?
Estou viva e minhas paixões são as mesmas de sempre —  mesmo que as questões não sejam mais as mesmas. Tenho outras questões e algumas que ainda são as mesmas. Eu ainda não entendi tudo do mundo e continuo a apresentar problemáticas para tentar dar a elas uma forma por meio da arte.

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A senhora acredita na dança como instrumento de inserção social?
Totalmente. Mas essa questão do corpo depende muito do país. Na França, a questão do corpo é ainda muito inibida e a dança pode, eventualmente, impedir que a pessoa se expresse porque há uma espécie de sentimento de despudor quanto a mexer o corpo. E no entanto, com o ritmo, podemos mergulhar na dança. É tudo uma questão de lutar contra essa resistência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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