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Eu, Leitora: “Fui cortada da seleção brasileira de vôlei por protestar contra a desigualdade entre gêneros”

Saiu no site REVISTA MARIA CLAIRE

 

Veja publicação original:    Eu, Leitora: “Fui cortada da seleção brasileira de vôlei por protestar contra a desigualdade entre gêneros”

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Jackie Silva é um verdadeiro mito no vôlei de praia brasileiro e foi a primeira mulher a trazer uma medalha de ouro para o país nas Olimpíadas de Atlanta (1996), mas seu sucesso não evitou que ela passasse por uma injustiça: não recebia o repasse do valor pago pelo patrocinador, diferentemente do que acontecia com o time masculino

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“Nos anos 80, mais precisamente em 1986, quando a seleção brasileira de vôlei treinava na quadra do Floresta Country Club, decidi vestir a camiseta do time pelo avesso ao invés de vestir o uniforme completo com o nome do patrocinador à vista em protesto contra a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). Fiz isso porque eles só remuneravam os atletas masculinos com a verba dos contratos publicitários. Nessa época, eu reivindicava uma ajuda de custo e o presidente negara qualquer apoio, alegando que, se tivesse de me ajudar, teria que ajudar a todas, pois dizia ele: ‘Isso aqui é um grupo’. E eu pensei:

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– Um grupo de homens é claro, uma vez que não se reconhecem os direitos das mulheres.

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Por conta disso, no dia seguinte, fui cortada da seleção. A comunicação me foi dada pelo presidente da CBV, numa casa situada dentro do clube do Floresta que parecia se encontrar fechada há anos. Uma casa suja, cheia de poeira e teias de aranha, escura, com a água da chuva molhando tudo por dentro. Foi lá, nesse ambiente sinistro, que o referido presidente me disse que o corte se dera por conta do enorme desgaste que estava havendo entre nós (ele e eu) e que poderia afetar a seleção toda.

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Ao sair daquele ambiente tenebroso, percebi que ali ficara um pouco de tudo que eu fui para o vôlei brasileiro e senti-me inundada da sensação que dali saíra purificada com ainda mais vontade de lutar.

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Além de cortada da seleção, fui também banida do Brasil. Ninguém mais me contratava. Eles me desqualificaram para tudo, alegando que eu era um problema, que só fazia confusão. Essa versão maldita perdurou por muito tempo. Diante disso, fui embora para os Estados Unidos, onde fiquei por um período de dez anos, ajudando, inclusive, com o meu trabalho a difundir o vôlei de praia. Motivo pelo qual, durante minha estadia americana, terminei ficando conhecida como Jackie Silva, a RAINHA DO VÔLEI DE PRAIA.

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Depois desse longo período, voltei ao Brasil como Campeã Olímpica de vôlei de praia junto com minha parceira Sandra Pires. Com uma medalha de Ouro na mão, a primeira conquistada por uma mulher brasileira em Olimpíadas, imaginei que seria mais fácil continuar na luta para melhorar as condições de trabalho das atletas brasileiras. Eu não tinha perdido minha força e liderava a campanha pela igualdade de prêmio. Era preciso gritar contra a disparidade na hora dos prêmios entre homens e mulheres, uma vez que nada tinha mudado nesse sentido. Na verdade, a mulher só foi reconhecida em condições de igualdade no vôlei de praia em 2004, oito anos depois da nossa vitória nas Olimpíadas.

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Mas as injustiças contra minha pessoa não cessaram.

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Jackie Silva e Sandra Pires (Foto: Arquivo pessoal)

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O ápice foi em 2016, durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio. Nessa ocasião, todos os grandes atletas foram homenageados participando da referida cerimônia, menos eu. Fui mais uma vez cortada, mais uma vez punida, apesar de toda a minha realização em favor do vôlei de praia. “Barrada no baile”, tentei encontrar resposta e não obtive. Restou mais uma vez a indignação e a frustração.

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No final do ano passado, porém, senti-me redimida ao receber o Troféu Adhemar Ferreira da Silva pelo COB [Comitê Olímpico Brasileiro]. Esse prêmio significou não só uma forma de conserto de todas essas injustiças, mas, sobretudo, um símbolo de uma nova era no esporte nacional, uma nova era do COB, uma nova direção e que nessa nova era as mulheres ocupem cargos de chefia, de dirigentes, treinadoras e por que não presidente do COB também? Esse troféu não é só meu. É de todas nós mulheres. É uma conquista pela a igualdade.

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Que daqui em diante nunca mais nenhuma mulher tenha que passar pelo que passei, por ter lutado pelos direitos das mulheres.”

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Jackie Silva recebe o Prêmio Adhemar Ferreira da Silva (Foto: Alexandre Loureiro/COB)

Jackie Silva recebe o Prêmio Adhemar Ferreira da Silva (Foto: Alexandre Loureiro/COB)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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