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Fui estuprada e pude abortar

Saiu no site AGORA É QUE SÃO ELAS: 

 

Veja publicação original:   Fui estuprada e pude abortar

 

POR #AGORAÉQUESÃOELAS

Esta semana, por 18 votos de homens contra 1 voto da deputada Erika Kokay, os homens da comissão da câmara conseguiram aprovar uma proposta que proíbe o aborto até em caso de estupro. Trata-se da PEC 181. Originalmente destinada ao aumento da licença maternidade em caso de bebê prematuro, seu texto foi alterado através de emenda constitucional, e a bancada conservadora incluiu a frase: “a vida começa a partir da concepção do feto”. O objetivo desta frase é impedir qualquer tipo de prática de interrupção da gravidez, mesmo aquelas já previstas por lei. Como em caso do estupro. Este é um relato de uma mulher que, se depender dos homens do congresso nacional, teria tido sua vida destroçada.

por #AgoraÉQueSãoElas

Por Antonina Gomes*

Eu vou contar minha história, mas já sei que vai ter gente dizendo: “mas você facilitou, como foi se encontrar com um cara que conheceu pelas redes sociais?”. Eu não facilitei nada, nunca nenhuma mulher facilita um estupro. Estupro é violência. Será que precisamos mesmo dizer isso ainda? Eu não fiz nada de errado. Existem homens e monstros. Ele era um monstro. E eu só uma menina.

Nós já nos falávamos há três meses pela internet. Foi no dia 2 de outubro de 2016. Eu tenho 19 anos agora. Eu cheguei a sair três vezes com ele, tomávamos café, conversávamos. Mas eu não queria mais vê-lo, eu sentia algo estranho quando estava com ele. Um dia ele me encontrou no ponto de ônibus, eu estava indo para o médico. Sofro de asma grave, e estava muito fraca. Ele me ofereceu ajuda para descansar antes de pegar o ônibus.

Andei um pouco com ele até que me vi em um lugar ermo. Não sei quanto tempo demorou. Eu gritei muito, mas ninguém me ouviu. Eu sei que havia gente ao redor, ele havia combinado com outros homens. Ninguém me socorreu. Sai correndo para casa e esperei meu pai chegar. Contei tudo para ele. Fomos ao posto de saúde, mas eles disseram que não poderiam me ajudar. No dia seguinte, fomos ao hospital, mas lá também disseram que não poderiam me atender. Me mandaram para a delegacia.

Fui em quatro delegacias diferentes. Quatro. Em cada uma, eles diziam ‘não é aqui, só na outra’. Até que cheguei numa delegacia da mulher. A essa altura, já havia contado – e revivido – inúmeras vezes a violência que sofri. Numa das delegacias, os policiais fizeram rodinha para ouvir. Nesse lugares, ouvi coisas ruins. Ouvi que eu merecia. Eu não tinha forças para brigar com essas pessoas, elas nem me olhavam, e eu só queria que passasse aquela dor. E a minha asma só piorava. Eles falavam como se eu não estivesse ali. De quem era a culpa pelo que eu estava passando? Minha? Não, mas daquela pessoa que é um monstro. Eu cheguei a ouvir, “como você tem coragem de fazer um ato desses?”. Eu?

 

 

Fiz o boletim de ocorrência. Parecia que nada ia acontecer. Uma policial me procurou e disse para eu ir ao hospital de referência para aborto legal. Lá eu fiz o exame de corpo de delito e recebi os remédios de emergência. Fui muito bem atendida, pela primeira vez perguntaram como eu estava. Uma psicóloga me escutou, disse que não me julgaria.

 

 

Poucas semanas depois adoeci de uma pneumonia e fui para o hospital. Uma médica pediu um exame de gravidez. De madrugada, ela veio me dar a notícia, ela foi sensível. Sabia de tudo a respeito do estupro, disse que eu poderia ser ajudada. Liguei para a psicóloga, ela pediu para eu ir lá urgente. Só ali as pessoas cuidaram de mim. Tudo foi resolvido rapidamente.

Eu vim aqui contar minha história porque eu preciso fazer alguma coisa. Eu preciso ajudar outras mulheres. Eu queria dizer às outras mulheres que elas não estão sozinhas. Eu não sabia que existia serviço de aborto legal para casos de estupro, é importante que as mulheres saibam.

 

 

E, principalmente, que nenhuma mulher é culpada pelo estupro. Ou obrigada a ter um filho fruto de uma violência. Ter filho deve ser uma experiência de amor, não de terror.

 

 

 

 

 

 

 

 

….

*Antonina Gomes é o nome fictício de uma mulher que compartilhou sua história em junho de 2017 para a campanha “Eu vou contar”. 

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