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De manicure à liderança comunitária na periferia de São Paulo

Saiu no site SETOR 3

 

Veja publicação original:   De manicure à liderança comunitária na periferia de São Paulo

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Adélia Prates aprendeu a ler com 22 anos e fundou a Associação das Mulheres do Grajaú, que combate a violência e luta pelos direitos desse público.

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Nos primeiros meses deste ano, a ativista Adélia Prates, de 72 anos, foi homenageada como uma das celebridades femininas mais inspiradoras por suas ações a favor dos direitos das mulheres, no Bairro do Grajaú, extremo sul de São Paulo. Em março, a história dela marcou a estreia da 1ª Festa Literária do Grajaú. Na sequência, em abril, o Senac Tiradentes apresentou um monólogo com o roteiro sobre a sua trajetória na Semana Senac de Leitura, e aproveitou a oportunidade para entregar à ativista a segunda via do certificado, emoldurado, do Curso de Manicure, que concluiu em 1973. “Fechei os olhos e me vi subindo novamente as escadas da unidade”, lembra Adélia.

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Foi essa capacitação que garantiu à Adélia sustentar seus filhos e realizar os seus sonhos. Concursada, hoje está aposentada pela Prefeitura de São Paulo e, também, pela Associação das Mulheres do Grajaú, entidade que ajudou a fundar para combater a violência contra as mulheres, quando a região ainda era uma mata fechada.

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Adélia tem uma história de desafios desde pequena. Morou na roça no interior de São Paulo e depois na Bahia. Era a segunda dos sete filhos, abandonados pelo pai quando ela tinha sete anos. Nessa idade, começou a trabalhar em casa de família, onde usava um banco para alcançar o fogão e cozinhar. Nunca foi autorizada a frequentar a escola.

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Antes de iniciar o Curso de Manicure, a ativista só tinha conseguido estudar aos 22 anos, numa instituição no Bairro de Higienópolis, onde trabalhava como cozinheira durante o dia e aprendia a ler e a escrever à noite: “Até chorei quando escrevi meu nome. Me senti como uma pessoa surda e muda que, de repente, começou a falar.” Mais tarde, fez o Mobral e chegou até a quarta série do ensino fundamental. Só com 40 anos de idade, terminou o ensino médio.

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Para entrar no Senac com uma bolsa de estudos, Adélia precisou fazer a redação com o título O Elefante e a Formiguinha. Ela foi aprovada pelo que tinha de melhor: garra e criatividade. Recém-alfabetizada, escreveu que a instituição era o elefante, que proporcionava a educação, e ela a formiguinha que, mesmo a passos curtos, carregava muitos sonhos, representados pelas folhinhas que levava nas costas.

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“Tinha aulas de relações humanas. Segui os 10 mandamentos ensinados para me tornar uma boa manicure. Aprendi que a gente precisava saber ouvir, ser educada, ter higiene, não fazer fofoca, enfim, saber se comportar diante do cliente.”

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Depois de trabalhar como doméstica, foi contratada como encarregada de uma equipe de 50 pessoas numa empresa de limpeza. Nessa época, juntou dinheiro para ajudar o marido a comprar um terreno no Grajaú. Queria e teve o canto próprio. Mesmo com a casa inacabada, sem janela, piso, vaso sanitário, luz, água, decidiu mudar-se com os filhos pequenos para o quarto e sala no terreno.

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“Cobria as janelas com papelão, dormíamos no chão e a vizinha emprestava água; e fui me ajeitando. Mas estava na minha casa. Nessa época, fazia faxina pela manhã e unha, em Higienópolis, na casa da minha ex-patroa, da vizinhança e das empregadas que conhecia no bairro.”

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Lutar pela comunidade do Grajaú começou logo que chegou por lá. Adélia aliou-se a outras mulheres e abriu um clube de mães na igreja, onde ensinava meninas a partir de 10 anos a fazer unha, vendia peças de croché, bolos, reformava roupas, entre outras atividades, para arrecadar dinheiro e empregar nas próprias inciativas do espaço. O clube, que mudou de local, tornou-se uma associação nos anos 80 e referência para debater sobre temas de interesse das mulheres: saúde, defesa de direitos, educação, questões sociais e até sobre como construir a própria casa. “Eu continuava como manicure, fazendo ou dando aula; até trabalhar somente na periferia.”

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“Tudo o que precisávamos para o Grajaú, as mulheres quem conseguiam. Na Rua Estrada do Baroré, muita gente morria atropelada por falta de sinalização. Abrimos cinco valas que impediam os carros de passar até que a prefeitura instalou um semáforo. Outra ocasião, a carne era muito cara, fizemos um boicote. Ensinamos as mulheres a cozinharem receitas sem carne. Foi uma vitória”, conta Adélia.

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Com o apoio de aproximadamente 200 mulheres que frequentavam a casa, o bairro foi melhorando com posto de saúde, creche, escolas, pavimentação, policiamento, entre outras demandas. Em 1983, a associação ganhou visibilidade internacional com a morte da irmã de Adélia, assassinada grávida, pelo próprio marido. Um dos protestos reuniu mais de cinco ônibus que levaram mulheres a questionar o ex-presidente Michel Temer, na época Secretário da Segurança Pública de São Paulo, sobre a violência contra a mulher.

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“A nossa luta ficou conhecida. Eu dei muita entrevista e viajei para todo lugar divulgando as nossas causas.”

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Estudar no Senac Tiradentes foi um dos passos mais importantes da vida dela: “Como manicure nunca mais passei dificuldades”, diz. Continuou estudando e comemorando novas conquistas. Os seus dois filhos estudaram, trabalham e, hoje, moram com suas famílias, no Grajaú.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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