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Enquanto grávida se droga na cracolândia da Brasil, Rio perde único abrigo para gestantes dependentes químicas

Saiu no site EXTRA

 

Veja publicação original: Enquanto grávida se droga na cracolândia da Brasil, Rio perde único abrigo para gestantes dependentes químicas

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Vestindo uma camisa com listras vermelhas e pretas e o escudo do Flamengo no peito, além de uma calça de malha preta, E. M., de 20 anos, se destaca pelo enorme barrigão de seis meses de gravidez entre as dezenas de homens e mulheres que perambulam pela cracolândia que se formou em um dos trechos das obras de implantação do BRT Transbrasil, na altura do Parque União. Se fosse recorrer à ajuda da prefeitura, a jovem não poderia mais contar com o único espaço na cidade que era destinado especificamente ao atendimento a gestantes que fazem uso de outras drogas e seus filhos. O Espaço Eloos, mantido pelo município em parceria com o Viva Rio, que funcionava em uma casa na Travessa Pinto Telles, em Campinho, fechou cinco meses depois de ter sido aberto, segundo a prefeitura. Nesse período, acolheu cerca de 20 usuárias e seus bebês.

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A Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos não explicou os motivos do fechamento. Informou apenas que o espaço foi projetado pela equipe da gestão anterior, que captou recursos federais junto ao Ministério da Justiça, em 2014, para sua implantação. Ainda segundo o órgão, a unidade tratava de mulheres gestantes em situação de rua, principalmente nas cenas de uso de drogas. Os recursos foram repassados ao município em 2016, mas a inauguração se deu apenas em maio do ano passado, quando, após licitação, o Viva Rio passou a fazer a cogestão do espaço. A secretaria informou ainda que o público em situação de rua que aceita ser acolhido é encaminhado para as unidades da prefeitura, e que as gestantes vão para o abrigo de famílias.

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Já o Viva Rio explicou que o convênio foi rompido pela prefeitura em junho, um mês depois de firmado. Mesmo assim, para não deixar as usuárias do projeto desassistidas, a instituição manteve o atendimento até novembro, sem receber os recursos destinados à unidade. Porém, em agosto, após conversa com a secretaria, ficou decidido que o espaço não receberia novas usuárias, até que a situação fosse regularizada, o que não aconteceu, e ele acabou fechando.

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Com base em números repassados pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB), exonerada da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos em setembro do ano passado, o EXTRA mostrou em outubro que a prefeitura vem reduzindo os investimentos no acolhimento especializado a crianças e adolescentes desde 2015. De acordo com números do Fincon, sistema informatizado de acompanhamento de gastos do município, a prefeitura gastou R$ 8.908.646 em 2015, enquanto 2017 registrou um desembolso de R$ 3.082.335 — cerca de 65% menor. Já de 2016 para 2017, a redução foi de pouco mais de 50%. Considerando o dinheiro gasto este ano, até outubro, apenas R$ 1.934.896 já foi gasto com o acolhimento especializado dos jovens usuários de crack e outras substâncias químicas.

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Espaço que deveria atender gestantes usuárias de drogas está fechado
Espaço que deveria atender gestantes usuárias de drogas está fechado Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo

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E. M. conta que está na cracolândia da Brasil há pouco mais de uma semana, mas não dá detalhes de como chegou no local. Entregue à própria sorte, ela diz que nesse período ainda não foi abordada por nenhum agente da prefeitura. Apesar da vida que leva, como toda jovem, ela tem muitos sonhos. Abandonar as drogas, se reunir de novo com sua família e gravar um CD com músicas gospel são apenas alguns.

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— Todos sonham ter uma vida melhor, uma família. Vou te contar uma coisa: meu sonho é gravar um CD Gospel. Só não me peça para cantar aqui — diz a jovem, tímida, que nunca trabalhou, estudou só até a 4ª série e foi criada numa família evangélica.

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Ela conta que fez pré-natal em uma clínica da família perto da casa de sua mãe, na Ilha do Governador, e já sabe o sexo da criança, que tem até nome escolhido. Será a primeira menina e fará companhia a dois meninos, de 2 e 5 anos, criados pela avó. Quando fala das crianças, o sorriso acanhado, que mostra a falta dos dentes da frente, se esconde e uma lágrima cai. Logo a tristeza vai embora e, em um dos raros momentos em que resolve se abrir, volta a falar dos filhos:

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— Quando estava grávida do meu segundo filho, todas as ultrassonografias apontavam que seriam uma menina. Fiz todo o enxoval na cor rosa e nasceu um menino. O jeito foi aproveitar a roupa assim mesmo. Não tinha como comprar outra. Para essa já ganhei berço e carrinho de bebê. Estão com a minha mãe — contou.

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Fazê-la falar de sua vida não é uma tarefa simples. Primeiro, o interlocutor precisa conquistar sua confiança. Os relatos de E. têm vários vazios. Não se trata de esquecimento, mas sim de temas que ele prefere deixar para trás, no passado. Um deles é como entrou para o mundo das drogas. Ela diz apenas que foi por influência de amizades, depois de um desentendimento familiar. Mas pede para não aprofundar o tema. Também fala pouco sobre os pais das crianças.

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Diz apenas que cada gravidez foi de um homem diferente. E que, tirando o pai do filho mais novo, que já morreu, os outros ex-companheiros a ajudam, mas não informa de que maneira. O homem que a engravidou do terceiro filho não é da cracolândia. Ele mora na Ilha do Governador, segundo E., que não diz onde nem o que ele faz. A jovem assume que é usuária de crack, mas garante que não é viciada. Ela assegura poder parar com o uso da droga quando quiser.

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— Antes da minha filha nascer vou estar longe. Não quero que ela nasça aqui. Eu não fico direto aqui. Sempre que posso durmo em casa — afirma, acrescentando que tem nove irmãos, sendo que apenas um, ainda adolescente, vive com sua mãe, que, segundo ela, criou todos os filhos sozinha.

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Seu maior medo é perder a guarda dos filhos. Ela diz que já sofreu muito. É filha única por parte de pai, mas nunca teve nenhuma assistência dos parentes paternos. Há dois anos, a casa em que sua mãe morava pegou fogo, e desde então a família vive de aluguel. E. conta que, desde que chegou à cracolândia da Brasil, nunca foi procurada por ninguém da prefeitura. Ela afirma não ser a única grávida ali.

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Para a obstetra Rosana Benevides, o uso de crack durante a gravidez é prejudicial tanto para a gestante como para o bebê. Ela diz que os principais riscos para a mãe são de parto prematuro, aborto, eclâmpsia e o desenvolvimento de hipertensão arterial. Já a criança pode ter comprometimento cerebral e intelectual, nascer com baixo peso e com síndrome de abstinência.

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— Quando a criança nasce, é cortado o fluxo da droga que vai para ela (pelo sangue da mãe). E essas drogas são alucinógenas. Então o bebê pode ter irritabilidade e até convulsões. Essas pacientes (as mães usuárias de crack) têm outros fatores de risco. Pode estar envolvida com outro tipo de droga, como álcool, além do risco de se expor a doenças sexualmente transmissíveis. Aí pode ter aids e sífilis, que podem ser transmitidas para a criança. É uma paciente de risco e, mesmo que seja desvinculada da droga, é difícil de manter em um tratamento. Além disso, tem as complicações obstétricas provocadas pela falta de regularidade de um pré-natal — explica a médica.

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Procurada, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos não informou quantas grávidas há no local e em outras cracolândias da cidade. Disse apenas que está trabalhando com o Instituto Pereira Passos para fazer esse levantamento, que deverá ser bianual, e quando o levantamento for concluído divulgará os resultados. Segundo o órgão, as pessoas em situação de rua são alvo de programas e ações diárias, não somente na Avenida Brasil, mas em todos os bairros da cidade, conforme o planejamento da secretaria.

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“É oferecido ao cidadão que está nas ruas tratamento ao usuário de drogas e álcool e assistência psicológica na rede pública, se assim ele concordar, além de ser feito, sempre dentro da lei e das regras estabelecidas. Porém, vale ressaltar que as pessoas em situação de rua formam um grupo social itinerante, bem como nas ações de abordagem, que obedecem estritamente a lei. Os assistentes sociais só podem agir conforme a vontade e o desejo do cidadão que está nas ruas, assim como é proibido por lei o acolhimento compulsório”, diz a nota.

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A secretaria acrescenta ainda que possui 63 abrigos, sendo 39 públicos e 24 conveniados, totalizando 2.335 vagas. A ocupação média mensal dessas unidades no inicio do ano foi de 3.075 usuários. O número maior que o de vagas se explica pelo fato das pessoas usarem as unidades em momentos distintos, diz o texto.

 

 

 

 

 

 

 

 

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