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Em Moçambique as mulheres lutam pela paz

Saiu no site FOLHA PE

 

Veja publicação original: Em Moçambique as mulheres lutam pela paz

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De Moçambique, a colaboradora da coluna Mulheres de Movimento esta semana é a antropóloga alemã Heike Friedhoff, que já viveu no Brasil, trabalha como consultora para projetos da cooperação internacional e é ativista do movimento feminista daquele país

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Por Carla Gisele Batista

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Moçambique foi colônia portuguesa por quatro séculos, tornando-se independente apenas em 1975. À guerra de independência seguiu-se um período de guerra civil que durou mais de 15 anos. O não cumprimento do Acordo Geral de Paz** firmado em Roma no ano de 1992 entre o governo, que é da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) – o maior partido de oposição, que é acusado de ter um braço armado – levou a que conflitos internos voltassem a ameaçar a população a partir de 2014 . 

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Nos dias 6 e 7 de Novembro de 2018 ocorreu na cidade de Gorongosa, na comunidade de Canda, o acampamento internacional solidário das mulheres sobre os temas da paz, segurança e empoderamento econômico. A antropóloga alemã Heike Friedhoff, que já viveu no Brasil e mora desde 2014 em Moçambique, trabalha como consultora para projetos da cooperação internacional e é ativista do movimento feminista daquele país, enviou-nos notícias de lá. As fotos são dela e de Gonçalo Viton Garcia. 

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Carla Batista

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Viver em paz

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Por Heike Friedhoff

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Cerca de 300 mulheres das 11 províncias de Moçambique e ativistas de AngolaColômbiaRepública Democrática do Congo e Zimbábue participaram do acampamento que foi organizado pelo movimento das mulheres da região centro de Moçambique. As organizações que se envolveram ativamente na preparação e execução foram o Grupo de Mulheres de Partilha de Ideias de Sofala (GMPIS),  – Levante Mulher e Siga seu Caminho (LeMuSiCa), de Manica, Núcleo das Associações Femininas, de Tete (Nafet). O acampamento foi apoiado pela ONU MulheresMisereor e pela Fundação Friedrich Ebert. O foco da troca de experiências era o impacto de conflitos armados na vida das mulheres e como elas podem participar ativamente dos processos de paz e reconciliação e se empoderarem economicamente.

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Estudo da ONU Mulheres mostra que a probabilidade de duração de um acordo de paz aumenta em 35% se as mulheres estiverem ativamente envolvidas no processoEstudo da ONU Mulheres mostra que a probabilidade de duração de um acordo de paz aumenta em 35% se as mulheres estiverem ativamente envolvidas no processo

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Em pauta os recentes confrontos políticos e militares entre as forças do governo e a Renamo, que afetaram severamente o município de Canda e os efeitos se sentem até hoje. Os testemunhos sobre o impacto dos conflitos nas suas vidas foram chocantes e mostraram o alto grau de sofrimento causado pela morte de crianças e adultos, a destruição da infraestrutura de suas comunidades, o abuso sexual de mulheres e meninas, a privação de seus meios de subsistência, já que elas não podiam mais cultivar seus campos, só para citar alguns.

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Em maio de 2018 o Plano de Ação Nacional sobre “Mulheres, Paz e Segurança” foi publicado e tem a resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas como base, abordando a participação efetiva das mulheres e meninas em processos de paz, segurança e recuperação. Um estudo da ONU Mulheres mostra que a probabilidade de duração de um acordo de paz aumenta em 35% se as mulheres estiverem ativamente envolvidas no processo. No acampamento foi discutido o Plano de Ação governamental de 2018-2022 e foram debatidas propostas concretas para implementação do mesmo nos distritos e comunidades.

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Troca de experiências 
Em vários grupos de trabalho as ativistas convidadas da Colômbia, Angola e Congo compartilharam suas experiências sobre o envolvimento das mulheres nos processos de negociação de paz em seus países. Irene Esambo, advogada de Kinshasa, relatou as estratégias utilizadas no Congo para garantir a participação de mulheres, jovens e pessoas com deficiência. Amanda Ibarra do movimento feminista Ruta Pacífica de las Mujeres Putumayo, da Colômbia, sublinhou na sua contribuição os mais de 20 anos de experiência na mobilização em massa e desobediência civil em casos de violações dos direitos por situações de guerra. Na intervenção de Penina Paulino, de Angola, viu-se os muitos paralelos entre a história angolana e moçambicana e as experiências traumáticas das mulheres em situações de guerra.

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O intercâmbio não se limitou a conflitos armados, mas também houve troca de experiências sobre conflitos relacionados aos recursos naturais e terras, que também levam à ausência de paz e segurança, situações em que as mulheres também são as grandes perdedoras. As mulheres de Moatize, na província de Tete, relataram que os projetos de reassentamento afetam principalmente as mulheres porque elas estão sendo transferidas para áreas onde os solos costumam ser ruins para a agricultura e onde precisam andar muito para conseguir água. A poluição por transporte de carvão em vagões abertos leva ao aumento de doenças respiratórias, além de que são as mulheres que têm de cuidar dos doentes.

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Mulheres de diferentes comunidades também relataram que nas consultas comunitárias com investidores e governo participam quase exclusivamente homens e estes negociam os termos dos seus interesses e não nos interesses das mulheres.

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Empoderamento econômico
Este foi o tema central do segundo dia. Discutiram-se propostas concretas para uma declaração a ser entregue ao governo. Aconteceram workshops nos quais as mulheres mostravam às outras participantes como se produz, por exemplo, sabão ou remédio natural. Como muitos homens também estavam interessados nas discussões, foi organizada uma oficina paralela, na qual cerca de 50 participaram, incluindo muitos jovens. Dialogaram sobre a violência doméstica, os casamentos forçados e a contribuição dos homens para um processo de paz inclusivo. A condução foi de um ativista social que faz parte do programa Eles por Elas, da ONU Mulheres.

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Refeições foram preparadas com produtos locais pelas mulheres da própria comunidadeRefeições foram preparadas com produtos locais pelas mulheres da própria comunidade

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As mulheres dormiram em tendas na comunidade e tomaram banho no rio próximo. À noite, elas sentaram juntas para trocar ideias, informalmente, numa fogueira feminista. As refeições foram preparadas com produtos locais pelas mulheres da própria comunidade.

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As ações do movimento regional de mulheres são baseadas na ideia de solidariedade entre elas e em dar voz às mulheres das comunidades. Vários acampamentos já foram organizados nos últimos anos e o raio de abrangência – anteriormente nacional, agora internacional – e o número de participantes, aumenta a cada encontro.

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A mensagem clara das mulheres do acampamento é: “queremos, finalmente, viver em paz!”.

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Ações do movimento regional de mulheres são baseadas na ideia de solidariedade entre elas e em dar voz às mulheres das comunidadesAções do movimento regional de mulheres são baseadas na ideia de solidariedade entre elas e em dar voz às mulheres das comunidades

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**O acordo previa em seu texto original o cessar fogo por parte da Renamo, e do governo, o compromisso de não aplicação de leis vigentes que o contrariassem. O acordo trata de vários temas que abrangem a reorganização do país no pós guerra. Entre eles, determina sobre a liberdade de associação, expressão, propaganda política e a implementação da democracia multipartidária; liberdade de imprensa e dos meios de comunicação. Prevê a organização de processos eleitorais com sistema de voto democrático, imparcial e plural. Regresso e reintegração social de refugiados.

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Inclui protocolo sobre a formação e estrutura de comando das forças armadas e defesa do país, determinando a retirada de tropas estrangeiras e extinção de grupos armados privados e irregulares; despartidarização e reestruturação das forças policiais; previa também a reintegração de militares desmobilizados e a libertação de prisioneiros.

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Determinava ainda a criação de uma comissão para observar o processo de instituição dos protocolos previstos no acordo e o compromisso de ajuda humanitária à população de Moçambique.

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* Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora e feminista desde a década de 1990. Graduou-se em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1992) e fez mestrado em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (2012). Atuou profissionalmente na organização SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (1993 a 2009), como assessora da Secretaria Estadual de Política para Mulheres do estado da Bahia (2013) e como instrutora do Conselho dos Direitos das Mulheres de Cachoeira do Sul/RS (2015). Como militante, integrou as coordenações do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Articulación Feminista Marcosur. Integrou também o Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil). Já publicou textos em veículos como Justificando, Correio da Bahia, O Povo (de Cachoeira do Sul).

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** A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas

 

 

 

 

 

 

 

 

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