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Em ‘O Conto da Aia’, a maior ameaça é uma mulher com uma caneta na mão

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Veja publicação original: Em ‘O Conto da Aia’, a maior ameaça é uma mulher com uma caneta na mão

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Por Emma Gray e Laura Basset

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No capítulo 7 da segunda temporada, Serena e June finalmente se encontram como iguais.

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Aviso: seguem spoilers da segunda temporada de “O Conto da Aia”.

Existe poder em um nome.

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No episódio 7 da segunda temporada de O Conto da Aia, que ocorre depois do atentado suicida cometido por Ofglen (Tattiawna Jones), vemos as aias revelando seus verdadeiros nomes e compartilhando esses nomes com as outras aias. E damos um pulinho em Toronto, onde Moira (Samira Wiley) e Luke (O-T Fagbenle) esperam pelos nomes dos mortos. Vamos descobrir que Ofglen se chamava Lillie Fuller.

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E há poder em uma caneta. Isso é algo que Serena (Yvonne Strahovski) descobre quando tenta dar um jeito na destruição cometida pelo Comandante Cushing (Greg Bryk) e acaba chamando Nick (Max Minghella) e June (Elisabeth Moss) para ajudar.

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Intitulado “After”, o capítulo trata do que acontece depois da fuga, depois da rebelião, depois do trauma, depois que alguém que você ama desaparece. A resposta é que a vida acontece – a vida em toda sua glória complexa e contorcida.

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Vamos aos fatos.

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Emma: Eu queria fazer alguma brincadeira com a ideia de que a pena é mais poderosa do que a espada, mas pelo bem de nós duas vou me abster. O que vou dizer é que esse capítulo continua na trajetória de nos dar um pouquinho de esperança de que talvez, quem sabe, as coisas possam estar indo um pouco melhor em Gilead (temporariamente).

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Mas vamos primeiro falar do que foi pesado: aquele funeral, depois da missão suicida de Ofglen que parece ter matado 26 comandantes, incluindo o comandante Pryce, e 31 aias (mais um fato a nos lembrar que revoluções violentas nunca cobram seu preço de apenas um dos lados). Esta temporada está realmente nos trazendo todo tipo de acontecimento de vida e cerimônia, tudo ao estilo de Gilead. E – alerta de spoiler pela frente! –, os funerais em Gilead são tenebrosos e também artísticos.

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Laura: Aquele funeral foi altamente coreografado. Será que ensaiaram aquele deslocamento de um caixão para o outro?

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Fiquei surpresa pelo fato de as aias serem autorizadas a chorar a morte de outras aias, considerando que a explosão foi provocada por um atentado suicida, ou “ataque terrorista”, como está sendo chamado. Em vez de castigar as aias pela insurreição, Lydia emerge como a “consoladora em chefe”, dizendo às aias (sem a menor sinceridade) que tentou lhes proporcionar “um mundo sem dor”.

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Emma: Mas acho que Tia Lydia acredita realmente nas mentiras que ela conta. Parece que ela acredita sinceramente que este mundo, em que as aias cumprem a finalidade para a qual ela acha que Deus as destinou, é o que vai deixar essas mulheres realizadas e abençoadas. (Esse é meu aceno semanal à Hulu, pedindo que nos brinde um capítulo de flashbacks de Lydia. Os espectadores e Ann Dowd merecem!)

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Uma coisa que chamou minha atenção na cena do funeral foi que, embora as aias fossem autorizadas a chorar por suas colegas mortas, elas tiveram que chorar versões “sombras” das pessoas que morreram – ou seja, “Ofryan, Ofleo, Ofhal, Ofzev”. June e as outras aias sobreviventes comentam que nunca ficaram sabendo os nomes da maioria dessas mulheres, nem o de Ofglen. Gilead as roubou sua identidade e humanidade, mesmo na morte. Por isso foi tão emocionante no final do episódio vê-las começando a compartilhar seus nomes reais e ouvir o embaixador em Toronto dizer o nome de cada mulher morta no ataque. Ver Ofglen como Lillie Fuller – de cabelo lindo e cacheado – me levou às lágrimas. Foi mais um momento a nos lembrar que mesmo nas horas de compaixão em Gilead há algo fundamental que fica faltando.

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Laura: Sim, aquela cena no empório onde as mulheres começam a apresentar-se umas às outras foi uma das que gostei mais em todo o seriado. Foi tão marcante, porque essas mulheres já passaram por tanta coisa juntas – funerais, cerimônias, tortura, momentos de identificação secreta, tentativas de revolução. Parece inimaginável que muitas delas ignorassem algo tão básico quanto os nomes das outras.

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Acho que esse é o verdadeiro início da resistência – o reconhecimento pleno da identidade real das outras aias. É nesse ponto que as aias começam a reconquistar sua autonomia. E Serena não percebe, mas ela também está contribuindo para isso quando reconhece, pela primeira vez, que June foi editora. Ela dá uma caneta a June e finalmente a trata como humana, em pé de igualdade com ela, uma pessoa com habilidades e uma profissão. Agora que June e as outras mulheres estão lembrando e voltando a reivindicar plenamente suas identidades antigas, será impossível retomarem completamente seu papel de aias submissas. É um sino que foi tocado, e essa ação não pode ser desfeita.

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Emma: Concordo plenamente. Existe tanto poder em um nome, tanto poder na capacidade da pessoa se expressar pela palavra falada e escrita. São coisas que Gilead fez tudo para reprimir, especialmente entre as mulheres. Quero falar mais da progressão de Serena. Desde o início da temporada estamos vendo Serena fazer essa dança, tentando avaliar como melhor se posicionar em relação a June. Ela já experimentou ignorar June, repreendê-la, espancá-la, criar uma fachada bonitinha mas falsa de amizade. Neste episódio ela faz algo novo: confia uma missão a June, em pé de igualdade, como você falou.

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O contexto dessa aliança intranquila nasce de uma necessidade – e a aliança é realmente intranquila, porque a cumplicidade de Serena e a importância que a estrutura de Gilead tem para ela são coisas que tampouco podem ser desfeitas. O comandante Waterford ficou gravemente ferido no atentado, mas ainda está vivo. Basicamente, está incapacitado enquanto se recupera no hospital. E, como o comandante Pryce morreu, isso deixa um vácuo de poder que os outros comandantes querem muito preencher. O comandante Cushing se encarrega das tarefas de segurança de Pryce e se mostra mais brutal que Pryce e Waterford. Gilead vira uma “zona de guerra”, nas palavras de Serena, com pessoas baleadas na rua quase aleatoriamente e famílias inteiras enforcadas, famílias de pessoas que se imagina que tivessem tido algum vínculo com a resistência clandestina. Gilead sempre foi um lugar apavorante, mas agora o clima atinge todo um novo nível de terror.

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Em dado momento ele aparece na casa dos Waterford sem ser anunciado para interrogar June. Fica claro que ele não acredita que nos meses em que ficou desaparecida ela estava sequestrada e ele quer descobrir quem a ajudou. June não modifica seu relato, insistindo que foi levada contra sua vontade, mas fica evidente que Cushing desconfia de Waterford ou, no mínimo, está procurando alguma justificativa para acabar com ele. Foi um momento estranho de tomada de consciência: por mais que Waterford seja tirano, ele garante alguma proteção às pessoas de sua casa, June, Serena, Rita, Nick. Como você se sentiu vendo as coisas mudar tão de uma hora para outra? De repente June e Serena têm um inimigo em comum.

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HULU

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Laura: Passei a temporada inteira fascinada pela evolução da relação entre June e Serena, e o que fez esse capítulo ser tão interessante é que agora vemos que elas realmente se respeitam mutuamente. As duas são mulheres fortes, e, se as duas se unirem, podem potencialmente comandar Gilead. É claro que elas nunca vão chegar a confiar plenamente uma na outra, mas nesse episódio fiquei com a impressão de que June quase curtiu o fato de que Serena a ouviu, tomou o poder na casa e arrasou Cushing sem levantar um dedo. Fica claro que Serena também respeita June. Por baixo das mentiras que Gilead as ensinou a falar, parece que elas se entendem.

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Será interessante ver quanto tempo dura essa aliança, considerando que em última análise a missão de uma contraria a da outra. No momento, as duas querem se proteger e proteger o bebê de June. É provável que June emerja como líder da resistência e Serena terá que descobrir como combatê-la sem jogar por terra sua própria esperança de ser mãe. Por enquanto, porém, a combinação poderosa de June + Serena faz o Comandante parecer inútil, até impotente, e assistir a isso dá uma satisfação enorme.

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Emma: Reconheço que por um instante me deixei curtir um fantasia em que Serena e June conseguiriam de algum jeito apagar o passado da relação delas, começar de novo e se unirem para valer. As duas são mulheres poderosas e fascinantes, inteligentes demais para viver as vidas que Gilead acha que elas merecem (ou, no caso de Serena, que ela ajudou a moldar). Houve um momento de normalidade entre elas em que quase dava para imaginar que elas eram duas amigas se sentando para tomar um vinho e desabafar sobre o dia horrível que tinham tido.

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“Conhecíamos Ray e Sonja desde antes – o comandante Cushing”, fala Serena. “Passávamos férias juntos. Fomos para Antigua uma vez. As praias de lá são belíssimas. Mesmo naquela época, Ray já era falastrão.” Imagino que antes de Gilead Serena não tolerasse falastrões. Imagino que ela enxergue os homens péssimos e inúteis como tais, que ela seja capaz de enxergar além das aparências e que seja em parte por isso que o comandante Waterford se sentiu tão atraído por ela. Agora seu poder sutil é desperdiçado dando apoio a esses homens péssimos, mas neste caso ela dá um basta, porque Cushing quer atacar sua vida, sua família. A história de Serena já é familiar: uma mulher que tem tanta magia, que quer fazer o que é certo, mas que em última análise só se preocupa com os outros quando isso a impacta diretamente. Mesmo assim, eu queria tanto ver Serena e June derrotarem Gilead com uma enxurrada de mandados assinados e ordens editadas.

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HULU

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Laura: Adorei aquela fala de Serena quando ela pega as rédeas nas mãos: “O Comandante vai perdoar meus erros”. Mesmo em Gilead, ela não é uma mulher que pede permissão.

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Uma coisa que chamou minha atenção neste episódio, intitulado “After” (Depois), foi o contraste entre a cerimônia bizarra de luto em Gilead e a cena tão familiar em Toronto, onde uma multidão aguarda ansiosa para ouvir os nomes completos das vítimas do atentado, do mesmo jeito como nós fazemos quando estamos esperando ouvir os nomes das vítimas de um acidente aéreo ou chacina numa escola. Vemos Moira bem mais neste capítulo, quando ela toma conhecimento da pior notícia possível: que sua noiva, Odette, está entre as muitas mulheres mortas pela República de Gilead.

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HULU

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Emma: As cenas em Toronto também destacaram a diferença entre como Moira reagiu com o “depois” da fuga de Gilead e como foi a reação de Luke. Luke mergulhou fundo numa rotina. Ele vai à embaixada da Pequena América para buscar informações, mas não fica lá para tentar procurar mais. “Você não quer saber se ela está bem?” pergunta Moira, aludindo a June. “Ela não está bem”, Luke responde. “Ela está viva. Tenho confiança nisso.” “Isso não é saber”, fala Moira.

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Esse momento nos obriga a indagar: é melhor saber ou não saber o pior? No final do episódio Moira confirma algo que ela já sabia com quase certeza: que Odette (que vamos descobrir que e a médica que tratou de Moira em sua gravidez anterior a Gilead) foi assassinada antes da guerra. A confirmação da notícia é um alívio? Sim e não. No mínimo, Moira agora pode dar nome à sua dor. Ela pode render homenagem e Odette em meio aos outros americanos mortos em Gilead. Pode colocar a foto delas duas entre centenas de outras fotos e pode se apoiar em Luke. Enquanto isso, Luke apenas repete ações sem sentido. Ele não pode chorar uma perda permanente, mas tampouco pode ignorar que sua mulher e filha provavelmente estão sofrendo.

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Laura: Acho que o fato de as personagens serem tão bem desenvolvidas e nuançadas em suas reações é prova do valor do trabalho dos roteiristas. Vemos isso não apenas com Luke e Moira, mas também com Emily e Janine, que voltam a Gilead quando começam a faltar aias férteis para o regime. Janine está animada e otimista (talvez querendo negar a realidade?), dizendo a June como está grata por não estar mais nas colônias. Então June se aproxima de Emily, que está tendo a reação contrária. Lágrimas escorrem por seu rosto porque ela sabe que, apesar de ter suportado condições desumanas e miseráveis nas colônias, isso era melhor do que ser estuprada todo mês – especialmente depois de ter sofrido mutilação genital dolorosa. Emily é realista, enquanto Janine parece possuir uma capacidade surpreendente de apagar as coisas ruins de sua consciência.

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HULU

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Emma: É interessante, eu interpretei de outro modo aquele momento entre Emily e June. Achei que Emily estava emocionada ao ver aquelas mulheres, que ela deve ter pensado que nunca iria rever na vida. Acho que ela tinha se resignado a morrer nas colônias, e agora está de volta. Ainda no inferno, é claro, mas ainda em pé, ainda viva, ainda resiliente.

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E aquele foi o vislumbre de esperança que vimos. Essas mulheres disseram seus nomes reais, disseram os nomes umas das outras, e talvez, um dia, como Moira, poderão dar nome à sua dor. E June ganhou uma caneta. Não poderia ser mais simbólico que isso em Gilead.

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Laura: Sabe de uma coisa, para mim, como jornalista, não há nada mais animador do que ver uma mulher com caneta na mão. Espero que ela corrija todos os erros ortográficos daqueles documentos. Vá à m…., Gilead!

 

 

 

 

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