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E se as mulheres entrassem em greve, o que acontecia ao país?

Saiu no site EXPRESSO – PORTUGAL

 

Veja publicação original:  E se as mulheres entrassem em greve, o que acontecia ao país?

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maginem que esta tarde 90% das mulheres do nosso país entravam em greve geral. Dos seus empregos, do trabalho doméstico, dos cuidados familiares. O que aconteceria se as mulheres simplesmente não estivessem disponíveis para executar todas as tarefas que diariamente têm sobre os seus ombros? Tarefas essenciais para a manutenção da sociedade, mas que pecam pela desigualdade ou até mesmo inexistência de reconhecimento e recompensa. Há 43 anos houve um país onde isto aconteceu. E o resultado merece atenção.

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Foi a 24 de outubro de 1975 que as mulheres islandesas praticamente paralisaram o país. Lojas, hospitais, escolas e demais empresas e instituições viram boa parte da sua força de trabalho reduzida naquela tarde. Algumas tiveram de fechar. Muitos homens viram-se obrigados a pensar no que cozinhar para o jantar pela primeira vez na vida. Muitas crianças tiveram de ir com os pais para o trabalho porque as mães não estavam disponíveis. Apenas alguns exemplos, parte deles simbólicos, mas que tiveram o condão de pôr uma sociedade inteira a pensar na invisibilidade da importância do trabalho das mulheres.

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Naquela altura, a Islândia vivia situações de desigualdade social, principalmente no que dizia respeito a violência de género, trabalho doméstico, condições económicas, oportunidades laborais, liderança nas empresas e acesso ao poder político. Se pensarmos um pouco, são basicamente o mesmo tipo de situações com as quais nos debatemos em Portugal por esta altura. É certo que nos dá esperança a entrada em vigor de diversas leis essenciais para a regulação de alguns destes problemas, mas falta que as mentalidades acompanhem. E que boa parte da população, incluindo a feminina, consiga perceber que embora “as coisas tenham sido sempre assim”, não têm de continuar a ser.

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ISLANDESAS VOLTAM HOJE À RUA: “ESTAMOS LONGE DE SER UM PAÍS IGUALITÁRIO”

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Na Islândia, a luta pela construção da igualdade que se vive hoje começou há 43 anos, e aquela greve geral foi crucial para desbravar um caminho ímpar que a torna num dos países mais paritários do mundo. Mesmo assim, e com tantas conquistas, as mulheres islandesas voltam esta tarde às ruas. Porquê? Lia ontem num artigo a seguinte frase dita por uma ativista islandesa: “Percorremos um caminho enorme e estamos na senda da igualdade de género no mundo. Mas a Islândia está longe de ser um país igualitário”. Este tipo de consciência coletiva sobre a plenitude da igualdade, que ano após ano continua a levar milhares de mulheres islandesas à rua, merece uma vénia.

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Sim, a Islândia tem feito avanços incríveis em termos de igualdade. Sim, a Islândia foi, inclusive, o primeiro país do mundo a ter uma Presidente eleita democraticamente. Mais de quarenta anos de protestos sobre estas matérias levaram a que o país esteja na vanguarda da igualdade de género, com muitas das suas conquistas diretamente ligadas à implementação de leis que ajudam a regular as desigualdades no país, desde as quotas de género nos quadros de administração, à legislação que visa a igualdade salarial por trabalho igual, às licenças de parentalidade iguais para pais e mães, à despenalização do aborto ou até mesmo a disciplina obrigatória de ensino secundário dedicada aos estudos de género.

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Escusado será dizer que a Islândia é um tremendo exemplo a seguir. E se dúvidas existem quanto à força de protestos públicos, movimentos coletivos e voz ativa das populações, olhemos para os números desta ilha. A Islândia lidera há sete anos consecutivos o ranking da igualdade de género do Fórum Económico Mundial. Ao todo, está resolvida 87% da disparidade entre homens e mulheres no que toca a participação económica e oportunidades, acesso à educação, saúde e sobrevivência e empoderamento político. Por exemplo, cerca de 40% dos membros dos conselhos de administração e direção de empresas da Islândia são mulheres. O mesmo para os números de deputadas no Parlamento. Quanto ao gap salarial entre homens e mulheres, não chega aos 10%.

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ENTÃO PORQUE É QUE ELAS CONTINUAM A PROTESTAR?

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Mas se estando eu em Portugal tudo isto me parece admirável, para quem está lá a perspectiva é outra. É a perspectiva de quem sabe que mesmo que estes números sejam uma lufada de ar fresco quando comparados com boa parte do resto do mundo, continuam a ser indicadores negativos. E isso, por mais baixo que seja o nível de desigualdade, não é aceitável. Porquê? Diz-nos o dicionário que desigualdade significa “diferença; irregularidade; injustiça”. E as mulheres islandesas parecem ter uma noção bastante clara da inaceitabilidade destes adjetivos para as suas vidas.

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Hoje elas voltam a sair à rua, em greve, porque sabem que esta é uma luta que não só ainda não está completa, como tampouco pode ser considerada um dado adquirido (basta pensar que nas últimas eleições a representação feminina no Parlamento baixou quase 10%). Porque os estereótipos de género continuam a existir e a definir os papéis de homens e mulheres no dia-a-dia, mesmo que as estatísticas mostrem números animadores. Muitos diriam que este tipo de pensamento é apenas picuinhas e que as mulheres nunca estão satisfeitas, “nem mesmo quando ganham quase tanto como os homens”, como ouvi há uns tempos numa conversa da café. Eu volto a dizer que a mim parece-me que este exercício de cidadania, com tamanha resiliência, é apenas um sinal claro de consciência. Porque seja ela pior ou menos má, não existe desigualdade da boa. E é ingénuo, ou até mesmo ofensivo, acharmos que sim. Cada uma no seu contexto, mais ou menos urgentes, todas as lutas são pertinentes enquanto existir um problema de base que assenta em preconceito e injustiça.

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Quem me dera que por cá as pessoas percebessem isto e se mobilizassem desta forma para o bem comum, percebendo que no final de contas ele se traduz também no seu bem individual. Como diria o slogan da greve de hoje: “Não são as mulheres que têm de mudar, é a sociedade”.

 

 

 

 

 

 

 

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